Folha de S. Paulo
Normalização do bolsonarismo precisa ser
revertida, não aprofundada
Em sua coluna
de 29 de abril, Joel Pinheiro da Fonseca argumentou que a centro-direita
está muito fraca e que, por isso, precisa se aliar ao "bolsonarismo
moderado". Afinal, argumenta o colunista, não faltam exemplos de
movimentos guerrilheiros ou mesmo terroristas que moderaram seu discurso e
aceitaram a democracia. Por que não os bolsonaristas?
A discussão pode ser útil para estabelecer
alguns limites.
Joel tem razão em dizer que muitos movimentos radicais de esquerda moderaram suas posições, em especial na América Latina dos anos 90. O PT, o Frente Amplio uruguaio, todos estão cheios de ex-guerrilheiros.
Pois bem. Quem, na esquerda sul-americana,
não moderou? O chavismo. Por quê? Porque o chavismo era um movimento militar.
Tentaram uma quartelada nos anos 90, foram presos, foram anistiados com
argumentos muito parecidos com os usados agora para normalizar Bolsonaro,
chegaram ao poder, deu no que deu. Se o sujeito tem infiltração no Exército,
como Chávez ou Bolsonaro, ele não precisa moderar.
Entre os eleitores de Bolsonaro há gente
razoável, brasileiros decentes e capazes que têm todo direito de participar da
política brasileira. A direita democrática deve lutar por seus votos,
recrutá-los como militantes, lançá-los como candidatos, ouvi-los na formulação
de seu programa. Nenhum deles precisa deixar de ser de direita.
Agora, a tarefa da direita moderada é
fazê-los deixar de ser bolsonaristas. Se ela não é forte o suficiente para
fazê-los mudar de ideia sobre Jair, não vejo por que seria forte suficiente
para moderá-los no governo.
Afinal, como o próprio Joel reconhece, os
bolsonaristas não admitem que Jair tentou um golpe. Se forem abraçados pelo
centro, Jair e os demais golpistas serão anistiados e reincorporados à política
brasileira. O próximo golpe já estará encomendado: os políticos bolsonaristas
ainda estarão no jogo, e talvez estejam de volta ao poder, quando os coronéis
que pretendiam apoiar o golpe em 2022 se tornarem generais.
Veja bem, Joel, eu adoraria que Tarcísio ou
Caiado tivessem, para usar a expressão de Nikolas
Ferreira, testosterona suficiente para enfrentar Jair. Mas que sinal disso
eles deram até agora? Já condenaram o golpe, já se pronunciaram sobre a
investigação da PF, já defenderam a prisão do Jair? Aliás: a mídia os tem
obrigado a fazê-lo? Isso foi assunto em algum desses eventos empresariais que
eles frequentam?
Quando a minha geração fez o trajeto da
moderação do marxismo para a centro-esquerda, nós só ganhávamos medalhinha de
centrista quando virávamos o Tony Blair, o Palocci, algo assim. No Brasil de
2024, se o direitista aparece dizendo que às vezes tem ereção sem pensar no
Ustra, todo mundo já grita "ó só, reencarnou o Tancredo".
Bolsonaro está solto e fazendo comícios, a
bancada do golpe preside comissões importantes no Congresso e recruta apoios
nos Estados Unidos para a próxima ofensiva contra a democracia brasileira. A
normalização do bolsonarismo precisa ser revertida, não aprofundada.
E, sinceramente, não quero voltar ao segundo turno de 2018, quando gente com reputação de centrista e equilibrado discutia sem pudor que risco de pau-de-arara eu deveria aceitar para que eles pudessem evitar o radicalismo de, vejam só, Fernando Haddad.
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