Copa do Catar vai além das quatro linhas do gramado
O Globo
Nunca um país gastou tanto para realizar o
evento — e nunca ele foi marcado por tantas denúncias
Nunca se gastou tanto para sediar uma Copa
do Mundo. O orçamento recorde da Copa do Catar — US$ 220 bilhões — é quase 15
vezes o que foi investido no Brasil em 2014. Mas a dinheirama despejada na
primeira Copa do Oriente Médio não foi suficiente para redimir a imagem do
país. Denúncias de violações de direitos dos trabalhadores migrantes, das
mulheres e da população LGBTQIA+ já fazem dela campeã de questionamentos. Dois
dias antes da abertura, os catarenses ainda proibiram a venda de cerveja nos
estádios.
A escolha do Catar como sede em 2010, em detrimento dos Estados Unidos, foi cercada de suspeitas de corrupção. O próprio presidente da Fifa na ocasião, Joseph Blatter, admitiu depois que a escolha fora “um erro”. Não só pelo transtorno logístico — em razão das altas temperaturas, pela primeira vez o torneio teve de ser transferido para novembro, prejudicando o calendário das poderosas ligas europeias. Mas também por desprezar a questão dos direitos humanos, a exemplo do que acontecera na Argentina em 1978 ou na Rússia em 2018.
Os catarenses construíram uma
infraestrutura faraônica para receber o evento, incluindo uma nova cidade
(Lusail) perto da capital Doha e um novo aeroporto. Dos oito estádios erguidos
ou reformados para o torneio, apenas um não é refrigerado. Assinados por arquitetos
de renome, os projetos são monumentais, incorporando em suas linhas referências
à cultura local. Além de hotéis suntuosos, foram inauguradas uma ferrovia e
três linhas de metrô, cujas estações são tão luxuosas que mais parecem galerias
de shopping centers.
A questão é como tudo isso foi feito. São
inúmeras as denúncias sobre as condições de trabalho degradantes nos canteiros
de obras. Jornadas exaustivas, calor insuportável, situações análogas à
escravidão, retenção de salários, confisco de passaportes são algumas das
violações descritas em relatórios de entidades internacionais. Diante das
pressões, o governo catarense mudou a legislação trabalhista e criou um fundo
de apoio aos trabalhadores. Os números oficiais falam em 37 mortos.
Também joga contra a Copa do Catar o
tratamento dado pelo país a mulheres e minorias, cujos direitos são cerceados.
Relações entre pessoas de mesmo sexo podem levar à prisão. A duas semanas da estreia,
Khalid Salman, embaixador da Copa do Mundo e ex-jogador da seleção catarense,
se referiu à homossexualidade como “dano mental”. Disse que gays serão
tolerados, mas terão de respeitar as regras do país. Tal comportamento tem
provocado protestos mundo afora. O cantor britânico Rod Stewart revelou ter
recusado cachê de US$ 1 milhão para se apresentar no evento. As cantoras Dua
Lipa e Shakira também declinaram. Até a proibição da cerveja na última hora
virou dor de cabeça para a Fifa, pois uma cervejaria é um dos grandes
patrocinadores do evento.
A Copa que estreia hoje deverá atrair 1
milhão de turistas ao Catar e uma plateia estimada em 3,5 bilhões de
espectadores no mundo inteiro. Dentro de campo, das 32 seleções que reúnem os
maiores craques do planeta, a brasileira é como sempre a favorita. Incomodada
com as críticas, a Fifa tem pedido foco no futebol. Mas não se podem varrer
para baixo do gramado as denúncias antes de o espetáculo começar. O futebol,
todos sabemos, é um jogo que vai muito além das quatro linhas.
