Política externa precisa evitar viés ideológico
O Globo
Para aproveitar momento benéfico ao Brasil,
Lula deve reformular suas ideias sobre a diplomacia
O comparecimento há uma semana de mais de 70 delegações estrangeiras à posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sete vezes mais que na de Jair Bolsonaro, já indica o interesse na volta do Brasil à normalização de suas relações diplomáticas, depois de quatro anos de isolamento internacional. Para que o país aproveite esse momento propício, é de esperar que Lula tenha compreendido que o mundo tornou-se mais complexo e mais interdependente desde que passou a faixa de presidente para Dilma Rousseff. Há cada vez menos espaço para uma diplomacia que se sustente na equivocada visão de um conflito Norte-Sul, entre ricos e pobres, como ele tentou em Lula 1 e Lula 2.
Para voltar aos velhos tempos, com
adaptações a novas realidades, o ministro das Relações Exteriores, Mauro
Vieira, executa uma ampla reforma administrativa. No governo anterior, Ernesto
Araújo, ao assumir, reduziu de nove para sete as secretarias do Itamaraty,
mantidas por Carlos França, sucessor de Araújo. Agora, o ministério contará com
dez secretarias, entre elas uma voltada exclusivamente à América Latina e ao
Caribe, regiões que eram atendidas pela Secretaria das Américas. Em seu lugar,
a Secretaria de Europa e América do Norte (Estados Unidos e Canadá) cobrirá o
conjunto de países ricos.
Essa mudança sinaliza a ênfase regional que
Lula quer dar à sua política externa, sem prejuízo, espera-se, dos Estados
Unidos e da Europa. A Ásia tem relevância por causa da China, maior parceiro
comercial do Brasil, e a África é uma das prioridades do presidente.
Outra indicação é dada pela mudança de
status da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), antes subordinada à
Secretaria de Comércio Exterior, e que passa para a Secretaria-Geral do
Itamaraty, pela primeira vez ocupada por uma mulher, a embaixadora Maria Laura
da Rocha. Nos governos Lula, a ABC formulou e acompanhou programas de
cooperação na África e na América Latina para o combate à fome e prestação de
assessoria no setor agrícola.
Também para se adequar aos novos tempos, o
ministério passa a ter uma Assessoria de Participação Social e Diversidade,
ligada ao próprio ministro, iniciativa que surgiu no grupo de transição de
governo, para que o Itamaraty se aproxime de demandas da sociedade.
Os avanços no enfrentamento da destruição
da Amazônia, que se esperam a partir do trabalho de Marina Silva na pasta do
Meio Ambiente, serão essenciais para a atuação diplomática da secretaria de
Clima, Energia e Meio Ambiente, sob o departamento de Assuntos Multilaterais
Políticos do Itamaraty.
É animador que a reforma por que passa o
Ministério das Relações Exteriores indique que o Brasil ensaia a volta à
diplomacia multilateral. Será grande a frustração, no entanto, se o novo
governo deixar a ideologia contaminar a política externa, como aconteceu com o
PT no poder. Os tempos não só são outros, como Lula recebeu um mandato de uma
extensa aliança em defesa da democracia. Essa característica precisa estar
refletida nas relações com outros países.
Câmeras nos uniformes e carros de policiais
são passo na direção certa
O Globo
Se usados corretamente, equipamentos ajudam
a proteger a população e os próprios agentes
A instalação de câmeras em uniformes de
policiais tem sido uma política bem-sucedida usada no Brasil e no exterior para
reduzir a letalidade de operações e auxiliar investigações em casos de
violência. Embora sejam motivo de questionamentos por parte de agentes e
políticos, os equipamentos têm papel importante na proteção dos cidadãos e dos
próprios policiais, ainda que se possam fazer ressalvas sobre o uso
indiscriminado e descuidado. Nesse sentido, fará bem o governo federal em
incentivar o uso de câmeras em fardas e viaturas policiais.
