Trump representa perigo imenso para o mundo
O Globo
Prévias republicanas mostram que é preciso
desde já levar a sério o risco de sua volta à Presidência
As duas primeiras prévias do Partido
Republicano — nos estados de Iowa e New Hampshire — confirmaram o favoritismo
de Donald Trump.
Descartados efeitos de eventos imprevisíveis, como condenações judiciais nos
processos em que é réu, o mais provável é que seu nome esteja nas cédulas em
novembro. Pelas pesquisas, ele hoje derrotaria o presidente Joe Biden, virtual
candidato democrata, na maioria dos estados necessários para vencer a eleição.
É verdade que tudo pode acontecer até lá, mas o risco de uma eventual vitória
de Trump precisa ser levado a sério desde já.
Líderes políticos e empresariais de todo o mundo começam a traçar cenários sobre sua volta à Casa Branca. Não causa surpresa que as conclusões sejam preocupantes. As avaliações, afinal, não são feitas com base em suposições. Nos quatro anos em que ocupou a Presidência, entre 2017 e 2020, Trump criou um clima de caos e incerteza em torno de sua personalidade errática e mercurial. Desagradou mais a aliados que a inimigos históricos dos Estados Unidos. Foi explícito ao pôr em questão a Otan, aliança militar com os europeus. Aproximou-se de Vladimir Putin, Kim Jong-un e outros autocratas. Num eventual segundo mandato, a única certeza é a incerteza.
Mesmo assim, algumas de suas inclinações
sugerem os rumos prováveis. É o caso da retirada de apoio à Ucrânia e da
reaproximação da Rússia de Putin. Ou do recrudescimento do protecionismo. Um
dos planos expostos na pré-campanha é impor uma tarifa de importação de 10% a
todos os países, com consequências negativas nos planos interno e externo. O
risco é uma nova guerra comercial de dimensão global.
Para o planeta, o perigo mais insidioso seria
o recuo na agenda ambiental. Em 2017, Trump anunciou a retirada dos Estados
Unidos do Acordo de Paris, reação da humanidade contra as mudanças climáticas.
Segundo Trump, o acordo é injusto com trabalhadores e empresas americanas. “Fui
eleito para representar os cidadãos de Pittsburgh, não de Paris”, disse na
época. Ao assumir, Biden restaurou a adesão dos Estados Unidos, segundo maior
emissor de gases de efeito estufa. Uma nova ruptura sob Trump ameaçaria as metas
e poria em xeque o futuro do planeta.
Há, por fim, o risco que Trump representa à
própria democracia americana, demonstrado pela invasão do Capitólio em 6 de
janeiro de 2021. Na campanha, ele deu a entender que pretende enviar tropas a
cidades governadas por democratas, invocando uma lei que amplia os poderes do
Executivo. Só não fez isso no primeiro mandato porque foi convencido do
contrário por militares e assessores. Tentaria de novo?
De acordo com dois ex-secretários do governo
Trump — Bill Barr, de Justiça, e Mark Esper, de Defesa —, ele sempre põe seus
interesses à frente do nacional. Sobre o 6 de Janeiro, o ex-vice Mike Pence
declarou ter sido instado a escolher entre Trump e a Constituição. Para John
Kelly, seu ex-chefe de gabinete, Trump “é a pessoa mais imperfeita que
conheci”. Quem acompanha a equipe atual de Trump não vê gente com estatura
moral para frear seus impulsos.
Muitas promessas de campanha de 2016 não
viraram realidade por falta de experiência e organização. Um novo governo Trump
promete ser mais eficaz. Seria desejável que a sociedade americana aproveitasse
o tempo que resta até novembro para oferecer alternativas melhores ao eleitor.
Do contrário, o risco para o mundo será imenso.
Punição por massacre do Carandiru depende de
ação ágil do Supremo
O Globo
Plenário deve examinar liminar sobre indulto
de Bolsonaro, para que crimes cometidos há 31 anos não prescrevam
Trinta e um anos depois, o Massacre do
Carandiru — ação policial que resultou na morte de 111 presos na Casa de
Detenção de São Paulo, em 2 de outubro de 1992 — permanece impune, a despeito
das inúmeras idas e vindas que emperraram o processo para condenar os policiais
militares acusados pela matança. Seria um absurdo a demora, ainda sem
perspectiva de ter fim, levar à prescrição dos crimes.
