Para economista, Lula 3 ainda não deu sinais claros de que abandonou modelos fracassados do passado
Alexa
Salomão / Folha de S. Paulo
BRASÍLIA
- Apesar
de o novo governo lembrar com frequência os acertos das duas
gestões anteriores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não dá
para fragmentar o governo do PT, afirma o economista Arminio Fraga. O partido
mudou a rota na política econômica durante seu período à frente do Planalto,
com prejuízos para o Brasil, e o fato de nunca ter admitido os erros dessa
estratégia alimenta desconfianças até hoje.
"Acho fundamental entender como um todo o período em que o
PT governou. Não dá para ser seletivo e escolher apenas a parte que
deu certo. Depois do Palocci [ministro da Fazenda Antonio Palocci, de janeiro
de 2003 a março de 2006], a estratégia mudou radicalmente —e foi esse erro que
desembocou no colapso da economia.", afirma Fraga, que também é colunista da Folha.
"Mesmo que não se ajoelhe no milho e se faça um
mea-culpa —dificilmente um político faz esse tipo de coisa—, seria bom que se
mostrasse através da prática que as lições foram aprendidas."
Os sinais, até o momento, vão numa direção que o
preocupa, diz Fraga. Segundo ele, voltar trás na Lei das Estatais e utilizar
bancos públicos e a Petrobras para fomentar a economia lembra medidas que fracassaram no passado.
Olhando para a frente, Fraga considera positiva a
iniciativa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de reduzir o déficit
primário deste ano, mas está à espera das medidas de longo prazo que vão
sinalizar o que é mais importante, os rumos da política econômica no Lula 3.
"Espero que ele apresente metas para os dois anos seguintes, que levem o saldo primário ao terreno confortavelmente positivo, que, na minha avaliação, teria de ser no mínimo 2% do PIB [Produto Interno Bruto]."
Antes da posse, no final
do ano, o sr. afirmou que não se arrependia de ter votado em Lula, mas estava
preocupado, especialmente por causa da PEC, que elevou o gasto em 2023. Qual é
o estágio de preocupação agora que temos ministros empossados e discurso
sinalizando diretrizes?
Continua alto. Em grandes áreas, como educação, saúde e meio
ambiente, a simples indicação dos ministros nos permite enxergar mudanças muito
positivas. Em outras áreas, nem tanto. Na área que acompanho, por ser a minha
praia, a economia, os sinais foram dados antes da posse, e não foram bons. A
definição de uma estratégia maior está por vir, bem como que passos deverão ser
dados e em qual sequência.
Mas o meu voto em Lula teve contornos claramente políticos.
Foi um voto preocupado com a nossa democracia —e reafirmo que não me arrependo.
Me preocupava mais com o que aconteceria à democracia do Brasil com Bolsonaro
do que o que Lula faria na economia, mesmo não tendo clareza quanto a isso. Não
há segredo que foi um voto muito mais político do que econômico.
Diria que, afora o primeiro mandato do presidente
Lula, eu jamais votaria no PT, por causa do ideário do partido e também de suas
práticas. Os sinais que foram dados pelo próprio presidente eleito mostraram,
desde cedo, que não seria o modelo do primeiro mandato. Resta a dúvida se será
como no segundo, sua versão turbinada no governo Dilma. Mas não importa, meu
voto seria o mesmo.
Acho fundamental entender como um todo o período em
que o PT governou. Não dá para ser seletivo e escolher apenas a parte que deu
certo. Depois do Palocci, a estratégia mudou radicalmente —e foi esse erro que
desembocou no colapso da economia.
Eu diria que até falta um pouco de humildade em relação a
isso.
Mesmo que não se ajoelhe no milho e se faça um
mea-culpa —dificilmente um político faz esse tipo de coisa—, seria bom que se
mostrasse através da prática que as lições foram aprendidas
Por exemplo. O buraco fiscal começou em 2014 e 2015.
O colapso da economia que veio a seguir foi um colossal colapso de confiança.
Hoje, parte da herança que o presidente Lula recebe veio dele próprio.
