sexta-feira, 15 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais /Opiniões

Socorro por tarifaço era necessário

O Globo

Programa do governo foi bem elaborado, mas gastos não devem ser excluídos de cálculo da meta fiscal

O tarifaço de Donald Trump traz um prejuízo imprevisto a empresas brasileiras cujo faturamento depende de exportações ao mercado americano. Era, portanto, necessário adotar medidas de socorro para elas superarem a dificuldade inicial, terem chance de buscar novos mercados ou de ajustar a produção sem comprometer a sobrevivência do negócio. Anunciado na quarta-feira, o pacote do governo federal se inspira na experiência da ajuda ao Rio Grande do Sul: redestina dinheiro acumulado em fundos para a concessão de crédito e prorroga prazos para pagamento de impostos. Na tentativa de evitar que o provisório se torne permanente, cria um sistema de ressarcimento de tributos com valor máximo e prazo definido. Ao todo, o impacto fiscal é pequeno.

O maior problema é a intenção declarada do governo de excluir do cálculo da meta fiscal os R$ 9,5 bilhões previstos no auxílio. As regras do arcabouço aprovado em 2023 preveem que o objetivo será cumprido se o resultado ficar dentro de uma faixa de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) em torno do centro da meta. Essa banda foi adotada justamente para o governo não ser penalizado por choques extraordinários. Mas na prática, quando tem havido imprevistos, o governo corre ao Congresso para obter uma exceção e excluir os novos gastos do cálculo da meta. É uma manobra sem cabimento. Mesmo que o Congresso concorde com o drible, economistas de instituições privadas incluirão o programa de socorro em seus cálculos. Se com isso o déficit ficar além do permitido, haverá erosão ainda maior na credibilidade das contas públicas.

Para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o plano de socorro era a parte fácil. As decisões dependiam basicamente de ouvir as demandas do setor produtivo. O maior desafio continua a ser abrir um canal de negociação com a Casa Branca para reduzir a tarifa de 50% ou, no mínimo, ampliar as exceções ao tarifaço. Num primeiro momento, Lula acertou ao evitar falar em retaliações. Mas Trump continua irredutível, e as portas ao diálogo estão fechadas. Só que isso não pode servir de desculpa. Uma aliança com setores empresariais americanos afetados negativamente pode ser um caminho promissor a explorar. Afinal, o tarifaço não é nocivo apenas para o Brasil, mas também para os próprios americanos.

Outro imperativo é incentivar a abertura de novos mercados para as exportações. Nesse ponto, é preciso cuidado para não aumentar ainda mais a dependência brasileira da China, nosso principal parceiro comercial. Seria um erro o Brasil abdicar da equidistância e ceder à tentação dos apelos chineses. Assim como foi um erro a insistência em defender uma moeda alternativa ao dólar e a iniciativa de investir no Brics como contraponto aos Estados Unidos, deixando em segundo plano a relação bilateral com os americanos.

O governo precisa reagir à crise com sabedoria e equilíbrio. Mas não foi Lula que a criou. A culpa inequívoca cabe à família Bolsonaro e a seus aliados. Eles pediram por sanções e, uma vez obtidas, celebraram as tarifas. Ante a gravidade da situação, a oposição — em especial os governadores que, mais uma vez, pouparam Bolsonaro de críticas diante de uma plateia de investidores — deveria ter mais responsabilidade e comprometimento com o interesse nacional. É hora de abandonar o confronto improdutivo da agenda bolsonarista e pensar no Brasil.

Trumpismo seria o Brasil de amanhã? Por Fernando Abrucio

Valor Econômico

O Centrão precisa acordar. Lideranças de partidos de centro-direita e direita continuam alimentando os corvos que poderão comer seu poder no próximo quadriênio

O que pode ocorrer de pior do que o embargo econômico americano sobre o Brasil, causado pela aliança entre o presidente Trump e o bolsonarismo? Quase nenhuma notícia dos últimos 40 anos foi tão ruim como essa, com exceção da pandemia de covid-19, sobretudo pela forma desastrosa como o presidente Bolsonaro lidou com essa crise.