Reerguer Enem esvaziado na gestão Bolsonaro
é desafio do novo governo
O Globo
Pandemia e crise econômica não são únicas
responsáveis pela degradação da prova que dá acesso à universidade
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem),
que começou a ser aplicado no último domingo e continua hoje em todo o Brasil,
precisará ser recuperado pelo futuro governo. Nos últimos anos, mesmo levando
em conta os efeitos da pandemia, ficou patente o esvaziamento da prova,
esperança dos jovens para entrar numa universidade. Desprestígio que se revela
não só na queda no número de inscritos, mas também na gestão claudicante do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
responsável pelo exame.
Embora os 3,3 milhões de inscritos neste
ano representem um aumento em relação aos 2,2 milhões de 2021, o número está
bem aquém do registrado no passado. Em 2014, 5,9 milhões se candidataram. Mais
que constatar a queda, é preciso buscar os motivos que afastam os jovens da
prova.
É evidente que a pandemia teve papel
crítico (em 2021, o Enem registrou o menor número de inscritos desde que virou
vestibular). O tempo demasiado que as escolas ficaram fechadas prejudicou os
alunos, especialmente os de baixa renda. Como poderiam concorrer em igualdade
de condições com quem teve acesso aos conteúdos? É preciso considerar também
que, com o agravamento da crise econômica, muitos jovens tiveram de entrar
prematuramente no mercado de trabalho, abandonando o sonho do ensino superior
para ajudar suas famílias.
Mas o coronavírus não é o único culpado de
tudo. A inépcia do Ministério da Educação no governo Bolsonaro e o
aparelhamento de órgãos técnicos contribuíram para agravar a situação. Durante
a gestão do ex-ministro Milton Ribeiro, que caiu em meio a denúncias de
corrupção no MEC, o Inep se transformou numa fábrica de crises. No ano passado,
às vésperas do exame, 31 coordenadores pediram exoneração denunciando o
desmonte da autarquia.
O patrulhamento do Enem foi um capítulo à
parte. Numa atitude inconcebível, o próprio presidente Jair Bolsonaro
demonstrou intenção de interferir nas questões, vetando as que não estivessem
alinhadas à ideologia bolsonarista. Bolsonaro negou ter tido acesso ao conteúdo
com antecedência, mas disse que as questões começavam a ter “a cara do
governo”. Felizmente, o corpo técnico do Inep resistiu às investidas, como
comprova a escolha do tema da redação deste ano sobre os povos originários.
Espera-se que o Brasil vire essa página que mistura inépcia, negligência e aparelhamento. Entre outras medidas importantes, como a renovação do banco de questões que já está no limite, o novo governo terá de adequar o exame aos novos parâmetros da reforma do ensino médio já em 2024. E, claro, trabalhar para atrair mais inscritos e reduzir a abstenção (de 26,7% na primeira prova domingo passado). Os estudantes precisam se sentir estimulados e preparados para a prova. Não será tarefa fácil diante do desmonte da educação nos últimos anos.
Transição inchada
Folha de S. Paulo
Equipe aumenta de modo inédito, mas sem
apontar direção clara para governo Lula
Faltando apenas seis semanas para a posse
do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a equipe encarregada da
transição para o novo governo não para de crescer.
Com as novas nomeações anunciadas nesta
sexta (18) pelo coordenador dos trabalhos, o vice-presidente eleito, Geraldo
Alckmin (PSB), chegou a 320
o número de participantes, distribuídos em pelo menos 31 grupos
temáticos.
Nunca houve uma equipe tão numerosa desde
que a passagem
entre governos começou a ser organizada no Brasil por normas e procedimentos
regulados em lei, iniciativa tomada por Fernando Henrique Cardoso
(PSDB) antes de entregar a faixa a Lula em 2002.
Seria ótimo se todos estivessem trabalhando
com afinco para levantar informações sobre as várias áreas do governo, elaborar
diagnósticos e preparar medidas que permitam ao eleito pisar firme quando
assumir a função. Infelizmente, ainda não é o que se vê.
Posições
foram ocupadas por veteranos de gestões petistas e novos aliados,
numa tentativa de explicitar a disposição de Lula de buscar colaboradores de
diversas correntes de pensamento para governar.
