domingo, 5 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Conceito de ‘trabalhador’ ficou no passado

O Globo

Fracasso do Primeiro de Maio é sinal de que realidade econômica não é a que Lula e os sindicatos imaginam

O esvaziamento do ato das centrais sindicais em comemoração ao 1º de Maio em São Paulo irritou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pouco mais de 1.600 pessoas compareceram ao evento na quarta-feira, o que fez Lula passar um pito em público nos organizadores. Eles não têm, porém, como reverter as transformações da sociedade brasileira, que tornaram coisa do passado o conceito de “trabalhador” tão caro a Lula e aos sindicatos — e que estão na raiz do esvaziamento.

Um em cada quatro brasileiros hoje trabalha como autônomo ou por “conta própria”, na classificação do IBGE. Não tem patrão, muito menos vínculo com qualquer entidade sindical. Em dez anos, essa parcela da população cresceu de 20,8 milhões para 25,6 milhões. É certo que parte da tendência resulta da falta de opção de emprego, que leva muitos a fazer bicos para sobreviver. Mas é inegável o avanço de ocupações autônomas, como motorista ou entregadores de aplicativo, e da cultura do empreendedorismo. Isso fica evidente na proporção de trabalhadores por conta própria com CNPJ, que saiu de 24% em 2013 para 34% em 2023. São brasileiros que identificaram demandas de consumidores, viram oportunidades e abriram negócios.

É uma tendência global. Nas palavras de Paul Donovan, economista do banco UBS, o 1º de Maio deveria celebrar o lucro, não o salário. As mudanças estruturais provocadas pela tecnologia pavimentaram uma nova fase para o empreendedorismo. Isso ficou claro durante a pandemia, quando muitos enxergaram na economia digital uma oportunidade.

Em 2021, houve crescimento significativo na abertura de novos negócios tanto nos Estados Unidos como na União Europeia, especialmente empresas com até nove funcionários. Plataformas digitais de diversas naturezas criaram espaço a toda sorte de iniciativa. Não apenas gigantes como Uber ou Airbnb. Havia, segundo estudo da Organização Internacional do Trabalho, 142 dessas plataformas no mundo em 2010. Dez anos depois eram 777. Uma das citadas é uma startup britânica que emprega menos de cem pessoas, mas coordena a prestação de serviço de mais de 2 milhões de trabalhadores.

Para Donovan, o avanço do empreendedorismo exigirá mudança na análise de economistas. “A renda dos produtores de conteúdo do TikTok aparece nos dados de lucros”, diz ele. “Mas não se trata de corporações pagando a acionistas institucionais. São indivíduos que usam o dinheiro para pôr comida na mesa. O efeito econômico do aumento do lucro nesses casos equivale a um aumento de salário. A distinção entre a poupança das famílias e a corporativa fica menos clara.”

No Brasil, os novos “plataformizados” estão concentrados entre quem tem ensino médio completo ou superior incompleto (61%). Vendem uma variedade de produtos e serviços, alugam quartos e apartamentos ou trabalham em empresas de entregas. Em vez de participar de um evento com políticos a cada 1º de Maio, estão mais interessados em saber como o presidente e sua equipe pensam em destravar a burocracia, melhorar o ambiente de negócios ou fazer a economia crescer mais, de forma sustentada. Lula demonstra desconhecer essa realidade, e isso poderá lhe custar o apoio que esse novo trabalhador dará a quem facilite seus negócios.

Greve oportunista corrói prestígio das universidades federais

O Globo

Movimento em instituições já esvaziadas contribui para afastar ainda mais alunos e professores

No dia 15 de abril, professores de universidades federais, institutos e centros federais de educação tecnológica decidiram entrar em greve. No rol de reivindicações, estão reajuste salarial, reestruturação de carreira, recomposição orçamentária e pautas políticas, como a revogação da reforma do ensino médio.

Passadas duas semanas sem que governo e sindicatos tenham chegado a um acordo, parte das instituições permanece funcionando precariamente. A greve não tem adesão plena. Em alguns lugares, tanto professores quanto técnicos administrativos pararam. Noutros, somente técnicos ou somente professores. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma das maiores do país, docentes continuam dando aulas, enquanto servidores estão em greve. A situação se repete noutros lugares. Paralisações atingem pelo menos 52 universidades, 79 institutos federais e 14 instalações do Colégio Pedro II. A cada dia surgem novas adesões à greve.