Mas há algo ainda mais grave que pode acontecer: a vitória de um grupo político em 2026 que defenda as mesmas ideias do trumpismo. Entender o que seria esse efeito Orloff é um bom exercício para compreender os riscos presentes na eleição geral de 2026.

Para quem não lembra, o efeito Orloff relacionava-se com uma propaganda de bebida da década de 1980. Nela, o protagonista acordava com uma baita ressaca, gerando a célebre frase: “Eu sou você amanhã”. Essa ideia comparou Brasil e Argentina, principalmente nos anos 1990, pensando sempre que o que estava ruim num lugar se repetiria depois no outro.

A continuidade do golpe, por José de Souza Martins

Valor Econômico

Fica claro que está em andamento um novo desenho da geopolítica de hegemonia americana

Todo o cenário do processo político indica que o golpe continua. O atrevido envolvimento direto de Trump e da diplomacia americana na soberania brasileira indica que a direita quinta-coluna bolsonarista não está a fim de abrir mão do retorno ao poder para ficar.

Fica claro que está em andamento um novo desenho da geopolítica de hegemonia americana. A de uma América debilitada pelo declínio do capitalismo americano numa circunstância de transformação no capitalismo internacional.

O capital não tem pátria e menos ainda com o notável fortalecimento da economia chinesa e, de vários modos, a unidade e diversidade do capitalismo europeu.

Transformações econômicas e políticas impensáveis na época de Marx e mais recentemente na Guerra Fria fragilizam os EUA e propõem perigosos dilemas para um país como o Brasil.

Não teria passado pela cabeça de ninguém que um poderoso Partido Comunista, como o chinês, se transformasse no patrono de capitalismo que desafiasse a maior potência econômica e militar do mundo.

Nada mais antigo do que o passado recente, por Andrea Jubé

Valor Econômico

É o futuro que nos aflige

Notório autor de frases de efeito, o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues dizia que “não há nada mais antigo do que o passado recente”. Relembrado por ocasião dos 100 anos do jornal “O Globo”, do qual foi colunista, o autor de “Vestido de Noiva” afirmou em uma crônica de 1968 que “a toda hora e em toda parte, a vida injeta o passado no presente”.

Atualmente, brasileiros assistem, perplexos, à vida injetando o passado de ações intervencionistas dos Estados Unidos no Brasil. Em 201 anos de relações diplomáticas, prevaleceram a amizade e alianças políticas e comerciais entre os dois países, com respeito mútuo pela soberania, mas com incidentes pontuais.

Lembre-se que em 1952, quando o presidente Harry Truman pressionou Getúlio Vargas a enviar soldados para lutarem ao lado dos americanos na Guerra da Coreia, o mandatário brasileiro recusou-se. Para não se indispor com o aliado, Getúlio propôs um acordo militar, envolvendo a exploração em solo nacional de matérias estratégicos, como urânio e terras raras. Tal qual se deu no passado, atualmente, o interesse americano pelas mesmas terras raras, abundantes no Brasil, pode ajudar a reconstruir a relação entre os dois países.

Poderes têm de dar resposta uníssona, por Vera Magalhães

O Globo

Não pode haver condescendência com Eduardo Bolsonaro, que se acha inatingível a ponto de fazer ameaças ao presidente da Câmara

A sem-cerimônia com que o deputado Eduardo Bolsonaro tem feito ameaças cada vez mais explícitas a autoridades, funcionários públicos e cidadãos comuns brasileiros só é possível porque ele se sente respaldado pelo avanço autoritário vertiginoso do governo Donald Trump e duvida que receberá alguma punição por conspirar contra o próprio país.

Uma obra recém-lançada no Brasil ajuda a entender a velocidade com que Trump — eleito para um novo mandato em 2024 depois de derrotado quatro anos antes — vem tomando de assalto as instituições e dinamitando sem dificuldade o até então hígido sistema de freios e contrapesos da democracia norte-americana.

Trata-se de “O projeto”, livro do jornalista David A. Graham, que se debruça sobre a concepção e a implementação, na Presidência de Trump, do Projeto 2025, plano de ação tratado na campanha do ano passado pelo republicano como fantasioso, mas que vai sendo posto em prática quase ponto por ponto.