A ideia, bem-vinda, enfrentará
resistências. No Rio, o governador Cláudio Castro (PL) disse que vai “lutar
judicialmente em todas as instâncias” contra a instalação de câmeras no
Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e na Coordenadoria de Recursos
Especiais (Core). “Quando o criminoso sabe o planejamento da polícia, a vida do
policial fica em risco. Ainda não temos maturidade para tratar de sigilo, até
informações em segredo de Justiça vazam.”
Evidentemente, a questão da segurança dos
policiais e das próprias operações precisa ser levada em conta. Há sempre o
risco de as imagens exporem cidadãos que deveriam ser preservados. Mas isso
vale para todos os batalhões e não só para as tropas de elite. Não faz sentido
instalar câmeras apenas em parte da polícia. Em geral, são as forças de elite
que participam das operações mais letais e mais questionáveis. Além disso, as
imagens captadas não são públicas e, em tese, serão acessadas apenas por
autoridades credenciadas e quando demandadas.
A resistência a essa política não ocorre só
no Rio. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) fez
campanha prometendo acabar com as câmeras nos uniformes de PMs. Dizia que o
equipamento deixava os policiais em desvantagem em relação aos bandidos. Depois
de eleito, recuou. Mas seu governo já disse que vai rever o programa implantado
na gestão tucana. “Vamos ver o resultado e que ajustes a gente pode fazer”,
afirmou.
Em São Paulo, o programa tem se revelado
bem-sucedido. Um estudo realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) entre
julho de 2021 e julho de 2022 mostrou que houve uma redução de 57% nas mortes
(104) em relação ao período anterior, quando não havia o equipamento. Detalhe
importante é que a criminalidade também caiu nos meses analisados. E o número
de apreensões de armas cresceu 24%.
As câmeras não têm o objetivo de inibir ou
atrapalhar as operações. Muito pelo contrário. Visam a garantir que elas
ocorram dentro da lei. Qualquer um, no morro ou no asfalto, sabe que não é essa
a realidade, especialmente nas comunidades pobres do país. Infelizmente, as
polícias brasileiras ainda mantêm altos índices de letalidade em ações
truculentas e mal planejadas, que põem em risco a vida de inocentes.
Obviamente, devem-se tomar todos os
cuidados necessários para que, em situações específicas, os agentes não sejam
expostos. Ao mesmo tempo, é também preciso garantir o sigilo das imagens.
Folha de S. Paulo
Desastre sob Bolsonaro não pode servir a
passadismo na política externa de Lula
Um momento definidor da política externa
brasileira sob Jair Bolsonaro (PL) se deu em outubro de 2020, quando o então
chanceler Ernesto Araújo expressou orgulho do isolamento global do país:
"Que sejamos esse pária", disse.
O pior da destruição ocorreu nos dois
primeiros anos do governo passado, quando o Itamaraty do inacreditável ministro
foi transformado na ponta de lança daquilo que o bolsonarismo considerava sua
agenda ideológica, inspirada pela paranoia antiglobalista da direita guiada por
Donald Trump.
O restante do manejo da pasta, sob o opaco
Carlos França, buscou apresentar uma certa normalidade na prática, mas o
estrago já havia sido consumado.
Dessa forma, é ao mesmo tempo tarefa
hercúlea e simples reconstruir a reputação do Brasil. É nesse paradoxo que
reside o desafio para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Simbolicamente, o petista acertou ao levar
Marina Silva (Rede) para o Ministério do Meio Ambiente, uma das poucas áreas em
que o Brasil tem autoridade nos debates mundiais —algo desprezado de forma
acintosa por Bolsonaro.
A política externa em si está novamente sob
o comando do pragmático Mauro Vieira, que como chanceler entre 2015 e 2016
consolidou a reaproximação entre Brasil e Estados Unidos, relação então tisnada
pelo episódio da espionagem americana de líderes mundiais, Dilma Rousseff (PT)
inclusa.
Seu discurso
de posse não chegou a ser animador. Vieira, cria do farol da
diplomacia lulista, o ex-chanceler Celso Amorim, tirou da prateleira siglas
empoeiradas por desuso merecido, como a Unasul (clube sul-americano morto há
tempos).