Os sinais até agora são de que boa parte
está ali mais para fazer figuração do que para contribuir de fato com
discussões produtivas. A maioria dos indicados atua em caráter voluntário, e
somente Alckmin e uma dúzia de assessores ocupam cargos assalariados.
Muitos parecem ter sido nomeados apenas com
o objetivo de aplacar ansiedades, até que o presidente eleito defina a
composição do futuro ministério e o lugar que ocuparão em seu governo.
O método pode até servir para ganhar tempo
e atenuar as pressões que se avolumam sobre Lula, mas sugere também que falta
ao eleito o sentido de urgência que os desafios à sua frente requerem.
A principal iniciativa do grupo até agora
foi a apresentação da proposta que amplia, de forma temerária, o espaço para
gastos públicos no próximo ano, levada por Alckmin à cúpula do Congresso.
Espantosamente, a medida nem sequer foi
submetida ao crivo dos economistas que participam da equipe de transição, que
inclui dois dos formuladores do Plano Real, André Lara Resende e Persio Arida.
Dada a ausência de planos consistentes para
o reequilíbrio das contas públicas, coube a Alckmin assumir sozinho a defesa da
proposta, acenar com reformas e renovar promessas de gestão responsável.
No mesmo dia, o ex-ministro Guido Mantega anunciou a decisão de deixar a equipe, uma semana após sua chegada. Impedido pelo Tribunal de Contas da União de exercer cargos públicos por causa de irregularidades na gestão orçamentária no passado, ele resolveu sair para não causar embaraços ao governo eleito. Menos mal.
Copa atípica
Folha de S. Paulo
Autoritarismo, clima e corrupção fazem do Qatar sede mais polêmica de mundiais
Tem início neste domingo (20) a vigésima
segunda edição do mais festejado torneio mundial de futebol, mas há motivos
consideráveis a alimentar a controvérsia que cercou a escolha do Qatar como
sede da Copa do Mundo neste 2022.
Sem nenhuma tradição no esporte, o emirado
convenceu em 2010 a maioria dos delegados da Fifa (entidade máxima do futebol)
de que seria a melhor opção, mesmo impondo a transferência do evento de suas
tradicionais datas, nos meses de junho e julho, para o final do ano, devido ao
verão inclemente.
O país já era na ocasião —e assim continua—
governado por uma monarquia autoritária sob regras
teocráticas baseadas na Sharia, a Lei Islâmica. Relações
homossexuais são consideradas crime, imigrantes se veem submetidos a regime de
teor escravocrata e mulheres são oprimidas e tratadas como seres de segunda
classe.
Diversas organizações de direitos humanos
têm protestado contra a Fifa e o governo do Qatar, e algumas estrelas da música
internacional recusaram convites para se apresentar no evento.
Esse cardápio de contratempos e atrocidades
oficiais parecia afastar, ou pelo menos desaconselhar, a escolha do Qatar para
ser a sede do Mundial deste ano.
Além disso, a vitória suscitou denúncias
sobre esquemas de corrupção, a começar pelo pagamento de propina a delegados.
Lembre-se que a Fifa, à época, era comandada pelo suíço Joseph Blatter, que
deixou a entidade em 2015 sob fortes evidências de desvio de recursos.
Do ponto de vista esportivo, esta Copa será
a última com 32 seleções, no formato estabelecido em 1998. No próximo Mundial
serão 48 equipes, número criticado por muitos, mas que por si não parece
apresentar maiores dificuldades.
Outra diferença será a realização do
torneio em países diferentes, no caso Canadá, México e Estados Unidos —medida
bem-vinda por compartilhar custos.
Nas últimas décadas, o futebol
consolidou-se como um grande negócio global. Entidades nacionais e regionais,
como a poderosa Uefa, responsável pelo continente europeu, disputam espaço num
mercado com receitas bilionárias.