Tenho e sido cuidadoso com o pouco que falo e escrevo,
esperando posicionamentos do ministro Fernando Haddad e de seus
parceiros na economia para, então, fazer uma análise mais embasada. Mas há no
ar sinais de que as coisas podem desembocar em outro desastre econômico, e isso
de fato me preocupa.
Que sinais?
Eu gosto de pensar [o cenário] olhando três grandes
áreas em que o governo pode e deve atuar na economia.
Sem nenhum peso dado à sequência, penso que,
primeiro, é preciso ter uma macroeconomia que tire do horizonte grandes saltos, riscos e crises.
Muita gente diz aqui no Brasil, e não é de agora, que é preciso tirar a
economia da primeira página dos jornais. Algo assim.
Depois, tem os aspectos ligados ao crescimento.
Crescimento em economia tem a ver com demanda e oferta, mas se fala muito em
demanda —naquele modelo "gasto é vida", e pouca oferta. Isso deixa de lado um aspecto vital [para o crescimento], a
produtividade.
Eu ainda não tenho uma visão clara do que o atual
governo pensa sobre o tema, mas a gente ouve muita coisa que sugere a volta a
um passado fracassado.
Por fim, também temos as urgentes questões sociais e as ligadas às desigualdades e
à falta de oportunidades. Elas são importantes em qualquer lugar do
mundo, mas em um país extremamente desigual, como o Brasil, resolvê-las é uma
condição necessária para que o país possa evoluir. O não tratamento dessas
questões empurra o país para o populismo e gera tensões frequentes.
Que fique claro aqui que as respostas à desigualdade
são plenamente compatíveis com a aceleração do crescimento. Estou falando de
investimento em educação, saúde, segurança e infraestrutura, o que inclui áreas
como saneamento e transportes.
Quais seriam os sinais
de uma volta ao passado fracassado?
São vários pontos. Mexer no que promete
grandes avanços, caso do marco do saneamento. Voltar para trás na Lei das
Estatais. Usar, Deus sabe como, os bancos públicos. Usar a Petrobras em manipulações que quebraram a empresa
no passado.
Será que isso vai acontecer de novo? O que a gente
escuta indica que é bem possível.
Como o sr. avalia a
prorrogação da desoneração dos combustíveis?
Mais para mal. O tema tem várias dimensões.
A favor da volta do imposto temos a questão fiscal.
A ordem de grandeza dos valores envolvidos é elevada. Eu incluiria também a
questão ambiental. Ela não é muito mencionada, mas o mundo inteiro enxerga a
tributação do carbono como uma ferramenta para evitar uma desgraça climática
planetária.
Do outro lado está a ideia da inflação no curto prazo.
Mas se a gente pensar, temos o bom funcionamento de um sistema de metas de
inflação em vigor há 24 anos. O impacto direto do aumento no nível de preços
advindo de uma mudança tributária deve ser, em boa parte, acomodado pelo Banco
Central, que deve, sim, combater os efeitos secundários.
Suponho que houve receio em cutucar os caminhoneiros
com a alta do diesel e que também se pensou nos custos para o sistema de
transporte público. Mas, colocando tudo na balança, eu acho que teria sido
melhor a volta plena do imposto.
O ministro Haddad afirma
que vai reduzir o déficit deste ano revendo, entre outras medidas, o corte de
desonerações concedidas na gestão Bolsonaro. Como o sr. vê essa
iniciativa?
Sob o ponto de vista macroeconômico, essa é a
prioridade. Mas eu penso que nós temos que dar tempo ao ministro para ele
mostrar qual é o caminho que ele enxerga como possível. Pessoalmente, eu espero
que ele apresente metas para os dois anos seguintes, que levem o saldo primário
ao terreno confortavelmente positivo, que, na minha avaliação, teria de ser no
mínimo 2% do PIB. Esse aspecto da Lei de Responsabilidade Fiscal tem que
ser preservado.