Qual papel Lula vê nos Brics, grupo que
uniu Brasil, Rússia, China e África do Sul hoje? Nos anos 2000, havia uma ideia
de Sul Global emergente; hoje há Pequim engalfinhada em disputa com os EUA,
Moscou atacando a Ucrânia, Nova Déli disputando a primazia no continente asiático
com os chineses.
Isso para não falar na notória afinidade
petista com ditaduras de esquerda. Não cabe um isolamento à Bolsonaro, mas é
preciso levar a sério a ideia de que respeito aos direitos humanos devam pautar
relações entre Estados nacionais.
A condenação pelo Itamaraty da provocativa
visita de um ministro de extrema direita do novo governo de Israel à Esplanada
das Mesquitas em Jerusalém é, assim, um saudável respiro, após anos de apoio
irrestrito ao Estado judeu por orientação ideológica aberrante.
Resta saber como será a reação a atos em
Cuba, Venezuela ou Nicarágua. A mera
retomada de um velho normal será insuficiente ante os desafios de um mundo
diferente daquele em que Lula era chamado de "o cara"
por Barack Obama.
No século 21
Folha de S. Paulo
Poucas áreas retrocederam tanto na gestão
anterior quanto a dos direitos humanos
De todos os retrocessos obscurantistas
patrocinados no governo Jair Bolsonaro (PL), poucos foram tão acintosos quanto
os que atingiram a agenda dos direitos humanos.
Não por acaso. O ex-presidente tem pelo
tema nada além de desprezo. É um político que não se vexa de idolatrar o
coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, personagem abjeto da ditadura militar
reconhecido pela Justiça como torturador.
Sob Bolsonaro, avanços civilizatórios foram
tratados como estorvos, enquanto o preconceito e a discriminação receberam
incentivo.
Reverter essa dinâmica é uma das primeiras
tarefas de Silvio Almeida à frente do Ministério dos Direitos Humanos e da
Cidadania. Em seu
discurso de posse, ele não deixou dúvidas sobre a mudança de tom na pasta.
Mas será preciso mais que palavras para reconquistar o terreno perdido.
Iniciativas
de prevenção e combate à tortura, por exemplo, foram desestruturadas.
Precisam ser postas de pé, num sinal inequívoco de repúdio aos maus-tratos.
Também é fundamental devolver ao Disque 100
sua função precípua. Principal meio de denúncias sobre violações de direitos de
crianças, mulheres, idosos, pessoas com deficiência e população LGBTQIA+, o
canal foi desvirtuado no governo Bolsonaro.
Sob tutela de Damares Alves, o número ficou
à disposição de pessoas antivacina em plena pandemia de Covid-19. Além disso,
relatórios da Ouvidoria de Direitos Humanos deixaram de informar se e quais
ações foram tomadas a partir das denúncias legítimas.
Por sua natureza, e mesmo pela falta de
recursos na pasta, os direitos humanos também demandam ações transversais
—entre ministérios e entre os Poderes.
Por exemplo, há que
avançar, em conjunto com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, na política
de drogas, para cujo atual desastre contribui a lei aprovada em
2006, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Nas relações internacionais, o Brasil
deveria prosseguir com a adesão à Convenção Interamericana contra Toda Forma de
Discriminação e Intolerância. Ao mesmo tempo, o país deve abandonar o infame
Consenso de Genebra, uma aliança conservadora contra a igualdade de gênero e
contra os direitos sexuais e reprodutivos.
Por trás desses exemplos há só uma missão:
pegar uma mentalidade medieval em termos de direitos humanos e devolvê-la ao
século 21.
O lugar da direita civilizada
O Estado de S. Paulo.
Direita liberal e democrática tem de se
livrar do estorvo da extrema direita e se reorganizar para dar respostas aos
anseios de milhões de brasileiros que se identificam com seus postulados
A composição do Congresso para a próxima
legislatura não deixa margem para dúvidas: a maioria dos brasileiros se
identifica com os valores e a agenda política defendidos pela direita, mesmo
com a derrota eleitoral do agora ex-presidente Jair Bolsonaro.