Nesse contexto de globalização, o rico emirado do Qatar talvez ajude a ampliar e fortalecer a presença do futebol no mundo árabe —mas está longe de ser uma fonte de inspiração para os ideais do esporte.
Liberdade de expressão não é vale-tudo
O Estado de S. Paulo
Após quatro anos de bolsonarismo, é preciso recompor noção e exercício da liberdade de expressão. Há uma ideia equivocada sobre a palavra, como se fosse território da impunidade
Em 1988, o País restabeleceu, por meio da
Constituição, a liberdade de expressão, de imprensa e de opinião. A censura da
ditadura militar – definindo o que podia e o que não podia ser publicado,
exposto ou escrito – ficava, assim, definitivamente extinta. Para impedir
eventuais retrocessos no futuro, inseriu-se no texto constitucional uma
cláusula pétrea sobre o tema: “Não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”.
Dessa forma, no Estado brasileiro, sempre
será “livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (art. 5.º,
IV), como sempre será “livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” (art.
5.º, IX). A garantia dessas liberdades de forma permanente é fonte de paz e
tranquilidade. Que cada um possa se expressar, comunicando aos outros o que
acredita, é aspiração humana fundamental: é parte essencial da dignidade
humana, é elemento necessário do regime democrático.
Mas, justamente para que todos possam
exercer suas liberdades fundamentais, a liberdade de expressão não é uma
autorização para dizer impunemente o que bem entender. Há limites. A
Constituição assegura, por exemplo, que “são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas” – ou seja, a liberdade de expressão
não dá direito a ofender. Por isso, o Código Penal prevê os crimes de calúnia,
injúria e difamação. Todos têm direito a expressar sua opinião política, mas
ninguém tem direito a caluniar, injuriar ou difamar quem quer que seja.
Outros exemplos de crimes previstos na lei
penal envolvendo a comunicação são a injúria racial, a incitação ao crime, a
comunicação falsa de crime e o ultraje ao culto religioso. Nada disso significa
reduzir a liberdade de expressão. É antes o reconhecimento de que a palavra é
importante e produz efeitos.
Todo esse arcabouço jurídico sobre a
liberdade de expressão – suas garantias, seus limites e suas consequências –
vem sofrendo um intenso e, em certa medida, inédito ataque nos últimos anos. A
ameaça não é fruto de tentativas de emenda constitucional, inviáveis de
prosperar em função da cláusula pétrea. O ataque é mais sutil e mais perigoso.
Ele decorre de uma compreensão equivocada da ideia de liberdade de expressão,
como se a palavra fosse território sem lei, isto é, como se houvesse um direito
a falar o que bem entender, em um contexto de irrestrita irresponsabilidade.
O quadro atual é desafiador. Essa
compreensão equivocada da liberdade de expressão não está mais restrita a
pequenos grupos extremistas. Ela se difundiu. Fez-se cultura. A própria
expansão da internet e das redes sociais, com a oferta de novos espaços de
expressão, gerando novas percepções de liberdade, contribuiu para reforçar a ideia
de que a palavra estaria imune não apenas a um controle prévio, mas à própria
lei.
Tudo isso foi intensificado por Jair
Bolsonaro ao longo de seus quatro anos na Presidência da República, ao
transformar essa equivocada compreensão da liberdade de expressão em bandeira
eleitoral. Não haveria limites, tampouco parâmetros objetivos. Sob o pretexto
de liberdade, estaria assegurada ampla impunidade. Inúmeros, os exemplos
envolvem desde negação de dados científicos e insinuações criminosas contra
inimigos políticos até desinformação contra o regime democrático e o sistema de
votação.
Agora, o País tem pela frente o desafio de
resgatar a liberdade de expressão em sua dimensão de garantia e direito de
todos. Ela não é instrumento de ataque de alguns que se acham mais espertos ou
violentos. Nessa tarefa de recompor a noção e o exercício dessa garantia
fundamental, o Poder Judiciário tem um papel especial, seja para evitar a
impunidade de quem cometeu crimes, seja para ater-se aos limites de sua
jurisdição – sempre lembrando que ao Estado não cabe organizar o debate público
ou ser árbitro das ideias presentes numa sociedade. A liberdade de expressão é
para valer, sem exceções.
