domingo, 8 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Política externa precisa evitar viés ideológico

O Globo

Para aproveitar momento benéfico ao Brasil, Lula deve reformular suas ideias sobre a diplomacia

O comparecimento há uma semana de mais de 70 delegações estrangeiras à posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sete vezes mais que na de Jair Bolsonaro, já indica o interesse na volta do Brasil à normalização de suas relações diplomáticas, depois de quatro anos de isolamento internacional. Para que o país aproveite esse momento propício, é de esperar que Lula tenha compreendido que o mundo tornou-se mais complexo e mais interdependente desde que passou a faixa de presidente para Dilma Rousseff. Há cada vez menos espaço para uma diplomacia que se sustente na equivocada visão de um conflito Norte-Sul, entre ricos e pobres, como ele tentou em Lula 1 e Lula 2.

Para voltar aos velhos tempos, com adaptações a novas realidades, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, executa uma ampla reforma administrativa. No governo anterior, Ernesto Araújo, ao assumir, reduziu de nove para sete as secretarias do Itamaraty, mantidas por Carlos França, sucessor de Araújo. Agora, o ministério contará com dez secretarias, entre elas uma voltada exclusivamente à América Latina e ao Caribe, regiões que eram atendidas pela Secretaria das Américas. Em seu lugar, a Secretaria de Europa e América do Norte (Estados Unidos e Canadá) cobrirá o conjunto de países ricos.

Essa mudança sinaliza a ênfase regional que Lula quer dar à sua política externa, sem prejuízo, espera-se, dos Estados Unidos e da Europa. A Ásia tem relevância por causa da China, maior parceiro comercial do Brasil, e a África é uma das prioridades do presidente.

Outra indicação é dada pela mudança de status da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), antes subordinada à Secretaria de Comércio Exterior, e que passa para a Secretaria-Geral do Itamaraty, pela primeira vez ocupada por uma mulher, a embaixadora Maria Laura da Rocha. Nos governos Lula, a ABC formulou e acompanhou programas de cooperação na África e na América Latina para o combate à fome e prestação de assessoria no setor agrícola.

Também para se adequar aos novos tempos, o ministério passa a ter uma Assessoria de Participação Social e Diversidade, ligada ao próprio ministro, iniciativa que surgiu no grupo de transição de governo, para que o Itamaraty se aproxime de demandas da sociedade.

Os avanços no enfrentamento da destruição da Amazônia, que se esperam a partir do trabalho de Marina Silva na pasta do Meio Ambiente, serão essenciais para a atuação diplomática da secretaria de Clima, Energia e Meio Ambiente, sob o departamento de Assuntos Multilaterais Políticos do Itamaraty.

É animador que a reforma por que passa o Ministério das Relações Exteriores indique que o Brasil ensaia a volta à diplomacia multilateral. Será grande a frustração, no entanto, se o novo governo deixar a ideologia contaminar a política externa, como aconteceu com o PT no poder. Os tempos não só são outros, como Lula recebeu um mandato de uma extensa aliança em defesa da democracia. Essa característica precisa estar refletida nas relações com outros países.

Câmeras nos uniformes e carros de policiais são passo na direção certa

O Globo

Se usados corretamente, equipamentos ajudam a proteger a população e os próprios agentes

A instalação de câmeras em uniformes de policiais tem sido uma política bem-sucedida usada no Brasil e no exterior para reduzir a letalidade de operações e auxiliar investigações em casos de violência. Embora sejam motivo de questionamentos por parte de agentes e políticos, os equipamentos têm papel importante na proteção dos cidadãos e dos próprios policiais, ainda que se possam fazer ressalvas sobre o uso indiscriminado e descuidado. Nesse sentido, fará bem o governo federal em incentivar o uso de câmeras em fardas e viaturas policiais.

A ideia, bem-vinda, enfrentará resistências. No Rio, o governador Cláudio Castro (PL) disse que vai “lutar judicialmente em todas as instâncias” contra a instalação de câmeras no Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core). “Quando o criminoso sabe o planejamento da polícia, a vida do policial fica em risco. Ainda não temos maturidade para tratar de sigilo, até informações em segredo de Justiça vazam.”

Evidentemente, a questão da segurança dos policiais e das próprias operações precisa ser levada em conta. Há sempre o risco de as imagens exporem cidadãos que deveriam ser preservados. Mas isso vale para todos os batalhões e não só para as tropas de elite. Não faz sentido instalar câmeras apenas em parte da polícia. Em geral, são as forças de elite que participam das operações mais letais e mais questionáveis. Além disso, as imagens captadas não são públicas e, em tese, serão acessadas apenas por autoridades credenciadas e quando demandadas.