Se Bolsonaro não se reelegeu, vários
bolsonaristas conseguiram vaga no novo Congresso, e neste momento alguns deles
disputam os espólios desse movimento extremista, visto que seu líder fugiu para
os EUA e não sabe o que dizer. Nem todos, porém, compartilham do golpismo do
ex-presidente, preferindo jogar o jogo da democracia. Não o fazem, é claro, por
genuínas convicções democráticas, que nunca tiveram – se as tivessem, não
teriam se juntado a Bolsonaro, nostálgico da ditadura militar e da tortura de
opositores. Fazem-no porque, no espectro político do centro à direita, há um
vácuo a ser preenchido.
Sejam quais forem as motivações dessa
turma, é boa notícia que o extremismo bolsonarista esteja perdendo espaço na
direita. A derrota de Bolsonaro é uma chance para que a direita democrática se
higienize e abandone o jogo de soma zero que só ajuda os liberticidas. Se quer
influenciar os rumos do País, a direita deve honrar as tradições conservadoras,
isto é, deve respeitar a Constituição e as leis, dialogar com as forças
políticas democráticas e rejeitar transformações radicais do Estado e da
sociedade.
Nada mais contrário aos ideais da direita
democrática, portanto, do que Jair Bolsonaro. O ex-presidente ludibriou grande
parcela da sociedade ao se apresentar como a encarnação dos valores de uma
suposta direita “liberal e conservadora”, quando, na verdade, não foi mais do
que o líder truculento de uma facção política reacionária.
A marcante presença de parlamentares de
direita e centro-direita na próxima legislatura revela que essa força
políticoideológica tem lugar de destaque na vida política do País e precisa, o
quanto antes, romper qualquer associação, por mais tênue que seja, com o
bolsonarismo.
Definitivamente, não é dessa “direita conservadora”
embusteira que o País precisa, nem tampouco o movimento liderado por Bolsonaro,
com suas táticas subversivas, representa os anseios da maioria dos brasileiros,
como as urnas mostraram. A cada dia que passa, fica mais evidente que apenas os
bolsonaristas radicais, ditos identitários, cerram fileiras ao lado do
ex-presidente. Um a um, antigos apoiadores têm procurado se desassociar do
golpismo acalentado por Bolsonaro.
A aparente contradição entre a nova
composição do Congresso, majoritariamente alinhada à direita, e a eleição do
petista Lula da Silva para a Presidência não tem nada de paradoxal. As urnas
revelaram que a maioria dos eleitores, em boa hora, optou por interromper o
processo de fortalecimento da extrema direita bolsonarista, mas, ao mesmo
tempo, não chancelou in totum a agenda esquerdista do PT.
Essa sabedoria dos eleitores legou ao País
uma conformação de forças políticas com condições para fortalecer o sistema de
freios e contrapesos nos próximos quatro anos e, consequentemente, revigorar a
própria democracia. Se isso vai acontecer, o tempo dirá.
Entretanto, um passo fundamental para esse
resultado auspicioso será o isolamento dos radicais e a valorização da direita
democrática. É inquestionável que Bolsonaro tem capital político, ao menos por
ora, para continuar liderando uma parcela da sociedade que não se sente
representada pelas forças que triunfaram na última eleição. E, mesmo fora do
cargo, o ex-presidente ainda é uma ameaça por sua capacidade de aglutinar
radicais. Basta dizer que em seu pronunciamento de “despedida”, transmitido
pelas redes sociais, Bolsonaro só faltou pedir desculpas aos apoiadores por não
ter conseguido reunir forças políticas e materiais para dar um golpe de Estado.
Obviamente, a extrema direita não desaparecerá
com a derrota de Bolsonaro. Mas deve voltar a ser o que sempre foi: uma franja
irrelevante da sociedade. Para que isso aconteça, a direita democrática precisa
se reagrupar e oferecer respostas para os anseios de enorme parcela da
sociedade que sabe muito bem que democracia, conservadorismo e desenvolvimento
não são excludentes.