Não é apenas a recomposição salarial que está em jogo na queda de braço entre docentes e governo. Há forte componente político. A greve dos professores tem sido incensada pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), um enclave do PSOL que disputa hegemonia na esquerda. Não é por acaso que a pauta de reivindicações inclui bandeiras políticas como a rejeição à reforma do ensino médio.

É incerto dizer quando as universidades voltarão à rotina. Professores e técnicos rejeitaram proposta apresentada pelo governo, que previa reajuste apenas em 2025. Está tudo praticamente na estaca zero. Certo é que os maiores prejudicados são os alunos, com quem os grevistas não estão nem um pouco preocupados. Não bastassem as perdas significativas durante a pandemia com as escolas fechadas, agora sofrem o baque da greve. No ensino médio, estudantes temem ficar em desvantagem no Enem. Nas universidades, a preocupação é atrasar a formatura e a entrada no mercado de trabalho.

As perdas não se restringem ao aprendizado. A greve atinge as universidades depois de um período de esvaziamento orçamentário. Algumas mal têm recursos para pagar as contas básicas. Como a greve afeta também setores administrativos, serviços oferecidos aos estudantes foram interrompidos. Há casos de universitários sem acesso ao bandejão que não têm dinheiro para comer fora do campus.

A greve oportunista, organizada por sindicatos mais preocupados em fazer política que em melhorar a qualidade do ensino, acaba se voltando contra os alunos, as universidades e os próprios professores, uma vez que contribui para esvaziar e desprestigiar as instituições ainda mais. Quem vai querer estudar em universidades que sistematicamente passam parte do ano paradas por greves sem razão de ser?

Alívio com o Fed não autoriza leniência aqui

Folha de S. Paulo

Declaração do banco central dos EUA dá mais otimismo aos mercados, mas imprudência com Orçamento mantém Brasil em risco

Mesmo representando hoje cerca de 20% do PIB mundial, os Estados Unidos continuam a ter influencia determinante no âmbito financeiro. Juros altos no país valorizam o dólar e fazem escassear fluxos de capital para outras economias, com consequências globais.

É o que tem ocorrido desde o início do ano, diante do acúmulo de evidências de que a economia americana permanece firme, com boa geração de emprego e renda —e, de outro lado, de que a inflação se mostra mais renitente em torno de 3% ao ano, acima da meta de 2% perseguida pelo Federal Reserve.

No primeiro trimestre, de fato, o núcleo do índice de preços ao consumidor (que exclui energia e alimentos) ficou acima da expectativa de analistas, na casa de 4% em termos anualizados.

A pressão não chega a interromper a tendência de desaceleração observada desde o começo de 2023, mas no mínimo coloca o Fed em compasso de espera.

Frustrou-se, assim, a expectativa de que haveria alívio iminente e substancial do custo do dinheiro no maior centro financeiro global. A taxa básica de juros se mantém em 5,25% ao ano, e os mercados apontam hoje para redução de apenas 0,5 ponto percentual em 2024, bem menos que a esperada há algumas semanas.

O resultado nos mercados financeiros é o fortalecimento da moeda americana, inclusive ante o real, e alta nos juros de longo prazo em outros países, fenômeno que também afeta o Brasil. Espera-se hoje que a taxa Selic caia para não menos que 10,5% anuais, cerca de 1 ponto percentual acima do que era esperado no início do ano.

Embora os mercados aqui também tenham reagido negativamente à decisão do governo petista de afrouxar suas metas fiscais para 2025 e 2026, não parece distante da realidade o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quando diz que dois terços do aumento das taxas e da desvalorização do real podem decorrer de fatores externos.

Ao menos houve certo alento na semana passada, quando o presidente do Fed, Jerome Powell, reforçou que vê como improváveis elevações adicionais dos juros.

Ao contrário, a autoridade monetária americana crê que o mais provável é que a inflação volte a mostrar tendência de queda para 2% nos próximos meses, o que abriria espaço para alguma suavização no torniquete financeiro do dólar antes do fim de 2024.

A conclusão para o Brasil é que não pode haver acomodação nem leniência com as contas públicas. Justamente por reconhecer que o país sofre influências do ciclo financeiro global, é necessário agir com prudência na gestão doméstica para evitar que tais riscos possam prejudicar o desempenho da economia e do emprego —coisa que o governo não tem feito.