A resistência a essa política não ocorre só no Rio. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) fez campanha prometendo acabar com as câmeras nos uniformes de PMs. Dizia que o equipamento deixava os policiais em desvantagem em relação aos bandidos. Depois de eleito, recuou. Mas seu governo já disse que vai rever o programa implantado na gestão tucana. “Vamos ver o resultado e que ajustes a gente pode fazer”, afirmou.

Em São Paulo, o programa tem se revelado bem-sucedido. Um estudo realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) entre julho de 2021 e julho de 2022 mostrou que houve uma redução de 57% nas mortes (104) em relação ao período anterior, quando não havia o equipamento. Detalhe importante é que a criminalidade também caiu nos meses analisados. E o número de apreensões de armas cresceu 24%.

As câmeras não têm o objetivo de inibir ou atrapalhar as operações. Muito pelo contrário. Visam a garantir que elas ocorram dentro da lei. Qualquer um, no morro ou no asfalto, sabe que não é essa a realidade, especialmente nas comunidades pobres do país. Infelizmente, as polícias brasileiras ainda mantêm altos índices de letalidade em ações truculentas e mal planejadas, que põem em risco a vida de inocentes.

Obviamente, devem-se tomar todos os cuidados necessários para que, em situações específicas, os agentes não sejam expostos. Ao mesmo tempo, é também preciso garantir o sigilo das imagens.

 Novo Itamaraty

Folha de S. Paulo

Desastre sob Bolsonaro não pode servir a passadismo na política externa de Lula

Um momento definidor da política externa brasileira sob Jair Bolsonaro (PL) se deu em outubro de 2020, quando o então chanceler Ernesto Araújo expressou orgulho do isolamento global do país: "Que sejamos esse pária", disse.

O pior da destruição ocorreu nos dois primeiros anos do governo passado, quando o Itamaraty do inacreditável ministro foi transformado na ponta de lança daquilo que o bolsonarismo considerava sua agenda ideológica, inspirada pela paranoia antiglobalista da direita guiada por Donald Trump.

O restante do manejo da pasta, sob o opaco Carlos França, buscou apresentar uma certa normalidade na prática, mas o estrago já havia sido consumado.

Dessa forma, é ao mesmo tempo tarefa hercúlea e simples reconstruir a reputação do Brasil. É nesse paradoxo que reside o desafio para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Simbolicamente, o petista acertou ao levar Marina Silva (Rede) para o Ministério do Meio Ambiente, uma das poucas áreas em que o Brasil tem autoridade nos debates mundiais —algo desprezado de forma acintosa por Bolsonaro.

A política externa em si está novamente sob o comando do pragmático Mauro Vieira, que como chanceler entre 2015 e 2016 consolidou a reaproximação entre Brasil e Estados Unidos, relação então tisnada pelo episódio da espionagem americana de líderes mundiais, Dilma Rousseff (PT) inclusa.

Seu discurso de posse não chegou a ser animador. Vieira, cria do farol da diplomacia lulista, o ex-chanceler Celso Amorim, tirou da prateleira siglas empoeiradas por desuso merecido, como a Unasul (clube sul-americano morto há tempos).

Qual papel Lula vê nos Brics, grupo que uniu Brasil, Rússia, China e África do Sul hoje? Nos anos 2000, havia uma ideia de Sul Global emergente; hoje há Pequim engalfinhada em disputa com os EUA, Moscou atacando a Ucrânia, Nova Déli disputando a primazia no continente asiático com os chineses.

Isso para não falar na notória afinidade petista com ditaduras de esquerda. Não cabe um isolamento à Bolsonaro, mas é preciso levar a sério a ideia de que respeito aos direitos humanos devam pautar relações entre Estados nacionais.

A condenação pelo Itamaraty da provocativa visita de um ministro de extrema direita do novo governo de Israel à Esplanada das Mesquitas em Jerusalém é, assim, um saudável respiro, após anos de apoio irrestrito ao Estado judeu por orientação ideológica aberrante.

Resta saber como será a reação a atos em Cuba, Venezuela ou Nicarágua. A mera retomada de um velho normal será insuficiente ante os desafios de um mundo diferente daquele em que Lula era chamado de "o cara" por Barack Obama.

No século 21

Folha de S. Paulo

Poucas áreas retrocederam tanto na gestão anterior quanto a dos direitos humanos

De todos os retrocessos obscurantistas patrocinados no governo Jair Bolsonaro (PL), poucos foram tão acintosos quanto os que atingiram a agenda dos direitos humanos.