A semana de 4 dias
O Estado de S. Paulo.
Experimentos em todo o mundo têm lançado
luz sobre benefícios e obstáculos da semana de trabalho de quatro dias para
empregados, empregadores, suas famílias e toda a sociedade
A pandemia se dissipa, mas alguns impactos
chegaram para ficar. No mundo do trabalho, o regime híbrido, ao menos para
ofícios intelectuais, é o novo normal. Mas essa rota estava traçada pela
revolução digital. A pandemia só acelerou 20 anos em 2. Há, porém, ideias
marginais que ganham tração. Talvez a mais intrigante seja a semana de 4 dias.
Intelectuais nada desprezíveis como
Benjamin Franklin, J.S. Mill, J. Maynard Keynes ou Karl Marx profetizaram que
mudanças tecnológicas e melhorias de produtividade trariam contínuas reduções
nas horas de trabalho. Entusiastas da semana de 4 dias alegam benefícios
sociais, econômicos e ambientais, como mais equilíbrio entre vida e trabalho,
menos custos, menos emissão de carbono, mais igualdade de gênero, mais
criatividade e, por último, mas não menos importante, mais produtividade. Este
é o ponto mais contraintuitivo e o mais questionado pelos céticos, que também
se preocupam com perdas na cultura do trabalho e mais estresse, seja pela
pressão para comprimir a produção em quatro dias, seja porque o novo dia
“livre” poderia ser ocupado com novos trabalhos.
Experimentos em todo o mundo têm lançado luz sobre essas questões. As modalidades variam. O padrão é uma agenda fixa: 4 dias, com 8 horas de trabalho, 32 na semana, com o mesmo salário e a mesma produção. Algumas empresas e legislações (como na Bélgica) oferecem aos empregados a possibilidade de trabalhar quatro dias, mas mantendo 40 horas semanais. O Google ensaiou a fórmula 80/20 – 80% do tempo para projetos centrais e o resto para atividades experimentais.
Um experimento na Islândia entre 2015 e
2019 com 3 mil trabalhadores concluiu que a produtividade se manteve, e em
alguns casos aumentou. Os trabalhadores se sentiram menos estressados e mais
saudáveis. Homens passaram a se dedicar mais a tarefas domésticas – que
costumam sobrecarregar as mulheres. Desde então, 86% dos trabalhadores
islandeses mudaram seu regime para menos horas ou ganharam o direito de
fazê-lo.
Um experimento com 70 empresas da
organização 4 Day Week Global e pesquisadores de Oxford e Cambridge foi
igualmente positivo. Os funcionários reportaram mais bem-estar e energia no
trabalho e menos conflitos familiares. Mais surpreendente: 46% das empresas
disseram que a produção se manteve; 49%, que melhorou. Faltas e pedidos de
demissão declinaram; receitas aumentaram; a contratação e a manutenção de
talentos foram facilitadas.
Isso parece ter sido o resultado de
estratégias gerenciais, como encorajar os empregados a abandonar reuniões para
as quais não estavam contribuindo ou serem mais seletivos ao aceitar convites.
A tecnologia diminuiu o tempo em traslados, e treinos diminuíram o tempo nas
respostas a e-mails. Uma participante chamou essas estratégias de um “detox
diário”.
Os céticos podem alegar que os
participantes já tinham um viés. A maioria é de empresas pequenas, muitas
especializadas em gestão e tecnologia. Eles também questionam se a pressão por
eficiência não implicará menos socialização no trabalho e menos oportunidade de
partilha de conhecimentos. São questões pertinentes, que pedem mais testes.
O importante é estar aberto. Como disse um
dos pesquisadores, “as pessoas frequentemente falam sobre a semana de cinco
dias como algo inscrito no livro do ‘Gênesis’, mas isso está longe da verdade”.
Só com a Reforma Protestante o domingo foi consagrado como um dia de repouso.