E mais, não sou dos que acham que uma boa política
macroeconômica se resume a estabilizar a dívida no nível em que ela já está. A
dívida está caminhando para 80% do PIB de novo, com uma taxa de juros real
muito alta, de fato, e sem a menor chance de que haja uma mágica voluntarista
para resolver a questão.
A meta de saldo
primário?
Sim. Eu acrescentaria também uma meta de gastos, que
sempre podem ser sujeitos a chuvas e trovoadas de situações emergenciais. Essa
meta pode e deve ser capaz de eliminar aspectos pró-cíclicos da política fiscal.
Esse é um tema que está no ar há muito tempo. Eu me
lembro que o discuti com o ministro Palocci antes de ele tomar posse. Não foi
possível naquela época. No entanto, entendo que está na hora de introduzir uma
política fiscal que tenha elementos anticíclicos
Há duas componentes possíveis.
Uma primeira seria fixar no Orçamento o gasto e a
previsão de receita. Se a economia crescer mais rápido, dá para acumular uma
gordura, porque a receita vai ser mais alta do que se previa. Simetricamente,
se a economia desacelerar, não se fará corte de gastos para compensar a queda
na receita.
O outro ponto seria consertar e aperfeiçoar os
mecanismos da área social, o que inclui mexer no seguro desemprego. No Brasil,
ele não funciona muito bem. Eu não sou um especialista na área, mas há um
consenso que as regras então ultrapassadas e, eu diria, até bagunçadas.
Qual o seu balanço sobre
a composição da equipe econômica?
Eu não quero fulanizar. Está muito cedo para fazer
um balanço. Já vimos gente com uma formação muito boa fazer um monte de
bobagens microeconômicas, e o contrário também. Pode acontecer qualquer coisa.
Eu não sou da escola de Campinas ou da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
Muitos deles pararam no tempo, fizeram muita bobagem
historicamente, mas isso não quer dizer que vão fazer de novo. Eu acho que
realmente é preciso respeitar as pessoas que estão lá e dar a elas uma chance
para mostrar o que querem fazer de fato.
O sr. não quer
funalizar, mas um que apanhou muito por causa de sua escola foi o
economista Guilherme Mello [Secretário de Política
Econômica, professor na Universidade Estadual de Campinas].
Acho que ele mesmo deve saber que faz parte.
Qualquer um que está nessa posição sabe que vai entrar num turbilhão de
críticas, frequentemente injustas e falsas. Se não estiver preparado para isso,
é melhor fazer outra coisa.
O que se diz é que, no
conjunto, a equipe é diversa. Vão trabalhar juntos Geraldo Alckmin, Fernando
Haddad, Simone Tebet e Esther Dweck. Eles são muito diferentes.
Bom, vamos lá. A ministra Simone Tebet tem se posicionado, eu
diria, mais liberal na economia. O fato de ela ter tido Elena Landau como
principal assessora deixa isso absolutamente claro. O vice-presidente Geraldo Alckmin é um quadro histórico do
PSDB. Os outros sempre trabalharam mais do lado heterodoxo.
De qualquer forma, eu não vejo porque rotular as
pessoas sem dar a elas uma chance de mostrarem o que pretendem fazer como um
grupo. É bom ter um pouquinho de calma. Em breve veremos. Aí vamos ter debates
substantivos. Eu já passei pelo governo. Sempre achei que o debate crítico era
muito útil.
*Arminio Fraga, 65. Economista pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e doutor na área pela Universidade de Princeton, é sócio-fundador da gestora Gávea Investimentos. Foi diretor-gerente do Soros Fund Management, empresa de investimentos do empresário George Soros (1993 a 1999), e presidente do Banco Central do Brasil (1999 a 2002). Participou da fundação e preside os conselhos do IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e do IMDS ( Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social
Um comentário:
Boa entrevista do economista Armínio Fraga, ex BC, experiência internacional e formação acadêmica. Torci por sua ida para equipe econômica. Não quiseram. Simone Tebet, melhor conexão dos liberais democratas com novo governo, como Malan e Fraga. Merece ser ajudada em seus esforços por equilíbrio fiscal e combate ao desperdício.
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