Transição com cheiro de naftalina
O Estado de S. Paulo
Com a presença de inúmeros ‘ex’ dos governos petistas, sede da transição é palco de evocação de políticas passadas – muitas delas comprovadamente ineficazes e de viés intervencionista
A equipe de transição do governo está
inchada. Já são quase 300 pessoas escolhidas para os 31 grupos de trabalho, em
contraste com as 50 vagas do grupo oficial da equipe de transição, ainda que a
maior parte seja composta por voluntários sem remuneração. A princípio, o
gabinete teria como missão fazer um diagnóstico das políticas públicas e
apontar soluções modernas para o terceiro mandato do presidente eleito Luiz
Inácio Lula da Silva. Mas basta uma leitura rápida dos nomes para perceber que
é a transição da República dos “ex”. Há uma constelação de ex-ministros,
ex-presidentes, ex-diretores, ex-secretários dos governos do PT liderados por
Lula e pela ex-presidente Dilma Rousseff.
Equipe de transição não é governo, mas o
que se espera é que ela aproveite os dois meses que separam a vitória eleitoral
da posse presidencial para uma definição pragmática sobre as novas políticas
que serão adotadas a partir de janeiro. Sede dos trabalhos da transição, o
Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), porém, virou palco para uma evocação
das políticas passadas – péssimas lembranças, por sinal, muitas delas
comprovadamente ineficazes e de viés intervencionista.
Sem qualquer coordenação entre os grupos,
as propostas têm saído a esmo. Cada “ex” parece ávido para apresentar uma ideia
que o fortaleça na disputa por uma vaga nos Ministérios. O deputado eleito
Guilherme Boulos (PSOL-SP) acenou com a possibilidade de rever o marco legal do
saneamento e suspender os processos de privatização de estatais estaduais já
engatilhados, deixando investidores de cabelo em pé. Ex-ministro do
Planejamento e das Comunicações, Paulo Bernardo defende mais subsídios.
No Congresso, o relator do Orçamento de
2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), tentava conter o impacto da desastrosa
PEC da Transição com a sinalização de redução de despesas mais à frente,
promessa renovada e descumprida toda vez que o Legislativo se prepara para
aprovar aumento de gastos. A prova da disfuncionalidade das equipes é a
renúncia do mais famoso ex-ministro da equipe de transição, Guido Mantega,
alegando que adversários tentam tumultuar e criar dificuldades para o novo
governo – uma demonstração de sua incapacidade de reconhecer seu papel central
como uma das fontes desse tumulto quando decidiu trabalhar abertamente pelo boicote
da candidatura do primeiro brasileiro com chances reais de presidir o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), o economista Ilan Goldfajn.
Escanteados das negociações da PEC, André
Lara Resende, Persio Arida, Guilherme Mello e Nelson Barbosa estão isolados,
sem poder opinar sobre propostas de forte impacto na política econômica feitas
por outras áreas. Se a PEC for aprovada sem prazo de validade, até a discussão
da nova regra fiscal para substituir o teto de gastos, bandeira de Lula e do
PT, pode ficar para depois. Entre os investidores do mercado financeiro, a
percepção é a de que o quarteto de economistas foi colocado lá como
“ornamento”, apenas para inglês ver. Não está dando certo. Quem comanda as
negociações é o núcleo duro da política, que não ouve o time de economistas –
mais um péssimo sinal da ideia de Lula de indicar um político para o comando do
Ministério da Fazenda.