SP sem manicômios

Folha de S. Paulo

Estado tarda a fechar instituições; agora tempo exíguo não pode afetar transição

O governo de São Paulo corre para cumprir a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de fevereiro de 2023, que exige a desativação dos hospitais de custódia do país —onde pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes e são inimputáveis ficam internadas.

É fundamental que o poder público realize essa tarefa com rigor técnico, para garantir a segurança de pacientes, seus familiares e da população. No entanto a gestão paulista vem encontrando dificuldades para cumprir o prazo, que já foi prorrogado pelo CNJ de maio para 28 de agosto.

O fechamento dessas instituições é medida correta, já que constituem patente violação da Lei Antimanicomial de 2001, e tão necessária quanto hercúlea.

São Paulo precisa desenvolver, em apenas três meses, planos individuais de tratamento para 925 pacientes ainda alocados em três hospitais de custódia do estado.

Segundo a Folha, grupos de até dez pacientes do hospital Franco da Rocha são levados à unidade de Taubaté para realizar perícia individual de periculosidade em apenas um dia. Há que cuidar para que essas avaliações sejam criteriosas.

Ademais, os ex-internos que viverão com suas família devem receber acompanhamento nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Contudo a contratação dos profissionais que cuidarão desses atendimentos ainda está em andamento.

Aqueles que não têm onde morar serão encaminhados às residências terapêuticas, de responsabilidade das prefeituras. Especialistas se preocupam com uma possível falta de vagas.

O acúmulo de trabalho em cima da hora em São Paulo não se justifica. A decisão do CNJ tem mais de um ano, e alguns estados já atendem esse público exclusivamente nos Caps, como faz Goiás há mais de uma década —com taxa de reincidência de somente 5%.

É descabido que o estado mais rico do país esteja tão atrasado nessa questão. Agora governos estadual e municipais devem se esforçar para que o tempo exíguo não prejudique a precisão técnica das perícias e a acomodação dos pacientes.

O perigoso cerco ao liberalismo

O Estado de S. Paulo

Direita articula ataques ao ‘Ocidente liberal’, enquanto esquerda se encanta pelo ‘eixo da revolta’ contra o Ocidente; mais do que nunca, os valores liberais precisam ser defendidos

Passado apenas um século da vaga totalitária que desafiou a democracia e o liberalismo e resultou na 2.ª Guerra Mundial, os valores que definem o Ocidente voltam a ser desafiados de maneira frontal.

Sob a liderança da China, formouse o chamado “eixo da revolta” contra os valores ocidentais. Esse agrupamento, que tem na Rússia, no Irã e na Coreia do Norte os principais associados, vem ganhando adeptos e simpatias ao redor do mundo, exatamente por desafiar um liderado pelos Estados status quo, Unidos e pela Europa, visto como intrinsecamente desigual e injusto.

O Brasil governado pelo PT é um dos países que expressaram admiração pelo “eixo da revolta”, seja por meio de uma política externa que dá razão a agressores quando o agredido é ocidental, seja pelo apreço demonstrado pela liderança do PT à “democracia efetiva” da China. O Irã, que por sua vez lidera o “eixo da resistência anti-imperialista”, integrado por um seleto grupo de entidades terroristas do Oriente Médio, foi calorosamente aceito no Brics, o bloco dominado pela China, do qual o Brasil faz parte. Toda essa miscelânea de ressentidos com o Ocidente, numa reedição do Terceiro Mundo dos tempos da guerra fria, ganhou o nome fantasia de “Sul Global”.

Enquanto isso, a extrema direita também se organiza de maneira global contra os valores ocidentais. Na mais recente Conferência de Ação Política Conservadora – Cpac, principal palco de líderes e formuladores do ultraconservadorismo –, realizada na Hungria, novos ataques foram disparados contra os alvos preferenciais dessa turma: a imprensa, o Judiciário, os imigrantes, os intelectuais, as minorias em geral e, sobretudo, o “Ocidente liberal”. O ex-presidente americano Donald Trump, líder inconteste dos reacionários, mandou um vídeo no qual parabeniza os “patriotas húngaros” que estão “na vanguarda da batalha para resgatar a civilização ocidental”.