Faz um ano que a então ministra do Supremo
Tribunal Federal (STF)
Rosa Weber suspendeu um indulto concedido pelo então presidente Jair Bolsonaro
sob medida para beneficiar os acusados pelo massacre. No indulto, eram
contemplados policiais condenados, ainda que provisoriamente, por ato cometido
há mais de 30 anos que não era considerado crime hediondo no momento da
prática. Um mês antes, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) começara a
definir as penas de 69 PMs condenados pelas mortes. Eles respondem por
homicídio qualificado, crime que só passou a ser considerado hediondo em 1994.
A liminar que suspendeu o indulto ainda não
foi analisada em plenário. O TJSP diz aguardar uma decisão do Supremo para dar
prosseguimento ao caso. O Ministério Público de São Paulo tem exigido decisão
rápida. O promotor Maurício Lopes afirma que são grandes as chances de o crime
ficar impune, principalmente para os réus com mais de 70 anos (idade em que o
prazo de prescrição cai à metade).
O esforço para punir os responsáveis pelo
massacre enfrentou toda sorte de obstáculo. Como a cena do crime não foi
preservada, os laudos eram imprecisos, dificultando as provas. A demora para
decidir se o processo ficaria na Justiça Militar também causou atraso. Houve
problemas para definir condutas individuais, uma vez que os agentes atuaram em
conjunto. Somente entre 2013 e 2014, mais de 20 anos depois, 74 policiais foram
condenados a penas de 48 a 624 anos (cinco já morreram). Em 2016, o TJSP as
anulou, sob alegação de que não era possível saber como cada um agira. Só foram
restabelecidas pelo STJ em 2021. Até hoje todos respondem em liberdade.
Nos anos 1990, o Brasil registrou crimes
bárbaros que repercutiram dentro e fora do país. Apenas um ano depois do
Carandiru, aconteceram as chacinas de Vigário Geral e da Candelária, que
deixaram 29 mortos no Rio de Janeiro. Em meio ao clamor popular, 59 pessoas
foram denunciadas (51 no caso de Vigário e oito no da Candelária), a maioria
PMs. Só oito foram condenadas, e sete cumpriram as penas. Os processos
expuseram as dificuldades para investigar e punir agentes da lei.
O plenário do STF deveria apreciar logo a
liminar de Rosa Weber para decidir se o indulto poderia ser aplicado a um crime
que não era classificado como hediondo quando cometido. E o TJSP precisa
definir rapidamente as penas dos condenados, independentemente do que aconteça
no Supremo. É lamentável que crimes de tamanha repercussão permaneçam impunes.
É dever da Justiça dar uma resposta às famílias das vítimas e à sociedade.
Em meio à greve geral, plano de Milei avança
no Congresso
Valor Econômico
A capacidade de mobilização dos sindicatos é
grande, mas a partida decisiva para Milei será jogada no Congresso
O presidente Javier Milei enfrenta agora os
primeiros e duros testes a seus planos de governo, que não pecam por moderação.
Nas ruas, a Confederação Geral do Trabalho (CGT), poderosa central sindical
alinhada ao peronismo, realizou sua primeira greve geral em 5 anos, esvaziando
as ruas de Buenos Aires, em um massivo protesto contra a reforma trabalhista,
em particular, e os pacotes econômicos de Milei em geral. Em comissões no
Congresso, o bloco de apoio ao presidente conseguiu maioria que permite que seu
pacote de leis vá a plenário. Inicialmente marcada para hoje, a avaliação
deverá ocorrer na próxima semana, por acordo com a oposição.