De todos os problemas gerados por uma
equipe tão grande na transição e sem coordenação efetiva, há ainda uma tensão
geracional entre os voluntários dos grupos. Os novos gestores e formuladores de
políticas públicas poderiam trazer ar fresco para o debate na transição, mas
têm sido tolhidos por essa profusão de “ex” que querem voltar ao poder. Muitos
deles já foram chefes dos mais jovens no passado e acabam se impondo no debate,
impedindo a renovação de ideias.
A experiência dos antigos é essencial, mas
o que tem prevalecido são ideias velhas e uma política de retrovisor. O novo,
que nada tem a ver com idade, pede passagem. Um freio de arrumação de Lula é
mais do que necessário, assim como uma mudança de rota a partir do anúncio dos
nomes do seu Ministério. O cheiro da transição, até agora, é de naftalina.
Na USP, 20 anos de uma boa ideia
O Estado de S. Paulo
Curso criado por alunos da Faculdade de Medicina ajuda estudantes de escolas públicas a ingressar no ensino superior
Gente disposta a doar parte do seu tempo e
da sua energia para resolver os problemas do País é o que não falta. Seja na
educação, na saúde ou na assistência social, entre outras áreas, a sociedade
civil brasileira está à frente de inúmeras iniciativas que transformam vidas e
fazem a diferença. Garantir a continuidade de tais ações, porém, nem sempre é
possível − que o diga a longa lista de boas intenções que se perdem no caminho.
Eis um motivo a mais para comemorar os 20 anos do curso pré-vestibular MedEnsina,
criado por alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Como mostrou recentemente o Jornal da
USP, o MedEnsina já ajudou mais de 4 mil estudantes de escolas públicas a
conquistar uma vaga no ensino superior, inclusive na própria Faculdade de
Medicina da instituição paulista. Desde o seu lançamento, em 2002, o
pré-vestibular é gratuito e tem o objetivo de reduzir desigualdades
educacionais, abrindo caminho para que alunos da rede pública de ensino básico
ingressem nas melhores universidades do País.
É interessante notar que tudo começou de
forma improvisada, a partir da sugestão de um professor. Seus alunos da
Faculdade de Medicina se entusiasmaram com a ideia e toparam o desafio. Até aí,
nada de muito diferente em relação a tantas outras iniciativas
bem-intencionadas, mas que nem sempre prosperam. Como registra o Jornal da USP,
porém, o grupo responsável pelo pré-vestibular conseguiu costurar uma rede de
apoios, envolvendo a universidade, que cede anfiteatros, e parceiros externos,
que doaram as primeiras apostilas. Depois, a iniciativa virou projeto de
extensão universitária e passou a valer créditos para os graduandos.
As aulas são noturnas, de segunda a
sexta-feira, e incluem simulados, plantões para esclarecer dúvidas e apoio psicológico
− este último resultado de mais uma parceria. Atualmente há quatro turmas em
funcionamento, cada uma com 270 vagas. Por óbvio, a procura é muito maior do
que a oferta. O que só reforça a necessidade de atuação do poder público, com
ações em larga escala, para dar conta dos desafios de um país continental e com
mais de 200 milhões de habitantes, como o Brasil. De qualquer forma,
iniciativas da sociedade civil apontam caminhos, indicando como é possível
superar obstáculos e criar arranjos verdadeiramente transformadores.
No MedEnsina, a única taxa cobrada dos
alunos das escolas públicas se dá no processo seletivo, que atualmente custa R$
27. Vale destacar que a prova de conhecimentos gerais responde por somente 20%
do resultado final. Os demais 80% provêm de um questionário. A ideia é
priorizar quem vive em pior situação financeira.
Em 20 anos, há muitas histórias de superação. “Alunos que muitas vezes não tiveram matemática básica (na escola) estão cursando engenharia”, resumiu, ao Jornal da USP, a aluna do 6.º ano de Medicina Maya Becca, que dá aulas de química. Como ela, 150 estudantes da Faculdade de Medicina participam voluntariamente do pré-vestibular – um projeto que, há duas décadas, ajuda a transformar vidas e serve de exemplo para outras universidades do País.
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