A “civilização ocidental” nomeada por Trump inclui herdeiros do franquismo espanhol, argentinos devotos da motosserra de Javier Milei, os Bolsonaros e os representantes de partidos xenófobos da Itália, Polônia, França e Alemanha, todos em concertação articulada para disputar eleições. Para o anfitrião, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, vencer as eleições significará “colocar fim à inglória era que o Ocidente atravessa”. Ou seja, a vitória eleitoral é vista como uma espécie de chancela para o projeto de destruição da mesma democracia que a ensejou.

Essa destruição se dá por meio da desmoralização dos valores mais caros à democracia, como, por exemplo, a liberdade de expressão, meramente utilitária para essa gente saudosa de ferozes ditaduras. Na prática, eles defendem não o Ocidente como berço da democracia liberal, da emancipação do indivíduo e dos direitos humanos, acima de nacionalidades, credos e fronteiras, e sim um “Ocidente” ultranacionalista, anti-iluminista e fundamentalista – e não há nada menos democrático e liberal do que isso.

Como quase todo problema visto com olhos teocráticos, sua solução passa por um “messias”. Trump seria o salvador do Ocidente, assim como Orbán enxerga a Hungria como “uma ilha que desafia” os progressistas europeus, e Bolsonaro se via como um “messias” que salvaria o Brasil de um sistema carcomido pela política tradicional, pelo esquerdismo e pelo “globalismo”. Para cada um dos extremistas presentes no Cpac, seus líderes livrarão o Ocidente da “era inglória” do liberalismo. Esses iliberais na verdade querem o “Ocidente” que enfrentou os infiéis nas Cruzadas, isto é, aquele que precedeu o iluminismo e as grandes revoluções políticas que forjaram a ideia democrática contemporânea.

Assim como no século passado o nazi-fascismo e o stalinismo tinham como meta implodir a democracia liberal como ideia, o “eixo da revolta” e os direitistas “iliberais” de hoje lutam para desacreditar o Ocidente democrático e cosmopolita. Os valores liberais sobreviveram às guerras do século 20, ao custo de milhões de mortos, mas, como se vê, o risco de que venham a perecer está longe de ter desaparecido.

Novos tempos nas Forças Armadas

O Estado de S. Paulo

‘Aval’ do Exército à volta da Comissão de Mortos e Desaparecidos era desnecessário, mas simboliza uma bem-vinda mudança de compreensão da caserna sobre o digno propósito desse colegiado

Oficiais da cúpula do Exército, apurou o Estadão, deram “aval” para a reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Essa anuência dos militares era desnecessária do ponto de vista formal, mas não deixa de ser simbólica neste momento do País, haja vista que o aceno reflete uma bem-vinda mudança da compreensão das Forças Armadas – do Exército, em particular – sobre o real propósito civilizatório dessa comissão.

A CEMDP foi extinta nos estertores do governo de Jair Bolsonaro por puro rancor, bolor ideológico e negacionismo histórico – como seria de esperar de um admirador confesso da ditadura militar e de alguns de seus agentes mais cruéis. Sua reinstalação deveria ter sido um dos primeiros atos do presidente Lula da Silva. Mas veio o infame 8 de Janeiro, cujas investigações, até o momento, apontam para o envolvimento direto e indireto de fardados na intentona. Isso abriu uma crise entre as Forças Armadas e Lula, na condição de seu novo comandante supremo.

A pretexto de conter a escalada das tensões com os militares, de resto um receio descabido à luz das prerrogativas que a Constituição lhe atribui, Lula tem resistido a reinstalar a CEMDP. O presidente tem ignorado olimpicamente os pareceres dos Ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos, favoráveis à medida, e preferido seguir o aconselhamento dos que advogam pelo “apaziguamento” da relação entre o Palácio do Planalto e as Forças Armadas. É preciso deixar claro: a paz entre Lula e os militares, cuja relação é definida nos termos da Lei Maior, não está nem nunca esteve a perigo pela existência da CEMDP.

A preocupação com os humores da caserna jamais teve razão de existir pelo simples fato de que a CEMDP não se presta ao revanchismo nem tampouco à responsabilização individual de quem quer que seja, militar ou civil. Trata-se apenas de uma comissão destinada a apurar e reconhecer o básico: a responsabilidade do Estado, não de indivíduos, pela vida e a integridade física dos que estiveram sob sua custódia durante um dos períodos mais sombrios da história do País.