Não era birra, era golpe, por Bernardo Mello Franco

O Globo

Às vésperas de ser julgado pela tentativa de golpe, Jair Bolsonaro se diz vítima de um “massacre”. O capitão se queixa da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República e da imprensa. Só poupa o ministro Alexandre de Moraes, a quem costumava se referir com palavrões.

Nas alegações finais ao Supremo, os advogados do ex-presidente insistem na tática de desqualificar os investigadores e atacar o acusador. Descrevem Mauro Cid, ex-sombra de Bolsonaro, como “delator sem credibilidade”. O vaivém de versões conta a favor do réu, mas a denúncia empilha muitas provas além da palavra do militar.

Brasil fracassa no combate às fake News, por Pablo Ortellado

O Globo

Ataques não justificam que medidas excepcionais tenham se transformado em rotina

Diante da percepção de que havia uma ameaça à democracia, a Justiça brasileira rompeu a prática da maioria dos países democráticos e passou a determinar a remoção de informação falsa nas mídias sociais. Alguns anos depois, podemos dizer que o experimento brasileiro fracassou.

Desde 2016, quando a eleição de Trump e a aprovação do Brexit foram atribuídas à circulação de fake news, diferentes iniciativas legislativas tentaram regular a disseminação de desinformação. Na União Europeia, um grande debate opôs quem se preocupava mais com os efeitos da disseminação da desinformação e quem se preocupava mais com a proteção da liberdade de expressão.

Muitas crises e alguma oportunidade, por Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

A melhor forma de navegar neste mar tão revolto é ter objetivos claros neste mundo em mudança

O Brasil não vive uma crise. Vive muitas ao mesmo tempo. Algumas são universais, como a climática e a do comércio internacional, completamente revirado pelas iniciativas de Donald Trump.

É pretensioso supor que uma só pessoa consiga abordar esse punhado de crises, em busca de caminhos para o País. No passado, escrevíamos teses bastante gerais que eram uma espécie de roteiro de discussão ou mesmo um estímulo à pesquisa.

A ordem internacional do comércio foi subvertida por Trump. Isso é irreversível pelo menos durante seu mandato.

Que papel o Brasil pode encontrar neste novo arranjo em que todos se movem em busca de novos mercados? Há consenso de que devemos buscar também novos compradores para nossos produtos. O multilateralismo fortalecido pode ser uma resposta mundial a Trump.

O ‘novo Hugo Motta’, por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Eduardo Bolsonaro jogou Hugo Motta, Davi Alcolumbre e Centrão contra o novo golpe

Assim como Donald Trump quer dominar o mundo, mas empurra países e blocos para a órbita da China, Eduardo Bolsonaro tenta controlar o Congresso, mas jogando os presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, no colo do presidente Lula. Guardadas as devidas (e óbvias) proporções, Trump e o 03 confirmam que têm, pelo menos, três problemas em comum: ódio, megalomania e falta de estratégia. Agem por impulso, com o fígado.

A guinada de Motta é evidente. Antes, cauteloso com as palavras e o tom, para se equilibrar entre oposição e governo e ter apoio e suporte do Centrão, que é quem manda no Congresso, Motta passou a assumir posições claras, sem papas na língua, após as chantagens de Eduardo Bolsonaro pelas redes sociais e, principalmente, depois da invasão bolsonarista no plenário, com o sequestro de sua própria cadeira.

Um plano de desunião e destruição, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Julgamento de Bolsonaro, lei de big techs, raiva de Rubio e Rússia são próximos riscos

É raro Donald Trump dedicar ao Brasil mais do que poucas frases de suas falações. Nesta quinta, a algaravia antibrasileira foi mais longa. Avacalhou a política comercial, a Justiça e disse que Jair Bolsonaro passa por "execução política".

Na Casa Branca, respondia a pergunta sobre México e Brasil se aproximarem da China (disse que não está nem aí). Mas Trump não fez mais ameaças ao Brasil. Vai bater mais? O Brasil agora teria plano de reação?

Pode ser que estejamos fora do radar por estes dias. Trump está entretido com a Ucrânia e em receber em solo americano Vladimir Putin, persona non grata no mundo quase inteiro.

