Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A divulgação dos resultados do "teste de stress" aplicado pelo governo Obama nos principais bancos americanos marca o fim de um capítulo importante da crise econômica que vivemos. O pânico que atingiu os mercados financeiros após a quebra do Lehman Brothers chegou ao fim.
Posso fazer esta observação com segurança ao leitor do Valor. O comportamento dos mercados de crédito nas últimas semanas suportam de forma inconteste esta minha afirmação. Quando escrevo esta coluna, a taxa interbancária de três meses no mercado de Londres está em 0,94% ao ano, ou seja, um prêmio de 77 pontos sobre os títulos do Tesouro americano de mesmo prazo. Ele chegou a mais de 464 pontos no auge do pânico.
Outros mercados de crédito privados mostram a mesma melhora acentuada. O prêmio pago pelos títulos privados de alta qualidade (AAA), que chegou a mais de 6% ao ano nos dias pós-Lehman, caiu agora para 2,15%. Na segunda metade de 2008 esta diferença era de 1,8%, apenas 0,35% ao ano menor do que a verificada na sexta-feira. O mesmo comportamento ocorre com os títulos com grau de investimento (acima de BBB-), com seu prêmio de risco caindo de 5,5% no pico da crise para 3,75% na última sexta. Outra prova desta mudança de humor pode ser encontrada nos mercados de câmbio. O dólar está devolvendo boa parte dos ganhos que teve contra outras moedas durante a crise, pois era visto como um porto seguro pelo mercado.
O que assusta os mercados financeiros é o chamado desconhecido. Nestas situações, os profetas do caos ganham credibilidade e acabam por alimentar a insegurança de investidores e empresas com suas previsões. Os mercados perdem liquidez e a volatilidade dos preços acaba por expulsar a racionalidade do dia a dia dos negócios. Agora, com os números divulgados pelo governo sobre a saúde do sistema bancário americano, voltamos ao terreno de uma maior previsibilidade. O cenário de stress definido pelo governo não pode ser considerado frouxo ou otimista, como alguns tentam mostrar. O banco Goldman Sachs avaliou que suas hipóteses para testar a saúde dos bancos são menos agressivas do que o cenário utilizado pelo governo em seu exercício de futurologia.
O resultado mostra que nenhum dos 19 maiores bancos americanos está insolvente. É verdade que muitos necessitam de capital adicional, mas o exercício indica que os resultados operacionais esperados no cenário de stress permitem que os bancos absorvam gradualmente as perdas nos próximos dois anos sem descontinuidades adicionais na funcionalidade do sistema.
Há uma chance real de que o círculo vicioso entre stress financeiro e recessão, vivido nos últimos meses, tenha sido interrompido, ao menos temporariamente. Isso não significa que os problemas foram superados, muito pelo contrário. Mas a dinâmica dos mercados será diferente a partir daqui.
Nas próximas semanas o medo do incerto vai se reduzir e a volatilidade nos mercados de câmbio, juros e ações deve se normalizar. Além de menos agressiva, sua natureza também vai mudar. Os fatores de risco estarão agora relacionados às inseguranças dos analistas quanto à trajetória da recuperação econômica nas principais economias do mundo, principalmente nos Estados Unidos. Teremos uma recuperação do tipo V? Ou será um U a forma mais correta para defini-la? Os mais pessimistas vão falar de um L - situação que ocorreu no Japão dos anos 90 - como o cenário mais provável. Mas todas elas estarão relacionadas com dados econômicos, não bruxarias. Ou seja, a incerteza agora será mais "racional" na medida em que se baseia em dados relacionados com o lado real da economia. Caso a economia encontre algum sinal de estabilização, isso reforçará a calmaria financeira, e vice-versa, em um reverso do círculo vicioso recente.