Não por acaso. O ex-presidente tem pelo tema nada além de desprezo. É um político que não se vexa de idolatrar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, personagem abjeto da ditadura militar reconhecido pela Justiça como torturador.

Sob Bolsonaro, avanços civilizatórios foram tratados como estorvos, enquanto o preconceito e a discriminação receberam incentivo.

Reverter essa dinâmica é uma das primeiras tarefas de Silvio Almeida à frente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Em seu discurso de posse, ele não deixou dúvidas sobre a mudança de tom na pasta. Mas será preciso mais que palavras para reconquistar o terreno perdido.

Iniciativas de prevenção e combate à tortura, por exemplo, foram desestruturadas. Precisam ser postas de pé, num sinal inequívoco de repúdio aos maus-tratos.

Também é fundamental devolver ao Disque 100 sua função precípua. Principal meio de denúncias sobre violações de direitos de crianças, mulheres, idosos, pessoas com deficiência e população LGBTQIA+, o canal foi desvirtuado no governo Bolsonaro.

Sob tutela de Damares Alves, o número ficou à disposição de pessoas antivacina em plena pandemia de Covid-19. Além disso, relatórios da Ouvidoria de Direitos Humanos deixaram de informar se e quais ações foram tomadas a partir das denúncias legítimas.

Por sua natureza, e mesmo pela falta de recursos na pasta, os direitos humanos também demandam ações transversais —entre ministérios e entre os Poderes.

Por exemplo, há que avançar, em conjunto com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, na política de drogas, para cujo atual desastre contribui a lei aprovada em 2006, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Nas relações internacionais, o Brasil deveria prosseguir com a adesão à Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância. Ao mesmo tempo, o país deve abandonar o infame Consenso de Genebra, uma aliança conservadora contra a igualdade de gênero e contra os direitos sexuais e reprodutivos.

Por trás desses exemplos há só uma missão: pegar uma mentalidade medieval em termos de direitos humanos e devolvê-la ao século 21.

 O lugar da direita civilizada

O Estado de S. Paulo.

Direita liberal e democrática tem de se livrar do estorvo da extrema direita e se reorganizar para dar respostas aos anseios de milhões de brasileiros que se identificam com seus postulados

A composição do Congresso para a próxima legislatura não deixa margem para dúvidas: a maioria dos brasileiros se identifica com os valores e a agenda política defendidos pela direita, mesmo com a derrota eleitoral do agora ex-presidente Jair Bolsonaro.

Se Bolsonaro não se reelegeu, vários bolsonaristas conseguiram vaga no novo Congresso, e neste momento alguns deles disputam os espólios desse movimento extremista, visto que seu líder fugiu para os EUA e não sabe o que dizer. Nem todos, porém, compartilham do golpismo do ex-presidente, preferindo jogar o jogo da democracia. Não o fazem, é claro, por genuínas convicções democráticas, que nunca tiveram – se as tivessem, não teriam se juntado a Bolsonaro, nostálgico da ditadura militar e da tortura de opositores. Fazem-no porque, no espectro político do centro à direita, há um vácuo a ser preenchido.

Sejam quais forem as motivações dessa turma, é boa notícia que o extremismo bolsonarista esteja perdendo espaço na direita. A derrota de Bolsonaro é uma chance para que a direita democrática se higienize e abandone o jogo de soma zero que só ajuda os liberticidas. Se quer influenciar os rumos do País, a direita deve honrar as tradições conservadoras, isto é, deve respeitar a Constituição e as leis, dialogar com as forças políticas democráticas e rejeitar transformações radicais do Estado e da sociedade.

Nada mais contrário aos ideais da direita democrática, portanto, do que Jair Bolsonaro. O ex-presidente ludibriou grande parcela da sociedade ao se apresentar como a encarnação dos valores de uma suposta direita “liberal e conservadora”, quando, na verdade, não foi mais do que o líder truculento de uma facção política reacionária.

A marcante presença de parlamentares de direita e centro-direita na próxima legislatura revela que essa força políticoideológica tem lugar de destaque na vida política do País e precisa, o quanto antes, romper qualquer associação, por mais tênue que seja, com o bolsonarismo.

Definitivamente, não é dessa “direita conservadora” embusteira que o País precisa, nem tampouco o movimento liderado por Bolsonaro, com suas táticas subversivas, representa os anseios da maioria dos brasileiros, como as urnas mostraram. A cada dia que passa, fica mais evidente que apenas os bolsonaristas radicais, ditos identitários, cerram fileiras ao lado do ex-presidente. Um a um, antigos apoiadores têm procurado se desassociar do golpismo acalentado por Bolsonaro.

