Socorro por tarifaço era necessário
O Globo
Programa do governo foi bem elaborado, mas
gastos não devem ser excluídos de cálculo da meta fiscal
O tarifaço de Donald Trump traz
um prejuízo imprevisto a empresas brasileiras cujo faturamento depende de
exportações ao mercado americano. Era, portanto, necessário adotar medidas de
socorro para elas superarem a dificuldade inicial, terem chance de buscar novos
mercados ou de ajustar a produção sem comprometer a sobrevivência do negócio.
Anunciado na quarta-feira, o pacote do governo federal se inspira na
experiência da ajuda ao Rio Grande do Sul: redestina dinheiro acumulado em
fundos para a concessão de crédito e prorroga prazos para pagamento de
impostos. Na tentativa de evitar que o provisório se torne permanente, cria um
sistema de ressarcimento de tributos com valor máximo e prazo definido. Ao
todo, o impacto fiscal é pequeno.
O maior problema é a intenção declarada do
governo de excluir do cálculo da meta fiscal os R$ 9,5 bilhões previstos no
auxílio. As regras do arcabouço aprovado em 2023 preveem que o objetivo será
cumprido se o resultado ficar dentro de uma faixa de até 0,25% do Produto
Interno Bruto (PIB) em torno do centro da meta. Essa banda foi adotada
justamente para o governo não ser penalizado por choques extraordinários. Mas
na prática, quando tem havido imprevistos, o governo corre ao Congresso para
obter uma exceção e excluir os novos gastos do cálculo da meta. É uma manobra
sem cabimento. Mesmo que o Congresso concorde com o drible, economistas de
instituições privadas incluirão o programa de socorro em seus cálculos. Se com
isso o déficit ficar além do permitido, haverá erosão ainda maior na
credibilidade das contas públicas.
Para o governo do presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva, o plano de socorro era a parte fácil. As decisões dependiam basicamente
de ouvir as demandas do setor produtivo. O maior desafio continua a ser abrir
um canal de negociação com a Casa Branca para reduzir a tarifa de 50% ou, no
mínimo, ampliar as exceções ao tarifaço. Num primeiro momento, Lula acertou ao
evitar falar em retaliações. Mas Trump continua irredutível, e as portas ao
diálogo estão fechadas. Só que isso não pode servir de desculpa. Uma aliança
com setores empresariais americanos afetados negativamente pode ser um caminho
promissor a explorar. Afinal, o tarifaço não é nocivo apenas para o Brasil, mas
também para os próprios americanos.
Outro imperativo é incentivar a abertura de
novos mercados para as exportações. Nesse ponto, é preciso cuidado para não
aumentar ainda mais a dependência brasileira da China, nosso principal parceiro
comercial. Seria um erro o Brasil abdicar da equidistância e ceder à tentação
dos apelos chineses. Assim como foi um erro a insistência em defender uma moeda
alternativa ao dólar e a iniciativa de investir no Brics como contraponto aos
Estados Unidos, deixando em segundo plano a relação bilateral com os
americanos.
O governo precisa reagir à crise com sabedoria e equilíbrio. Mas não foi Lula que a criou. A culpa inequívoca cabe à família Bolsonaro e a seus aliados. Eles pediram por sanções e, uma vez obtidas, celebraram as tarifas. Ante a gravidade da situação, a oposição — em especial os governadores que, mais uma vez, pouparam Bolsonaro de críticas diante de uma plateia de investidores — deveria ter mais responsabilidade e comprometimento com o interesse nacional. É hora de abandonar o confronto improdutivo da agenda bolsonarista e pensar no Brasil.