O protesto da CGT foi pacífico e arrastou
líderes e políticos peronistas para as ruas, como o governador da província de
Buenos Aires, Axel Kicillof, ex-ministro da Economia de Cristina Kirchner. Os
efeitos políticos da paralisação miram mais o Congresso, que se prepara para
votar as propostas de Milei, do que propriamente angariar apoio popular. Os
sindicalistas peronistas sempre organizaram manifestações poderosas contra os
governos de outros partidos, a ponto de nos últimos 77 anos apenas o governo do
liberal Mauricio Macri ter conseguido concluir seu mandato.
Milei, um estranho no ninho do jogo
partidário tradicional e minoritário no Congresso, será um alvo mais frágil nas
tentativas de desestabilização. Suas reformas, que implicam maior liberdade
para as empresas contratarem e dispensarem empregados, redução de indenizações
etc., desafiaram frontalmente o poder dos sindicatos argentinos. A insatisfação
latente com a inflação de 211,4% em 2023, liberação de preços geral e aumentos
fortes e sucessivos das tarifas criam um ambiente propício às manifestações da
oposição, que também estão sendo testadas em seu poder de mobilização.
Milei obteve vitórias iniciais importantes no
Congresso, ainda que parciais. Após discussões que vararam a madrugada e
entraram no dia da greve geral, ele obteve uma maioria para levar o Congresso a
votar sua lei, que emagreceu de 664 artigos para 523. A maioria, composta pela
Liberdade Avança, partido do presidente, Pro, do ex-presidente Macri, Coalizão
Federal e Inovação Federal, obteve 55 apoios, ante 45 da oposição dos
peronistas e da esquerda. O problema, mais que previsível, é que 34 dos 55
deputados que apoiam o pacote de Milei o fizeram com ressalvas que não são
triviais. As objeções da ala “rebelde” da tradicional UCR, e de membros da
Coalizão Cívica, de Elisa Carrió, dizem respeito às “retenções” das exportações
agrícolas e ao mecanismo de indexação das aposentadorias, dois itens que
influem na arrecadação e na meta de superávit primário do governo. Nas
conversas com o FMI, que vai liberar US$ 4,7 bilhões para a Argentina, o
presidente não se contentou em zerar o déficit primário (2,9% do PIB), como
prometeu um superávit de 2% do PIB.
As ressalvas dos aliados significam que, caso
não sejam atendidos, eles poderão votar contra esses pontos em plenário. O
governo concordou em retirar retenções que afetem as províncias, mas não abre
mão do núcleo de receitas representado pelo aumento das retenções de 31% para
33% no caso da soja, e de 12% para 15% nos de trigo e milho. Sem um bloco
monolítico, isso significa que só se saberá ao certo a feição final da
legislação proposta pelo governo após a votação artigo por artigo - e há uma
imensidão deles.
Milei está fazendo um verdadeiro batismo de
fogo em negociações políticas, para as quais seu temperamento é inadequado e
sua experiência, pequena. As modificações feitas e a caminho nas propostas
indicaram que ele se mostrou disposto a deixar de lado fatores altamente
divisivos, que poderiam levar a um desgaste político inútil, porque não são
centrais para enfrentar a imensa crise econômica e social no qual está imerso o
país.
O governo concordou, por exemplo, em jogar
todo o capítulo da reforma política - fim das primárias, mudança no sistema
eleitoral com só um deputado eleito por distrito - para as sessões ordinárias
do Congresso, no ritmo tradicional da tramitação das leis. O mesmo destino
terão todas as numerosas modificações indicadas no Código Civil e Comercial.
Mais importante, o prazo de vigência que pediu para legislar sem o Congresso,
via decreto nacional de urgência, foi reduzido pela metade - um ano,
prorrogável por mais um ano, se obtiver aval dos parlamentares. A YPF foi
retirada da lista de privatizações, enquanto que o Banco Nación poderá ser
vendido “parcialmente”, com o governo retendo poder de veto.
O radicalismo de Milei foi uma estratégia
para demonstrar que queria ir às ultimas consequências para realizar seu
programa de governo e, também, uma tática de barganha na qual ele pode se
livrar de acessórios e excessos que incomodam aliados e adversários, sem
prejuízo de seus objetivos centrais. A capacidade de mobilização dos sindicatos
é grande, mas a partida decisiva para Milei será jogada no Congresso, no qual
ele é o presidente cujo poder parlamentar é desprezível. No entanto, sem deixar
de fazer mais barulho do que seria necessário, Milei está aprendendo a
contornar obstáculos e só tem a ganhar com isso.