Segundo oficiais de alta patente ouvidos pela reportagem deste jornal, todas as famílias têm o direito de saber o que aconteceu com parentes e amigos desaparecidos durante aqueles chamados anos de chumbo. É de reconhecimento, informação transparente e conforto emocional que se está tratando, não de punições ou reescrita da História. Aliás, foi exatamente com este propósito republicano que a CEMDP foi criada em 1995 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso – e com esse mesmo espírito deve se dar a sua reinstalação por Lula da Silva.

O aval dos militares contrasta com o mal-estar gerado nos quartéis com a criação da Comissão Nacional da Verdade, em 2012, pela então presidente Dilma Rousseff. Mal-estar, diga-se, que não tinha razão de ser, uma vez que a Comissão da Verdade não se prestava a nenhuma forma de revanchismo. Alguns militares, no entanto, murmuravam descontentamento com o fato de que integrantes das Forças Armadas teriam de dar explicações sobre a repressão durante a ditadura, o que consideravam intolerável, ainda mais porque Dilma era, ela mesma, uma exguerrilheira. Não é exagero enxergar nesse episódio uma das sementes do bolsonarismo.

Mas os tempos, felizmente, são outros. O atual comando militar parece genuinamente interessado em despolitizar os quartéis e restabelecer o caráter institucional das Forças Armadas, vacinando-se contra o golpismo bolsonarista.

Talvez a força dos fatos e a passagem do tempo revelem ser impossível reunir todas as evidências de que o Estado brasileiro falhou com muitos de seus cidadãos durante a ditadura militar. Mas é preciso empreender o máximo de esforços para que esse reconhecimento seja, enfim, alcançado. Os representantes do Estado hoje precisam olhar nos olhos do passado com maturidade, coragem e espírito público, pois só assim darão à sociedade civil as informações de que ela precisa para que todos tenham um futuro mais pacífico.

Confiança é o cerne do problema

O Estado de S. Paulo

Moody’s se importa menos com as metas e mais com o compromisso fiscal do governo

A mudança de parâmetro para as metas fiscais de 2025 e 2026 – alteração que deve ocorrer também na meta deste ano – é o que menos preocupa na aferição de risco do Brasil, como reforçou a vice-presidente da Moody’s, Samar Maziad, em entrevista ao Estadão/Broadcast. O foco de atenção dos avaliadores está, na verdade, no compromisso real do governo com o arcabouço fiscal como instrumento de controle do endividamento, o que vai além da calibragem das metas na programação orçamentária.

As reformas estruturais e o bom – e surpreendente, como avaliou a executiva – desempenho da economia brasileira nos últimos dois anos foram um dos motivadores da revisão da perspectiva, de estável para positiva, na classificação da Moody’s sobre o Brasil. Ou seja, a Moody’s indicou que aposta na melhora do endividamento brasileiro a médio prazo, mas não a ponto de elevar desde já a nota do País, que permanece dois degraus abaixo do grau de investimento, reservado a países considerados bons pagadores.

Antes de comemorar a primeira boa-nova de uma classificadora de risco desde 2018, o governo Lula da Silva deveria se concentrar no exame minucioso das ressalvas feitas pela Moody’s e endossadas na entrevista de Maziad ao Estadão. O governo reduziu as metas fiscais de 2025 (de superávit de 0,5% para zero) e 2026 (de superávit de 1% para 0,25%), o que foi decerto um sinal ruim – mas, ainda assim, só um sinal. “O que importa são a direção e a atitude”, declarou a executiva.

Esse é o ponto central que convém ao governo observar – mais o Palácio do Planalto do que o Ministério da Fazenda, vale ressaltar. Além do ruído desencadeado pela redução das metas fiscais, o que cerca de dúvidas o compromisso do governo Lula da Silva na estabilidade são os movimentos orquestrados entre Executivo e Congresso.

Um exemplo foi a aprovação recente, pela Câmara, de um dispositivo que permite ao governo liberar despesa extra de R$ 15,7 bilhões este ano. O projeto, que ainda terá de passar pelo Senado, é resultado de acordos de bastidores para ampliar de imediato os gastos de 2024, um ano de eleições municipais. Cada jogada para driblar as regras fiscais e cada declaração de Lula a favor da gastança minam mais a credibilidade no compromisso com o arcabouço. A discrepância entre as previsões oficiais e as de mercado é um sintoma dessa desconfiança.