A aparente contradição entre a nova composição do Congresso, majoritariamente alinhada à direita, e a eleição do petista Lula da Silva para a Presidência não tem nada de paradoxal. As urnas revelaram que a maioria dos eleitores, em boa hora, optou por interromper o processo de fortalecimento da extrema direita bolsonarista, mas, ao mesmo tempo, não chancelou in totum a agenda esquerdista do PT.

Essa sabedoria dos eleitores legou ao País uma conformação de forças políticas com condições para fortalecer o sistema de freios e contrapesos nos próximos quatro anos e, consequentemente, revigorar a própria democracia. Se isso vai acontecer, o tempo dirá.

Entretanto, um passo fundamental para esse resultado auspicioso será o isolamento dos radicais e a valorização da direita democrática. É inquestionável que Bolsonaro tem capital político, ao menos por ora, para continuar liderando uma parcela da sociedade que não se sente representada pelas forças que triunfaram na última eleição. E, mesmo fora do cargo, o ex-presidente ainda é uma ameaça por sua capacidade de aglutinar radicais. Basta dizer que em seu pronunciamento de “despedida”, transmitido pelas redes sociais, Bolsonaro só faltou pedir desculpas aos apoiadores por não ter conseguido reunir forças políticas e materiais para dar um golpe de Estado.

Obviamente, a extrema direita não desaparecerá com a derrota de Bolsonaro. Mas deve voltar a ser o que sempre foi: uma franja irrelevante da sociedade. Para que isso aconteça, a direita democrática precisa se reagrupar e oferecer respostas para os anseios de enorme parcela da sociedade que sabe muito bem que democracia, conservadorismo e desenvolvimento não são excludentes.

A semana de 4 dias

O Estado de S. Paulo.

Experimentos em todo o mundo têm lançado luz sobre benefícios e obstáculos da semana de trabalho de quatro dias para empregados, empregadores, suas famílias e toda a sociedade

A pandemia se dissipa, mas alguns impactos chegaram para ficar. No mundo do trabalho, o regime híbrido, ao menos para ofícios intelectuais, é o novo normal. Mas essa rota estava traçada pela revolução digital. A pandemia só acelerou 20 anos em 2. Há, porém, ideias marginais que ganham tração. Talvez a mais intrigante seja a semana de 4 dias.

Intelectuais nada desprezíveis como Benjamin Franklin, J.S. Mill, J. Maynard Keynes ou Karl Marx profetizaram que mudanças tecnológicas e melhorias de produtividade trariam contínuas reduções nas horas de trabalho. Entusiastas da semana de 4 dias alegam benefícios sociais, econômicos e ambientais, como mais equilíbrio entre vida e trabalho, menos custos, menos emissão de carbono, mais igualdade de gênero, mais criatividade e, por último, mas não menos importante, mais produtividade. Este é o ponto mais contraintuitivo e o mais questionado pelos céticos, que também se preocupam com perdas na cultura do trabalho e mais estresse, seja pela pressão para comprimir a produção em quatro dias, seja porque o novo dia “livre” poderia ser ocupado com novos trabalhos.

Experimentos em todo o mundo têm lançado luz sobre essas questões. As modalidades variam. O padrão é uma agenda fixa: 4 dias, com 8 horas de trabalho, 32 na semana, com o mesmo salário e a mesma produção. Algumas empresas e legislações (como na Bélgica) oferecem aos empregados a possibilidade de trabalhar quatro dias, mas mantendo 40 horas semanais. O Google ensaiou a fórmula 80/20 – 80% do tempo para projetos centrais e o resto para atividades experimentais.

Um experimento na Islândia entre 2015 e 2019 com 3 mil trabalhadores concluiu que a produtividade se manteve, e em alguns casos aumentou. Os trabalhadores se sentiram menos estressados e mais saudáveis. Homens passaram a se dedicar mais a tarefas domésticas – que costumam sobrecarregar as mulheres. Desde então, 86% dos trabalhadores islandeses mudaram seu regime para menos horas ou ganharam o direito de fazê-lo.

Um experimento com 70 empresas da organização 4 Day Week Global e pesquisadores de Oxford e Cambridge foi igualmente positivo. Os funcionários reportaram mais bem-estar e energia no trabalho e menos conflitos familiares. Mais surpreendente: 46% das empresas disseram que a produção se manteve; 49%, que melhorou. Faltas e pedidos de demissão declinaram; receitas aumentaram; a contratação e a manutenção de talentos foram facilitadas.

Isso parece ter sido o resultado de estratégias gerenciais, como encorajar os empregados a abandonar reuniões para as quais não estavam contribuindo ou serem mais seletivos ao aceitar convites. A tecnologia diminuiu o tempo em traslados, e treinos diminuíram o tempo nas respostas a e-mails. Uma participante chamou essas estratégias de um “detox diário”.