Déficit de reforma
Folha de S. Paulo
Em crise, municípios cedem a servidores e
negligenciam mudança previdenciária
Com enorme atraso, o Congresso aprovou em
2019 uma reforma previdenciária que, entre outras medidas, estabeleceu idades
mínimas para as aposentadorias. Mais de quatro anos depois, é escandaloso que a
maior parte dos entes federativos ainda não tenha adotado as normas básicas
para a viabilidade das finanças públicas.
Segundo dados reunidos pelo governo federal,
dos 2.146 municípios e estados que dispõem de regimes próprios de Previdência
para seus servidores, somente 732, ou 34,1%, adotaram ao menos 80% das regras
para os benefícios fixados na reforma. Dois terços deles, portanto, seguem em
falta.
Entre os recalcitrantes estão máquinas
portentosas como as de Distrito Federal, Pernambuco, Rio de Janeiro capital e
Belo Horizonte. A irresponsabilidade é concentrada, entretanto, nas cidades do
interior —de 2.093 com regimes próprios, só 701 fizeram reformas amplas.
Os dados evidenciam a força do lobby dos
servidores, das metrópoles aos grotões. Nas negociações para a reforma de 2019,
os militares, os estados e os municípios foram excluídos das mudanças;
acordou-se que os entes federativos tomariam suas medidas para se adequar à
nova Previdência.
A quase totalidade adotou a alíquota mínima
de 14% para as contribuições do funcionalismo, o que é um mandamento
constitucional. Os ajustes para o controle da despesa, porém, foram
negligenciados.
As consequências são mais que conhecidas, a
despeito do negacionismo de tom ideológico que ainda degrada o debate sobre o
tema.
Com o aumento da longevidade e o
envelhecimento da população, as despesas com aposentadorias e pensões crescem
continuamente e tomam o espaço orçamentário de prioridades como educação, saúde
e segurança públicas.
Não é coincidência que, passados os impactos
do generoso socorro financeiro recebido na pandemia e do salto da arrecadação
após a crise sanitária, os municípios tenham mais uma vez mergulhado em crise
financeira.
Depois de um extraordinário superávit fiscal
de R$ 25,9 bilhões em 2022, excluídos da conta os gastos com juros, o conjunto
das prefeituras amargava um déficit de R$ 11,5 bilhões nos 12 meses encerrados
em novembro do ano passado.
Como a esmagadora maioria delas não tem
acesso a crédito, o rombo ameaça diretamente a prestação de serviços à
população. A saída, em geral, é fazer pressão política por ajuda da União.
Desta vez, ao menos, foi apresentada uma
proposta de emenda à Constituição que obriga os municípios a seguirem as regras
previdenciárias federais. É um trise reconhecimento de que a política local
falhou em equacionar a questão.
Mulheres a postos
Folha de S. Paulo
Alegação do Exército de que fisiologia
feminina afeta o combate não tem respaldo
Para o Exército brasileiro, a fisiologia
feminina compromete o desempenho de mulheres, razão pela qual certos postos de
combate devem permanecer fechados a elas.
Esse arrazoado faz parte da documentação
que o Exército apresentou à Advocacia Geral da União para
embasar a posição do governo em ações diretas de inconstitucionalidade, em
tramitação no Superior Tribunal federal, que contestam o veto a mulheres em
algumas posições nas Forças Armadas.
A AGU acolheu a orientação e se manifestou
contra a ampla concorrência feminina para a carreira militar —sem mencionar a
fisiologia.
Contudo a experiência de nações da Otan e de
outras como Austrália e Israel mostra que, de um modo geral, mulheres estão
aptas a servir em funções de combate. Ressalte-se que são países cujas tropas
participaram de guerras, algo que os militares brasileiros felizmente não fazem
há mais de um século.
Ainda que se argumente que a força física é
atributo essencial para determinadas posições, como tropas de assalto, vetar
mulheres não constitui boa medida.