No século 19, uma campanha no Reino Unido para reduzir a jornada nas fábricas
de 12 para 10 horas despertou premonições catastróficas. Em 1926, a decisão de
ninguém menos que Henry Ford de reduzir os dias de trabalho de 6 para 5 dias
foi recebida com descrença generalizada. Mas, como ele disse, “podemos ter a
mesma produção... e provavelmente mais, já que pressão trará melhores métodos”.
Só em meados do século 20 o “final de semana” se tornou padrão.
Em geral, visões otimistas costumam não ser
mais que miragens. Às vezes, contudo, as mais extravagantes podem ser não só um
oásis, mas – como provou Colombo – um verdadeiro continente: um “novo mundo”
rico e fecundo.
Bom senso na Cultura
O Estado de S. Paulo.
Nova secretária de SP acerta ao descartar
guerras ideológicas e instrumentalização da pasta
O extremismo bolsonarista transformou a
área da cultura em terra conflagrada, objeto de batalhas ideológicas de triste
memória. Recorde-se que, em seu governo recém-encerrado, o presidente Jair
Bolsonaro foi incapaz sequer de divulgar notas de pesar diante da morte de
artistas nacionais consagrados. Nesse contexto, não faltava quem temesse
tentativas de se repetir esse mesmo roteiro no governo de São Paulo,
considerando que o governador Tarcísio de Freitas teve em Bolsonaro o seu
padrinho político. Contudo, a julgar pela entrevista ao Estadão da nova
secretária de Cultura e Economia Criativa, Marília Marton, São Paulo parece
livre desse risco.
A nova secretária afirmou, com razão, que a
cultura é um bem de todos. Logo, não pode nem deve ser instrumentalizada por
governos ou grupos ideológicos. Simples assim. Disse ela: “A cultura não tem
nem deve ter ideologia. Ela é da esquerda, da direita, é de todo mundo”.
Deveria ser óbvio, mas vivemos uma época de tanta ignorância que o óbvio
precisa ser reafirmado.
Vale destacar outro ponto de vista certeiro
da secretária: “A cultura é o lugar da expressão livre”. Eis uma diretriz
fundamental para guiar a atuação do poder público, ainda mais no gerenciamento
e na alocação de verbas. O pressuposto da arte é a liberdade, e não há que se
impor barreiras à criação artística. Isso, contudo, não desobriga o Estado nem
os produtores culturais de ficarem atentos ao tipo de público e à faixa etária
a que se destinam espetáculos, obras e exposições. De novo, cabe reproduzir o
que disse Marília Marton: “Todo projeto tem um lugar adequado para ele. Existem
produções que acontecem em um ambiente um pouco mais controlado, e não para o
público em geral. A plateia tem que estar preparada para determinados tipos de
discussão”. Está claro que não se trata de censura, mas de adequação.
A nova titular destacou ainda a qualidade
da estrutura e dos equipamentos da Secretaria, os melhores da América Latina,
segundo ela − resultado de “muitos mandatos”. De fato, o Estado mais rico e
mais populoso do País dispõe de uma vasta rede de atrações culturais, de que
são exemplos a Pinacoteca e a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.
Tamanha riqueza, entretanto, concentra-se na capital e, mais ainda, em sua
região central. Faz sentido, então, que uma das preocupações da secretária seja
justamente a de promover a interiorização da cultura. Vale olhar para as
periferias também.
A pasta da Cultura carrega no nome a
expressão “Economia Criativa” − e não é em vão. Cada vez mais, a dimensão
econômica das atividades culturais tem que ser levada em conta, na medida em
que o setor é fonte de empregos e gera riquezas que vão além da arte – algo
que, infelizmente, passou despercebido durante o governo Bolsonaro.
A nova secretária se diz disposta a dialogar com o recriado Ministério da Cultura, o que também deveria ser natural. Afinal, o Brasil é uma Federação, e a colaboração entre diferentes níveis de governo quase sempre resulta em avanços – ainda mais numa área, a Cultura, em que a coordenação do poder público no fomento do talento nacional é indispensável.
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