Sim, estamos na mira do secretário de Estado, Marco Rubio, que mandou tirar vistos de brasileiros relacionados ao Mais Médicos. A decisão, porém, pode ser apenas iniciativa mais particular de Rubio. Ao longo da vida, o agora chefe da política externa dos Estados Unidos prometeu dar um jeito na esquerda latino-americana, em Cuba em particular.

A censura de Trump às estatísticas e às análises econômicas, por Bráulio Borges

Folha de S. Paulo

Perda de credibilidade de dados poderá afastar mais os investidores do dólar

O governo Trump vem alegando que a tarifa de 50% aplicada a diversos produtos exportados pelo Brasil para os EUA seria uma forma de punir nosso país por uma suposta ausência de liberdade de expressão. É um argumento bastante frágil e incoerente com diversas outras posturas do atual mandatário dos Estados Unidos.

Em primeiro lugar, é importante destacar que, segundo o V-Dem, o índice que mensura o grau de liberdade de expressão aumentou no Brasil em 2023 e 2024, após ter recuado de 2015 a 2021.

Ademais, a despeito de algumas decisões recentes questionáveis de nosso Judiciário, o mesmo índice do V-Dem aponta que estamos em posição muito melhor do que alguns países que não têm sido criticados pelo governo Trump nesse aspecto, como Hungria, Turquia e El Salvador.

Brasil virou uma caverna do Taleban, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Pautas ligadas a liberdades individuais, como direito a aborto, eutanásia e a uso de drogas, não avançam

Fiquei feliz ao ler nesta Folha que foi criada no Brasil a Eu Decido, a primeira associação em defesa do direito à morte assistida. Essa é uma bandeira que empunho há décadas. Não sou, porém, muito otimista em relação à possibilidade de resultados concretos em breve.

A conjuntura política por aqui nos transportou metaforicamente para uma caverna do Taleban. Não só não vemos avançar liberdades individuais já consagradas nos países desenvolvidos, como a de usar drogas ou abortar, como ainda lidamos com a ameaça de retrocessos. O leitor se lembrará da recente tentativa da bancada da Bíblia de aprovar uma lei que equipararia abortos tardios a homicídios. Meninas estupradas que só descobrissem a gravidez com mais de 20 semanas e abortassem, como a lei hoje autoriza, ficariam sujeitas a um castigo maior do que o reservado a seus estupradores.

Um aroma de conchavo no ar, por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Sem a devida punição aos amotinados, o Congresso dirá que aceita conviver com a insubordinação

Os movimentos em torno do destino dos parlamentares que ocuparam os plenários da Câmara dos Deputados e do Senado, na semana passada, deixam um aroma de conchavo no ar.

Há base regimental para mandar os casos direto aos conselhos de ética das duas Casas, bem como há fartos registros de imagens para documentar o que foi muito além da quebra de decoro.

Ainda assim, dos senadores rebelados nada se fala e sobre os deputados amotinados o que se providencia é uma postergação de dois meses (50 dias úteis) na decisão acerca do tipo de punição a ser aplicada a eles.

Depois de 'meio puto', povo vai reeleger Lula em 2026? Por Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Sinais na economia e na política, como queda da inflação e confusão na direita, sopram ventos favoráveis ao presidente

"O povo tinha razão de estar meio puto porque o feijão estava caro, a carne estava cara. O povo tem razão e agora nós temos que ter o compromisso de melhorar e as coisas estão melhorando", disse Lula em entrevista a Reinaldo Azevedo, na Bandnews, na terça (12). Não se pode dizer que o presidente esteja fora da realidade. Os ventos estão mudando a seu favor.

Quem, por exemplo, esperava ou torcia por uma tempestade econômica provocada pelas sanções tarifárias determinadas por Donald Trump, até aqui pelo menos não se deu muito bem. A cotação do dólar, que já vinha cedendo, recuou ainda mais e chegou, na terça (12), ao mais baixo valor em 14 meses.

Poesia | Joaquim Cardozo - Poesia em Pedra

 

Música | Paulinho da Viola - Filosofia, de Noel Rosa