Os céticos podem alegar que os participantes já tinham um viés. A maioria é de empresas pequenas, muitas especializadas em gestão e tecnologia. Eles também questionam se a pressão por eficiência não implicará menos socialização no trabalho e menos oportunidade de partilha de conhecimentos. São questões pertinentes, que pedem mais testes.

O importante é estar aberto. Como disse um dos pesquisadores, “as pessoas frequentemente falam sobre a semana de cinco dias como algo inscrito no livro do ‘Gênesis’, mas isso está longe da verdade”. Só com a Reforma Protestante o domingo foi consagrado como um dia de repouso. No século 19, uma campanha no Reino Unido para reduzir a jornada nas fábricas de 12 para 10 horas despertou premonições catastróficas. Em 1926, a decisão de ninguém menos que Henry Ford de reduzir os dias de trabalho de 6 para 5 dias foi recebida com descrença generalizada. Mas, como ele disse, “podemos ter a mesma produção... e provavelmente mais, já que pressão trará melhores métodos”. Só em meados do século 20 o “final de semana” se tornou padrão.

Em geral, visões otimistas costumam não ser mais que miragens. Às vezes, contudo, as mais extravagantes podem ser não só um oásis, mas – como provou Colombo – um verdadeiro continente: um “novo mundo” rico e fecundo.

Bom senso na Cultura

O Estado de S. Paulo.

Nova secretária de SP acerta ao descartar guerras ideológicas e instrumentalização da pasta

O extremismo bolsonarista transformou a área da cultura em terra conflagrada, objeto de batalhas ideológicas de triste memória. Recorde-se que, em seu governo recém-encerrado, o presidente Jair Bolsonaro foi incapaz sequer de divulgar notas de pesar diante da morte de artistas nacionais consagrados. Nesse contexto, não faltava quem temesse tentativas de se repetir esse mesmo roteiro no governo de São Paulo, considerando que o governador Tarcísio de Freitas teve em Bolsonaro o seu padrinho político. Contudo, a julgar pela entrevista ao Estadão da nova secretária de Cultura e Economia Criativa, Marília Marton, São Paulo parece livre desse risco.

A nova secretária afirmou, com razão, que a cultura é um bem de todos. Logo, não pode nem deve ser instrumentalizada por governos ou grupos ideológicos. Simples assim. Disse ela: “A cultura não tem nem deve ter ideologia. Ela é da esquerda, da direita, é de todo mundo”. Deveria ser óbvio, mas vivemos uma época de tanta ignorância que o óbvio precisa ser reafirmado.

Vale destacar outro ponto de vista certeiro da secretária: “A cultura é o lugar da expressão livre”. Eis uma diretriz fundamental para guiar a atuação do poder público, ainda mais no gerenciamento e na alocação de verbas. O pressuposto da arte é a liberdade, e não há que se impor barreiras à criação artística. Isso, contudo, não desobriga o Estado nem os produtores culturais de ficarem atentos ao tipo de público e à faixa etária a que se destinam espetáculos, obras e exposições. De novo, cabe reproduzir o que disse Marília Marton: “Todo projeto tem um lugar adequado para ele. Existem produções que acontecem em um ambiente um pouco mais controlado, e não para o público em geral. A plateia tem que estar preparada para determinados tipos de discussão”. Está claro que não se trata de censura, mas de adequação.

A nova titular destacou ainda a qualidade da estrutura e dos equipamentos da Secretaria, os melhores da América Latina, segundo ela − resultado de “muitos mandatos”. De fato, o Estado mais rico e mais populoso do País dispõe de uma vasta rede de atrações culturais, de que são exemplos a Pinacoteca e a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Tamanha riqueza, entretanto, concentra-se na capital e, mais ainda, em sua região central. Faz sentido, então, que uma das preocupações da secretária seja justamente a de promover a interiorização da cultura. Vale olhar para as periferias também.

A pasta da Cultura carrega no nome a expressão “Economia Criativa” − e não é em vão. Cada vez mais, a dimensão econômica das atividades culturais tem que ser levada em conta, na medida em que o setor é fonte de empregos e gera riquezas que vão além da arte – algo que, infelizmente, passou despercebido durante o governo Bolsonaro.

A nova secretária se diz disposta a dialogar com o recriado Ministério da Cultura, o que também deveria ser natural. Afinal, o Brasil é uma Federação, e a colaboração entre diferentes níveis de governo quase sempre resulta em avanços – ainda mais numa área, a Cultura, em que a coordenação do poder público no fomento do talento nacional é indispensável.

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