O foco central para entender os movimentos da economia e dos mercados nos próximos meses será certamente o comportamento do consumidor americano em seu processo de ajuste, que será longo e penoso. É aí que reside a maior incerteza. Para quanto subirá a taxa de poupança da família americana? Qual será a trajetória deste ajuste? Como as empresas responderão a uma demanda estruturalmente mais fraca e até onde ainda subirá o desemprego? Mesmo solventes, os bancos estão frágeis. Terão eles condições de prover crédito? Por isto os dados mais importantes para navegar com sabedoria nos próximos meses estarão ligados, direta ou indiretamente, a esta dinâmica de consumo e poupança, pois é aí que estará a chave para uma recuperação ou para um novo agravamento da recessão. Destes, os mais relevantes me parecem ser: vendas no varejo, informações sobre emprego e renda, dados sobre o mercado imobiliário, preço da gasolina (por conta de seu impacto na renda disponível) e comportamento do crédito ao consumo. O volume de vendas no varejo e as informações sobre salários e renda mostrarão mês a mês o movimento da taxa de poupança.
A situação do mercado imobiliário vai influenciar este movimento de ajuste na medida em que a casa própria é o item mais importante da riqueza do consumidor. Para tranquilizá-lo, será necessária uma maior visibilidade sobre o valor real de seu imóvel e sua relação com o saldo devedor de sua hipoteca. Caso ocorra nos próximos meses uma estabilização dos preços, o americano se sentirá mais seguro e poderá reduzir seu consumo corrente de forma mais suave. Se persistir a fragilidade do mercado hipotecário, o ajuste na taxa de poupança pode ser mais agressivo e rápido.
Outro fator importante será o comportamento dos bancos em relação ao crédito ao consumidor. Elemento fundamental para explicar a explosão de consumo da última década, ele agora vai influenciar a busca de um novo equilíbrio nos gastos dos americanos. Os dados mais recentes mostram uma extraordinária redução na disponibilidade deste tipo de crédito. Atualmente este movimento defensivo dos bancos tem sido acompanhado por uma queda equivalente na demanda de crédito. Mas, para que haja uma recuperação mais rápida e sustentada da economia, em algum momento nos próximos meses será necessária uma volta do crédito ao consumo. Se isto não ocorrer a recuperação será bem mais lenta.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
A divulgação dos resultados do "teste de stress" aplicado pelo governo Obama nos principais bancos americanos marca o fim de um capítulo importante da crise econômica que vivemos. O pânico que atingiu os mercados financeiros após a quebra do Lehman Brothers chegou ao fim.
Posso fazer esta observação com segurança ao leitor do Valor. O comportamento dos mercados de crédito nas últimas semanas suportam de forma inconteste esta minha afirmação. Quando escrevo esta coluna, a taxa interbancária de três meses no mercado de Londres está em 0,94% ao ano, ou seja, um prêmio de 77 pontos sobre os títulos do Tesouro americano de mesmo prazo. Ele chegou a mais de 464 pontos no auge do pânico.
Outros mercados de crédito privados mostram a mesma melhora acentuada. O prêmio pago pelos títulos privados de alta qualidade (AAA), que chegou a mais de 6% ao ano nos dias pós-Lehman, caiu agora para 2,15%. Na segunda metade de 2008 esta diferença era de 1,8%, apenas 0,35% ao ano menor do que a verificada na sexta-feira. O mesmo comportamento ocorre com os títulos com grau de investimento (acima de BBB-), com seu prêmio de risco caindo de 5,5% no pico da crise para 3,75% na última sexta. Outra prova desta mudança de humor pode ser encontrada nos mercados de câmbio. O dólar está devolvendo boa parte dos ganhos que teve contra outras moedas durante a crise, pois era visto como um porto seguro pelo mercado.
O que assusta os mercados financeiros é o chamado desconhecido. Nestas situações, os profetas do caos ganham credibilidade e acabam por alimentar a insegurança de investidores e empresas com suas previsões. Os mercados perdem liquidez e a volatilidade dos preços acaba por expulsar a racionalidade do dia a dia dos negócios. Agora, com os números divulgados pelo governo sobre a saúde do sistema bancário americano, voltamos ao terreno de uma maior previsibilidade. O cenário de stress definido pelo governo não pode ser considerado frouxo ou otimista, como alguns tentam mostrar. O banco Goldman Sachs avaliou que suas hipóteses para testar a saúde dos bancos são menos agressivas do que o cenário utilizado pelo governo em seu exercício de futurologia.