Samar Maziad afirmou que a própria Moody’s não partilhava da confiança no déficit zero este ano e em superávit em 2025. Na avaliação da agência, o resultado esperado para os dois anos já era de déficit, com gradação menor em 2025. Mesmo assim, bons resultados econômicos apontaram para a melhora do perfil de crédito, segundo ela o fator-chave para a melhor perspectiva chancelada pela agência.

Trata-se de um voto de confiança tênue, que se dissipará se a elevação de gastos deixar de ser apenas um sinal. Afinal, a maior deficiência do arcabouço é a dependência excessiva de receita, que tem se revelado aquém do esperado, e a principal falha da gestão Lula é o apreço às despesas. Sem estabilidade fiscal, a desconfiança permanecerá.

Prevenir é melhor do que remediar

Correio Braziliense

Acontecimentos climáticos extremos ocorrem de forma mais ou menos aleatória, mas são previsíveis estatisticamente. Esse raciocínio serve para elaboração de planos de prevenção de desastres naturais e para evacuação de populações em risco

As catástrofes climáticas em todo o mundo são cada vez mais frequentes e intensas. Cientificamente, está provado que o aquecimento global já mudou o clima. Esses acontecimentos extremos ocorrem de forma mais ou menos aleatória, mas são previsíveis estatisticamente. Ou seja, é possível saber o grau de probabilidade com que vão ocorrer, embora nem sempre seja possível detectar sua localização com maior antecedência. Uma simples comparação facilita o raciocínio: quando se ouve uma playlist aleatoriamente, não se sabe qual, mas uma música será executada, às vezes até repetida.

Esse raciocínio serve para elaboração de planos de prevenção de desastres naturais, como obras de macrodrenagem, e de contingenciamento de defesa civil, para evacuação de populações em situação de risco e socorro imediato às vítimas. Por exemplo, desde ontem sabia-se que o Rio Guaíba transbordaria em Porto Alegre e que o sistema de diques, comportas e bombas da cidade, construído depois da grande enchente de 1941, não daria conta de impedir a inundação de grande parte da cidade, sobretudo o centro histórico, que ocorre desde ontem.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se deu conta da gravidade do problema, pelas medidas tomadas após visitar o Rio Grande do Sul. Ontem, voltou a se solidarizar com as vítimas ao receber a visita oficial do primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida. Por sinal, o Japão é um país que lida com desastres naturais com o maior planejamento possível por, entre outros fatores, a recorrência de furacões, terremotos e até tsunamis.

"As primeiras palavras do ministro Kishida na reunião que fizemos foi de solidariedade ao povo do estado do Rio Grande do Sul, que está sendo vítima de uma das maiores enchentes de que nós temos conhecimento. Nunca na história do Brasil tinha havido uma quantidade de chuva tão grande em um único local", disse Lula. Até ontem, 235 dos 496 municípios do estado haviam sido atingidos de alguma forma.

A capital gaúcha entrou em colapso. As pontes sobre o Guaíba foram interditadas, o sistema de macrodrenagem não deu conta de conter as águas, principalmente na maré cheia, quando o mar invade o rio em vez escoá-lo. O rio superou a marca de 4,5m, sobe em média de 8cm por hora e, segundo previsões das autoridades, ultrapassará os 5m, um recorde histórico. Os prejuízos por causa da chuva deverão ser superiores a R$ 100 milhões.

Em todo o Brasil, quando ocorre uma enchente de grandes proporções, a vulnerabilidade das moradias é desnudada, principalmente nos bairros pobres. Ao monitorar 872 municípios — são 5.570 nos 26 estados —, o IBGE identificou cerca de 8,3 milhões de pessoas que vivem em áreas de risco. O caso mais grave é o de Salvador, com 45,5% da população em locais com maior propensão a desastres.

Em 2010, o IBGE lançou um relatório específico sobre áreas de risco, em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). O levantamento aplicou uma metodologia própria para definir áreas de riscos de movimentos de massa, inundações e enxurradas e identificou 8.270.127 pessoas vivendo nesses locais, em 2.471.349 domicílios particulares permanentes. Cerca de 17,8% desse montante era formado por crianças de até 5 anos (9,2%) ou idosos com 60 anos ou mais (8,5%), mais vulneráveis a desastres. O Sudeste foi a região com mais cidades listadas (308), seguida do Nordeste (294), Sul (144), Norte (107) e Centro-Oeste (19). Ou seja, Porto Alegre e outras cidades gaúchas não estavam entre as mais vulneráveis.

 

 

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