A seleção deve dar-se em bases individuais,
não por categorias demográficas. É preciso estabelecer qual é o nível de força
necessário e criar um teste físico para aferi-lo.
Nos EUA, esses exames seguem protocolos de
modo que não apresentem viés contra as candidatas. Em 2020, o país ocupava a
segunda posição na taxa de mulheres em efetivo militar entre os membros da
Otan, com 18% —perdia somente para a Hungria (20%). No Brasil, o índice atual é
de 10%.
Outros argumentos contrários incluem a coesão
da tropa, que seria menor em grupos mistos, e até os custos, como a criação de
banheiros e dormitórios femininos em submarinos, por exemplo.
A psicologia de grupo pode constar do
treinamento dos soldados, assim como as áreas física e tática. Já os gastos em
situações específicas podem de fato ser altos, mas cabe a cada país decidir se
vale a pena arcar com eles. A maioria dos membros da Otan que operam com
submarinos decidiu que vale.
A presença feminina também exige combate
firme à violência sexual, que costuma ser maior entre militares do
que entre civis.
Que fardados recorram à fisiologia das mulheres para negar-lhes acesso a certos postos é lamentável. Que a Advocacia Geral da União de um governo que se diz progressista e inclusivo respalde o veto é algo que demanda explicação.
Horizonte estreito
O Estado de S. Paulo
O programa de reindustrialização apresentado
com fanfarra nesta semana tem como único horizonte a eleição presidencial de
2026. Não é, portanto, um plano de Estado, mas de governo
O governo Lula da Silva reagiu à saraivada de
críticas que o plano de reindustrialização recebeu nos últimos dias. Houve um
evidente esforço para destacar as diferenças entre o programa atual e as
iniciativas de gestões petistas anteriores, mas faltam muitas explicações sobre
alguns dos principais pilares da proposta, como os requisitos de conteúdo
local, as metas aspiracionais do Nova Indústria Brasil (NIB) e o papel que o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assumirá nesse
contexto.
Medidas que incentivem a compra e o uso de
produtos e serviços fornecidos por empresas nacionais não são uma novidade no
País. Ao contrário, já foram muito utilizadas na tentativa de estimular o
desenvolvimento de novas empresas e empregos na cadeia do petróleo e na
indústria naval. Eivadas de boas intenções, tais políticas quase nunca alcançam
os resultados almejados e, na última década, tiveram consequências trágicas na
economia e no mercado de trabalho do Rio de Janeiro.
Não por acaso, requisitos de conteúdo local
geram muita apreensão na iniciativa privada e, inclusive, em parte do governo.
Nesse sentido, a ausência dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do
Planejamento, Simone Tebet, na cerimônia de apresentação do plano da proposta
não passou despercebida.
Não foi o único recado interno. Em entrevista
ao Estadão, o assessor especial do Ministério da Fazenda e coordenador da
agenda verde dentro da equipe econômica, Rafael Dubeux, cobrou cautela na
implementação dessa política e o estabelecimento de prazos para que um
determinado segmento beneficiado pela medida alcance padrões de competitividade
internacional. “Se não evolui nada, tem de descontinuar”, afirmou, ressaltando
que apenas setores nos quais o País tem chance de disputar mercados externos
deveriam ser considerados.
Há também muitas dúvidas sobre o caminho para
alcançar as metas aspiracionais do plano até 2033. Entre os objetivos definidos
no documento estão a obtenção de autonomia na produção de 50% das tecnologias
críticas para a defesa; a produção nacional de 70% das necessidades do País na
área de medicamentos, vacinas, dispositivos, materiais, insumos e tecnologias
em saúde; e o suprimento de 95% do mercado agropecuário por máquinas e
equipamentos de produção nacional.