O resultado mostra que nenhum dos 19 maiores bancos americanos está insolvente. É verdade que muitos necessitam de capital adicional, mas o exercício indica que os resultados operacionais esperados no cenário de stress permitem que os bancos absorvam gradualmente as perdas nos próximos dois anos sem descontinuidades adicionais na funcionalidade do sistema.
Há uma chance real de que o círculo vicioso entre stress financeiro e recessão, vivido nos últimos meses, tenha sido interrompido, ao menos temporariamente. Isso não significa que os problemas foram superados, muito pelo contrário. Mas a dinâmica dos mercados será diferente a partir daqui.
Nas próximas semanas o medo do incerto vai se reduzir e a volatilidade nos mercados de câmbio, juros e ações deve se normalizar. Além de menos agressiva, sua natureza também vai mudar. Os fatores de risco estarão agora relacionados às inseguranças dos analistas quanto à trajetória da recuperação econômica nas principais economias do mundo, principalmente nos Estados Unidos. Teremos uma recuperação do tipo V? Ou será um U a forma mais correta para defini-la? Os mais pessimistas vão falar de um L - situação que ocorreu no Japão dos anos 90 - como o cenário mais provável. Mas todas elas estarão relacionadas com dados econômicos, não bruxarias. Ou seja, a incerteza agora será mais "racional" na medida em que se baseia em dados relacionados com o lado real da economia. Caso a economia encontre algum sinal de estabilização, isso reforçará a calmaria financeira, e vice-versa, em um reverso do círculo vicioso recente.
O foco central para entender os movimentos da economia e dos mercados nos próximos meses será certamente o comportamento do consumidor americano em seu processo de ajuste, que será longo e penoso. É aí que reside a maior incerteza. Para quanto subirá a taxa de poupança da família americana? Qual será a trajetória deste ajuste? Como as empresas responderão a uma demanda estruturalmente mais fraca e até onde ainda subirá o desemprego? Mesmo solventes, os bancos estão frágeis. Terão eles condições de prover crédito? Por isto os dados mais importantes para navegar com sabedoria nos próximos meses estarão ligados, direta ou indiretamente, a esta dinâmica de consumo e poupança, pois é aí que estará a chave para uma recuperação ou para um novo agravamento da recessão. Destes, os mais relevantes me parecem ser: vendas no varejo, informações sobre emprego e renda, dados sobre o mercado imobiliário, preço da gasolina (por conta de seu impacto na renda disponível) e comportamento do crédito ao consumo. O volume de vendas no varejo e as informações sobre salários e renda mostrarão mês a mês o movimento da taxa de poupança.
A situação do mercado imobiliário vai influenciar este movimento de ajuste na medida em que a casa própria é o item mais importante da riqueza do consumidor. Para tranquilizá-lo, será necessária uma maior visibilidade sobre o valor real de seu imóvel e sua relação com o saldo devedor de sua hipoteca. Caso ocorra nos próximos meses uma estabilização dos preços, o americano se sentirá mais seguro e poderá reduzir seu consumo corrente de forma mais suave. Se persistir a fragilidade do mercado hipotecário, o ajuste na taxa de poupança pode ser mais agressivo e rápido.
Outro fator importante será o comportamento dos bancos em relação ao crédito ao consumidor. Elemento fundamental para explicar a explosão de consumo da última década, ele agora vai influenciar a busca de um novo equilíbrio nos gastos dos americanos. Os dados mais recentes mostram uma extraordinária redução na disponibilidade deste tipo de crédito. Atualmente este movimento defensivo dos bancos tem sido acompanhado por uma queda equivalente na demanda de crédito. Mas, para que haja uma recuperação mais rápida e sustentada da economia, em algum momento nos próximos meses será necessária uma volta do crédito ao consumo. Se isto não ocorrer a recuperação será bem mais lenta.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.
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