Valor Econômico
Como o liberalismo, novo ou velho, não colou
no país, continuamos atrás do Estado redentor
É certo, a se crer nas estatísticas, que a
vida do empreendedor brasileiro melhorou nos últimos anos. Tome-se como medida
o dado do Banco Mundial que mostra quantos dias demoram para se abrir uma
empresa. O Brasil passou de 86,6 dias em 2013 para 16,6 dias em 2019 -
comparado a meio dia na Nova Zelândia e 230 na Venezuela, só para situar o país
entre dois extremos.
Um avanço significativo, porém pequeno diante das dificuldades que o candidato a empresário terá de enfrentar. Por exemplo, no indicador que mede a facilidade de se fazer negócios, o Brasil ficou na 140º posição, atrás do Senegal e à frente dos vizinhos Paraguai e Argentina. Nova Zelândia, outra vez no primeiro lugar, é seguida por Cingapura, país que a megavarejista de origem chinesa Shein escolheu como sede e de onde ela exporta seus produtos superbaratos para o Brasil.
Esses tigres asiáticos podem colocar os
bigodes de molho. Aloizio Mercadante não precisa mais, como disse em outubro,
matar leões nem se desviar das antas que forrageiam nos arredores do BNDES
porque R$ 300 bilhões, “só de piso”, acabam de ser liberados para a “Nova
Indústria Brasil”. Dinheiro, decretou Luiz Inácio da Silva, não é mais
problema.
Como o liberalismo, novo ou velho, não colou
no país - é uma espécie de sinal vermelho da economia política que supostamente
serve para alguma coisa, mas é solenemente ignorado em todas as esquinas -,
continuamos atrás do Estado redentor. É uma busca antiga, latino-americanamente
atávica, que ganhou corpo com Getúlio Vargas e chegou ao ápice no governo
Ernesto Geisel.
Aos empresários, pragmáticos por natureza,
resta estabelecer uma aliança com o poder da vez, num ato legítimo de
sobrevivência ou num golpe de esperteza para acelerar a “geração de valor aos
acionistas”. Num regime que privilegia o capitalismo de compadrio e escolhe
favoritos, estar na lista de convidados é parte do business.
Como o Partido dos Trabalhadores é um dos
herdeiros desse modelo desenvolvimentista, não deveria surpreender ninguém que
voltasse ao tema. A admiração dos petistas pelo governo Geisel, que implementou
o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento, em 1975, é antiga e explícita. Um
levantamento feito pela “Folha de S.Paulo” em 2008 mostrava que Lula fizera 24
referências ao general em seus discursos até então. E ainda há debate entre
acadêmicos sobre se o desastroso segundo governo Dilma Rousseff foi uma tentativa
de ressuscitar aqueles sonhos de grandeza industrial.
O PAC recauchutado virou
“neoindustrialização”, mas a depender do que tivemos até agora serão os mesmos
velhos truques, como os benefícios ao setor automobilístico, tirado da cartola
nos primeiros meses do governo, para facilitar a compra de carros “populares”.
No fim do ano veio mais um presente numa edição extra do “Diário Oficial” no
sábado à noite de 30 de dezembro que estica os benefícios do setor no Norte e
Nordeste até 2032 - um renúncia fiscal perto de R$ 19,3 bilhões. Esses
incentivos não se pagam, como mostrou Eduardo Belo, editor de Brasil deste
jornal, em artigo no dia 11 de janeiro (“Incentivos na contramão”). É muito
gasto para pouco emprego criado.
Notícias como essas são difíceis de engolir
para setores como o varejista, que enfrenta a concorrência pesada das
plataformas asiáticas e pede o fim da isenção do imposto de importação nos
envios de até US$ 50. Em dezembro, Sergio Zimerman, fundador e
diretor-executivo da Petz, avisou o presidente e os ministros presentes numa
reunião do “Conselhão” que iria ser “duro” e criticou a falta de isonomia
tributária entre redes nacionais e as plataformas.
A relação entre o Estado indutor e empresas
privadas nunca foi tranquila. Exemplo notório é o chamado “Documento dos 8”, o
primeiro em 1978 e depois repetido em anos seguintes, no qual empresários do
peso de Antônio Ermírio de Moraes e Cláudio Bardella pediam ajustes na economia
e a volta ao regime democrático. (A democracia viria, mesmo que em ritmo lento
e gradual, em 1985. Já a economia entraria em parafuso rapidamente numa
escalada hiperinflacionária só debelada na década de 1990.)
Um dos signatários da carta de 1978 e
ex-membro do “Conselhão” que chegou a ser cotado para ser ministro de Lula,
Jorge Gerdau Johannpeter saiu de sua semiaposentadoria - ele deixou o comando
do grupo Gerdau em 2016 - e veio a público em setembro reforçar o coro do setor
siderúrgico, que também se diz prejudicado com as importações chinesas.
Meses antes, José Galló, presidente do
conselho da rede varejista Lojas Renner, já havia reclamado, numa entrevista ao
jornal “O Estado de S. Paulo”, da falta de figuras importantes no debate com
“posições fortes e firmes” e culpou a polarização política, que, segundo ele,
limita o número de pessoas próximas ao líder da vez e cria um ambiente dominado
por “amigos do rei”.
Num texto recente, o colunista do Valor Pedro Cafardo diz que Bardellas e Ermírios fazem muita falta no debate. De fato, seria interessante ver a reação deles ao novo plano. Antônio Ermírio, como nos conta José Pastore na sua biografia do empresário, nunca se conformou com a intromissão dos governos nas empresas privadas e desconfiava dos planejadores “que nunca produziram um só parafuso”. A Cláudio Bardella bastaria repetir uma frase dita em 1977, em referência à democracia “possível” de Geisel: “Democracia não comporta adjetivo. Ou existe ou não existe”.
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