Tão ambiciosas quanto pouco críveis, elas
teriam sido a causa da irritação demonstrada pelo presidente Lula da Silva no
anúncio do programa. Por isso, segundo o Estadão, foram retiradas da
apresentação e do discurso do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento,
Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin
Já o diretor de Desenvolvimento Produtivo,
Inovação e Comércio Exterior do BNDES, José Luis Gordon, negou que o Tesouro
fará aportes à instituição financeira. Não explicou, no entanto, como a emissão
de Letras de Crédito do Desenvolvimento (LCD) não afetará a política fiscal,
uma vez que o banco pertence integralmente ao governo. Descartou, também, a
possibilidade de o BNDES comprar ações de empresas, além da reedição da
fracassada política de campeãs nacionais, mas disse que o banco lançará fundos
para incentivar áreas “estratégicas” alinhadas às seis missões do plano.
Para o governo, as críticas ao plano são
infundadas e vieram de especialistas que nem se deram ao trabalho de ler a
proposta. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), é ainda pior: elas
vêm de quem é contra o desenvolvimento do País. Reações como essas interditam
um debate pertinente e que deveria ser feito com muito cuidado e com ampla
participação da sociedade, haja vista o custo dos erros cometidos no passado
recente na tentativa de impulsionar a indústria e a economia.
Políticas industriais bem-sucedidas no
exterior priorizaram investimentos em pesquisa e inovação, o aumento da
produtividade e o desenvolvimento de capital humano, a partir de áreas nas
quais os países já tinham competitividade.
O programa de reindustrialização apresentado
nesta semana tem como único horizonte a eleição presidencial de 2026. Não é,
portanto, um plano de Estado, mas de governo.
Aos 90 anos, a USP precisa avançar
O Estado de S. Paulo
Universidade brasileira que mais se aproxima
das boas práticas globais, a USP compartilha com o sistema nacional do ensino
superior as vulnerabilidades que impedem um progresso maior
Uma das heranças malditas do regime colonial
no Brasil foi o atraso do ensino superior. As primeiras faculdades foram
criadas só no século 19. Quando a primeira universidade foi fundada no Rio de
Janeiro, em 1920, já havia 78 universidades nos EUA e 20 na América Latina.
Nascida há exatos 90 anos, a Universidade de
São Paulo (USP) tem muito o que celebrar. Amparada pelo compromisso do Estado
de São Paulo com o financiamento ao ensino superior, a USP foi pioneira na
dedicação integral de docentes, na consolidação da pósgraduação e na autonomia
financeira. Seria ocioso enumerar todas as suas conquistas. Basta lembrar que
há décadas ela desfruta da reputação de melhor universidade do Brasil e uma das
melhores da América Latina, figurando frequentemente como a melhor nos rankings
internacionais.
Tudo isso é motivo de orgulho, mas não
autoriza a complacência. Há um potencial inexplorado, e, se na América Latina
as universidades brasileiras se destacam, a região está defasada em relação a
países emergentes sobretudo na Ásia, como China, Coreia do Sul ou Índia. O
Brasil é a segunda maior democracia do Ocidente e uma das dez maiores economias
do mundo, mas está longe de ter uma universidade de “classe mundial”.
Nos sistemas internacionais de avaliação há
um consenso sobre os fatores que determinam a excelência universitária: acima
de tudo, ensino e pesquisa de qualidade, mas também competência das
publicações, internacionalização, empregabilidade, sustentabilidade e
eficiência institucional. No Brasil, a USP se destaca e tem avançado em todos
estes aspectos. Mas ela também compartilha de vulnerabilidades do ecossistema
do ensino superior nacional que refreiam esses avanços.
Nas últimas décadas, as políticas de ensino
superior enfatizaram excessivamente a expansão, privilegiando critérios
quantitativos, como o número total de publicações ou a dimensão institucional.
Some-se a isso outra ênfase mais recente, na inclusão social, que, como apontou
Simon Schwartzman numa análise em seu website sobre O Brasil no ranking
internacional de universidades, “adquiriu uma prioridade quase absoluta nas
políticas públicas de ensino superior, deixando em segundo plano a questão da
excelência, que precisa voltar à agenda”.
