A mudança da política para os bancos públicos anunciada pelo governo de Jair Bolsonaro colocou um ponto de interrogação na oferta de crédito neste ano. Ao empossar os novos presidentes do Banco do Brasil, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Caixa, na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, indicou a clara intenção de mudar o posicionamento dos bancos públicos por meio da redução do crédito direcionado, que geralmente tem taxas subsidiadas, lastreadas em recursos do Tesouro ou fundos especiais como o FAT e o FGTS, e regulamentado pelo governo. Apesar de ser louvável a intenção de mudar essas regras, pode haver uma comoção se essas torneiras forem fechadas de uma hora para outra. Os bancos públicos são grandes players do mercado e o crédito direcionado tem um papel relevante na oferta de recursos. As instituições privadas não podem substituí-los repentinamente.
Os bancos públicos são os grandes operadores do crédito direcionado, que ganhou grande espaço nos governos petistas. Os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff encarregaram essas instituições de competir com os privados para forçar a redução dos spreads, além promover alguns programas do governo como o Minha Casa Minha Vida e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O BNDES ficou com a missão de financiar com juros baixos os eleitos para a política de "campeões nacionais". O resultado não foi o esperado. Os juros continuaram tão elevados como sempre, assim como os spreads. As instituições públicas entraram em áreas onde não tinham tradição, nem sempre com bom resultado nos balanços. Um exemplo foi o empréstimo de R$ 2,6 bilhões que a Caixa fez à J&F para a compra da Alpargatas. Foram concedidos créditos a parceiros no exterior que deram calote.
Esse quadro começou a mudar já na gestão de Michel Temer. Há dois anos, em janeiro de 2017, o crédito direcionado representava exatamente a metade do saldo total de crédito, que era de R$ 3,075 trilhões. A crise fiscal e, principalmente, o encolhimento imposto ao BNDES e também a redução da demanda diante da letargia da economia e das incertezas eleitorais, reduziram essa fatia para 46,4% do saldo total de R$ 3,202 trilhões, registrado em novembro. A criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), mais próxima dos patamares de mercado, em substituição à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), já foi uma sinalização. A fatia das instituições de controle estatal no estoque de crédito passou de 43,6% para 55,8%, entre 2011 e 2015. Essa participação recuou no governo Temer com uma forte desaceleração do BNDES e mudanças na gestão do Banco do Brasil e da Caixa. No fim de novembro, estava em 51,7%, ainda assim, mais da metade.
Dados do fechamento de 2018 serão divulgados no fim de janeiro. A previsão é de pequeno crescimento real do saldo de empréstimos. Em 12 meses até novembro, o crescimento era de 4,4%, praticamente empatando com a inflação do período.
Para este ano, o BC informou no Relatório Trimestral de Inflação (RTI), estar projetando aumento de 6%, com crescimento de 10,5% do crédito livre e de 1% do direcionado. Como a inflação está estimada em 4%, haverá crescimento real do saldo de empréstimos se os números se confirmarem. Isso não aconteceu em 2016, quando o crédito diminuiu 3,5%; e em 2017, quando encolheu mais 0,5%. Mas as projeções do BC foram feitas antes do anúncio dessa nova política e ainda embutiam um módico aumento das linhas direcionadas.
A questão é, no entanto, mais complexa. Como apontou reportagem do Valor (14/1), para estimular a concessão dos empréstimos não basta virar uma chave. O governo terá que rever o crédito direcionado, reduzindo os subsídios do Tesouro e as distorções. Do estoque de R$ 1,487 trilhão do crédito direcionado em novembro, 89,8% referiam-se a modalidades com taxas de juros reguladas pelo governo. Crédito imobiliário e operações do BNDES respondem por 81,5% dos casos em que os juros não são livremente fixados. Uma das distorções causadas por esse tipo de subsídio é dificultar a queda do juro médio cobrado. Como o crédito direcionado não é afetado pela política monetária do BC, ele é obrigado a elevar os juros acima do necessário porque 50% do volume de crédito da economia não é sensibilizado pelos movimentos da taxa Selic. Assim, enquanto a taxa média de juros do crédito direcionado era de 8,3% em novembro, a das operações com recursos livres estava em 37,9%, chegando a 255,6% no cartão e a 305,7% no cheque especial.
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