Folha de S. Paulo
É mais provável que ex-presidente convença
outros a se vestirem como ele do que o contrário
De tempos em tempos, um ministro saía do
gabinete presidencial e dizia que Jair Bolsonaro estava
decidido a segurar a
onda. A explicação era quase sempre a mesma: o capitão havia sido
convencido de que suas atitudes incendiárias afastavam uma fatia crucial do
eleitorado.
Bolsonaro nunca seguiu esse caminho. Confiante de que seria capaz de sustentar sua autoridade na máquina do governo, na fúria antissistema e no combate à esquerda, ele continuou apegado a seus princípios. Perdeu a aposta, mas conseguiu apoio suficiente para manter domínio sobre todo um bloco político.
Uma avaliação estratégica da organização da
direita passa necessariamente por uma análise sobre o papel de Bolsonaro como
líder de coalizões desse campo. O ex-presidente instalou um modelo em que
certos compromissos são considerados inegociáveis e concessões são vistas como
traição. Os infiéis são, geralmente, ameaçados de banimento.
Pelos próximos tempos, nenhum sucessor de
Bolsonaro terá poderes concentrados em sua pessoa física. Como o bolsonarismo é
muito maior do que a direita não bolsonarista, os políticos pegam o atalho do
alinhamento com o líder desse campo. Por convicção ou pragmatismo (isso importa
pouco), quase todos reproduzem uma plataforma que, em mais do que um punhado de
casos, se desvia de compromissos com o que seria
uma moderação real.
A corrida
pela herança de Bolsonaro envolve a adesão orgulhosa a alguns
pontos-chave dessa cartilha. Ali estão políticos que tiram proveito do
marketing da selvageria policial, se curvam a pressões ultraconservadoras na
saúde e integram um pacto pela anistia a um ex-presidente que tramou um golpe
de Estado.
Forças hegemônicas só têm incentivos para
buscar moderação quando percebem que perderam a capacidade de alcançar
maiorias. Nesses casos, o tamanho da inflexão depende da dimensão dessa perda e
da ameaça de concorrentes internos. O bolsonarismo sempre trabalhou para anular
esse segundo fator.
4 comentários:
Perfeito, especialmente o último parágrafo.
Muito bom! Mas tenho grande dúvida se realmente "o bolsonarismo é muito maior do que a direita não bolsonarista". Acho que o colunista pode estar errado nesta avaliação.
Talvez, talvez, esta reportagem ajude a esclarecer:
" Bolsonarismo assumiu herança malufista em São Paulo, afirma pesquisador "
Em : https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/05/bolsonarismo-assumiu-heranca-malufista-em-sao-paulo-afirma-pesquisador.shtml
Eu só conheço Janaína e a Joice que criticam Bolsonaro e os bolsonaristas.
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