Não que se deva abrir mão de estratégias de
massificação e inclusão do ensino superior público. Mas o País precisa pensar
em meios de canalizar recursos proporcionalmente maiores em um grupo
minoritário de instituições de excelência em pesquisa, em oposição a um
conjunto majoritário de instituições focadas no ensino e preparação ao mercado
de trabalho, com custos menores. A Suécia, por exemplo, gasta US$ 20 mil por
estudante nas universidades de excelência e US$ 7 mil nas universidades
“pós-secundárias”. A concentração de recursos em universidades de ponta também
explica os avanços asiáticos.
As universidades públicas padecem dos padrões
de uma administração estatal centralizada e burocrática. Isso explica em parte
por que são comparativamente baixas a atividade de inovação e a capacidade de
obter recursos do setor produtivo, assim como a qualidade das pesquisas.
Um dos desafios estruturais que a USP precisa
enfrentar é o seu tamanho. Instituições nos topos dos rankings são de tamanho
médio para pequeno, com menos de 20 mil alunos. A USP tem quase 100 mil, e
ainda é responsável por administrar entidades extra-acadêmicas, como hospitais
ou museus. Esse gigantismo traz problemas crônicos de gestão, como orçamentos
engessados e comprometidos pelo excesso de servidores administrativos. O
corporativismo burocrático também prejudica o princípio do mérito. Relacionado a
esse quadro, talvez o maior desafio da USP seja intensificar sua
internacionalização. Embora ela tenha crescido nos últimos anos, ainda é
comparativamente baixa.
Apesar de tudo, as políticas paulistas para o
ensino superior são as que mais têm se aproximado das boas práticas
internacionais, e os resultados são visíveis nos rankings globais. As
universidades paulistas, puxadas pela USP, estão no caminho certo, e são um
modelo para o País, mas podem e devem remover barreiras ao seu avanço e
acelerar o passo.
Ideologia não tapa buraco
O Estado de S. Paulo
Lula menospreza os paulistanos ao tratar a eleição local como ‘terceiro turno’ contra Bolsonaro
Em entrevista recente à Rádio Metrópole, de
Salvador (BA), o presidente Lula da Silva fez um novo movimento para tentar
transformar a eleição para a Prefeitura de São Paulo em uma espécie de
“terceiro turno” da eleição presidencial de 2022. O petista disse que considera
a disputa na capital paulista “muito especial” para ele e para seu partido
porque o pleito seria, em sua visão, a “confrontação direta entre o
ex-presidente e o atual presidente; entre eu (sic) e a figura (Jair
Bolsonaro)”.
Não bastasse ser interesseira, para não dizer
mentirosa, a fala do presidente da República chega a ser ofensiva à
inteligência e à sensibilidade dos quase 9 milhões de eleitores paulistanos.
Lula os trata como sujeitos incapazes de pensar sobre os temas próprios da
realidade local, aqueles que os afetam diretamente, para, diante da urna,
decidirem seus votos motivados por sua rinha pessoal contra Bolsonaro – que
está inelegível, convém lembrar.
É evidente que o ex-presidente também tem
grande interesse em “nacionalizar”, como tem sido dito, a eleição municipal na
maior cidade do País. Banido das disputas eleitorais até 2030, Bolsonaro se
ampara em qualquer fiapo de oportunidade para mostrar que ainda tem relevância
na vida política do País e disso extrair tanto quanto puder de benefícios
pessoais.
Ou seja: reduzir os futuros candidatos à
Prefeitura de São Paulo a meros coadjuvantes da guerra particular que travam
entre si é do interesse apenas de Lula e de Bolsonaro, que não vivem um sem o
outro. Para ambos, que se danem os interesses dos munícipes. Comportando-se
dessa forma, um e outro revelam que não conhecem a fundo o eleitorado
paulistano, que decerto terá sabedoria para não se deixar enganar por falsas
questões.
O debate público na capital paulista será
empobrecido se, ao fim e ao cabo, prevalecer essa tentativa de nacionalização
da eleição municipal. A cidade tem uma série de problemas e oportunidades que
devem estar no centro das discussões entre aqueles que pretendem governá-la a
partir de 1.º de janeiro de 2025.
São Paulo está visivelmente malcuidada.
Árvores e sinais de trânsito sucumbem aos primeiros pingos de chuva. Ruas mal
iluminadas e mal pavimentadas sujeitam os cidadãos a riscos de toda ordem. As
deficiências do transporte público atazanam a vida de milhões de pessoas que
não querem nada além de sair para trabalhar ou se divertir e chegar em casa com
tranquilidade. Há inúmeras vantagens em viver em uma metrópole como a capital
paulista, mas também muitos problemas. Ideologia, como já dissemos, não resolve
qualquer um deles. Lula e Bolsonaro podem falar o que quiserem, mas seus
discursos não taparão buracos nem abrirão uma vaga sequer nas creches ou
escolas da Prefeitura.
Os paulistanos terão uma bela oportunidade de mostrar que a polarização paralisante não é destino e que é possível desviar das armadilhas montadas pelos que querem levar o País a acreditar que seu futuro está ligado ao de quem quer dividi-los, movidos por interesses unicamente pessoais.
Mais eficiência e menos regalias
Correio Braziliense
Proposta do governo deverá chegar ao
Congresso no início de fevereiro e está sustentada em três eixos: pessoal,
digital e organizacional
O serviço público é, com frequência, alvo de
críticas da sociedade. Ora por falta de pessoal, ora devido a um mau
atendimento, ora pelo excesso de burocracia. Os motivos de insatisfação são os
mais variados. O terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
inovou ao criar a pasta de Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, a fim de
reformatar o Estado brasileiro, que ainda guarda funções superadas pelos
avanços tecnológicos e ressente-se de profissionais afinados com as exigências
da modernidade dos diversos setores do conhecimento e com as demandas da
sociedade.
Após um ano de avaliação e reestruturação de
diferentes carreiras — segurança pública, Fundação Nacional dos Povos Indígenas
(Funai), analistas de tecnologia da informação e de política social —, a
ministra Esther Dweck, doutora em economia, iniciou 2024 com o anúncio do
primeiro concurso nacional unificado — o Enem do serviço público — para o
preenchimento de 6.640 vagas, cujas provas serão aplicadas em 220 cidades ao
mesmo tempo e para suprir a carência de profissionais dos ministérios e outros
órgãos do Executivo.
Nos últimos oito anos, o Estado perdeu 70 mil
profissionais, a maioria para a aposentadoria e outros atraídos pelas vantagens
oferecidas pelo setor privado. A radiografia mostrou que o Executivo não está
"inchado", como supõe boa parte da sociedade. Neste ano, para
eliminar a carência de pessoal de todos os ministérios seriam necessários 84
mil servidores. O deficit foi parcialmente suprido com abertura de 9 mil vagas,
exceto para a educação, no ano passado. O alto custo da máquina do Executivo se
deve aos elevados salários, uma vez que a média da remuneração da grande
maioria dos profissionais está em torno de R$ 10 mil.
A ministra Esther Dweck, em entrevista
ao Correio, descarta a possibilidade de preencher o deficit de pessoal
identificado no ano passado (70 mil). Ela admite que o Estado não tem de ser
grande, mas "ter o tamanho necessário" para cumprir o seu principal
papel, que é de servir a população, sendo eficaz, eficiente e ágil. O
entendimento diverge da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32, dispondo
sobre a reforma administrativa. Na avaliação da gestora, a PEC, construída pelo
governo passado, defende o enxugamento da máquina pública e tem um viés punitivo,
do qual o atual governo discorda.
O Ministério da Gestão preparou uma proposta
de reforma administrativa para ser apreciada pelo Congresso centrada em três
grandes eixos e três princípios: pessoal, digital e organizacional. O documento
deverá ser entregue ao Legislativo no próximo mês. Uma reforma restrita ao
Executivo é muito pouco, considerando que as demandas por maior eficiência nos
serviços públicos se estendem aos órgãos de todos os Poderes. Os contribuintes
brasileiros bancam, por meio dos impostos recolhidos, mordomias usufruídas por
concursados e não concursados dos Três Poderes, mas nem sempre têm o justo
retorno por meio de serviços públicos de qualidade. É preciso que as mudanças
ocorram sem distinção a fim de que haja mais inovação e eficiência, além de
menos regalias e iniquidades.
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