Protestos nos EUA revelam inépcia das universidades
O Globo
Instituições se mostram incapazes de combater
antissemitismo e de proteger direito dos alunos à manifestação
A onda de protestos contra Israel que tomou
conta das universidades americanas revela a incapacidade dessas instituições
para lidar com o conflito entre dois valores essenciais ao mundo acadêmico: a
proteção às minorias e a liberdade de expressão. Manifestações e acampamentos
pró-Palestina têm sido alvo de ações policiais que já resultaram em mais de 2
mil prisões. A repressão se espalhou de Nova York a Los Angeles, de Portland a
Nova Orleans, a ponto de o presidente Joe Biden,
alvo dos manifestantes pelo apoio a Israel depois dos ataques do grupo
terrorista Hamas, afirmar que os americanos têm “direito de protestar, mas não
a causar o caos”.
É importante lembrar que, nos Estados Unidos, vigoram leis mais elásticas sobre liberdade de expressão que nos países europeus ou no Brasil. Lá, manifestações de racismo, nazismo ou antissemitismo são legais, desde que não representem ameaça imediata de dano físico e que não se dirijam contra alvos específicos. Mas diversas manifestações ultrapassaram até esse limite, com invasão de prédios e acampamentos, em violação das normas universitárias, distúrbios à circulação e à ordem. “Destruir propriedade não é protesto pacífico. É contra a lei”, disse Biden. “Vandalismo, invasão, quebrar janelas, fechar o campus e forçar o cancelamento de aulas e cerimônias de graduação, nada disso é protesto pacífico. Ameaçar, intimidar, instilar medo não é protesto pacífico. É contra a lei. Dissenso é essencial à democracia, mas dissenso não pode levar à desordem.”
Parte dos protestos foi infiltrada por
militantes interessados em fazer pressão política. É estarrecedor, nesse
contexto, o avanço do antissemitismo, disfarçado de antissionismo. Organizações
judaicas contaram 1.400 incidentes antissemitas em universidades desde os
ataques de 7 de outubro até 26 de abril (700% acima de 2023). Uma pesquisa
constatou que, depois dos atentados, 73% dos universitários judeus sofreram ou
testemunharam antissemitismo. Na Universidade Columbia, um dos focos dos
protestos, alunos judeus foram cercados, outros assediados como alvos do Hamas
ou ainda enxotados aos gritos de “voltem para a Polônia”. É intolerável e
vergonhoso.
Por óbvio, não se pode atribuir caráter
antissemita a protestos legítimos contra a ação de Israel em Gaza. O direito à
livre manifestação precisa ser respeitado na maior extensão possível. Mas isso
não inclui perseguir alunos judeus ou intimidá-los (eles não se confundem com o
Estado de Israel). Desde o início está patente a dificuldade das universidades
com o tema. No Congresso, as reitoras das universidades Harvard e da
Pensilvânia foram incapazes de responder até se incitar o genocídio de judeus
violava regras universitárias. A resposta ambígua delas contradizia a
vigilância para proteger outros grupos marginalizados. Desde o depoimento,
instituições acadêmicas estão às voltas com questionamento sobre combate ao
antissemitismo, em particular de seus mantenedores.
A reação foi errática. Em Columbia, a reitora
aceitou negociar com congressistas termos disciplinares sobre professores
considerados antissemitas e chamou a polícia ao campus para reprimir os
protestos. Com isso, nem protegeu os alunos perseguidos nem garantiu a
liberdade de expressão. As universidades demonstram ser incapazes de combater o
antissemitismo e são ineptas para preservar o direito à manifestação de seus
alunos nos limites da lei.
Revisão da atuação do MP não deve enfraquecer
combate à corrupção
O Globo
Fiscalização pelo Judiciário é saudável para
evitar abusos, mas não pode dificultar investigações
Fortalecido pela Constituição de 1988, o
Ministério Público (MP) ganhou independência dos Poderes da República e passou
a desempenhar papel fundamental na investigação de casos de corrupção. Foi
decisivo seu papel na Operação Lava-Jato, que desmascarou um esquema bilionário
de desvio de dinheiro público da Petrobras. Como resultado dos erros cometidos
por procuradores nessas investigações, porém, houve um recuo nas operações
dessa natureza. E a Justiça vem
há algum tempo revendo os espaços de atuação do MP, de modo a criar uma
disciplina mais eficaz para sua relação com o Judiciário.
O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu
nesta semana o julgamento de um conjunto de ações com esse objetivo. Validou o
poder de investigação dos procuradores, mas lhes impôs limites, como a
equiparação com os prazos previstos em inquéritos policiais. Também determinou
que a prorrogação das investigações do MP precisará de autorização judicial.
“Como não há lei sobre isso, a fiscalização pelo Judiciário é saudável”, diz o
procurador Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção. Mesmo
que alguns procuradores possam considerar que houve restrição à liberdade de
investigar, Livianu afirma que “não é bem assim”.
O presidente do STF, ministro Luís Roberto
Barroso, saudou a decisão da Corte por preservar a autonomia do MP —
garantida pela Constituição — e também o controle judicial. A tese vitoriosa
nas discussões no STF é que o MP tem de imediatamente informar ao juiz assim
que abrir ou encerrar um Procedimento Investigatório Criminal (PIC). E ficam
“vedadas renovações desproporcionais ou imotivadas”.
Espera-se que agora se coíbam abusos como os
constatados na Lava-Jato. O ministro Gilmar Mendes, um dos maiores críticos dos
excessos da operação, afirmou no julgamento que o objetivo da Corte é acabar
com o “ciclo de prorrogações eternas”. “Nós mesmos tivemos, nos inquéritos
criminais, casos de 12 anos de investigações”, afirmou. Não há dúvida de que
acabar com a lentidão na tramitação de investigações e dos processos na Justiça
é uma intenção louvável.
As novas regras impostas ao MP têm suscitado
críticas de quem considera que elas dificultam a investigação de desvios do
dinheiro público. Mas essa não precisa necessariamente ser a realidade. A
Operação Lava-Jato expôs a necessidade de uma disciplina mais rígida na
condução das investigações. Agora, com maior envolvimento da Justiça nas ações
do MP, abre-se uma oportunidade para demonstrar que o recuo da Lava-Jato não
significou o enfraquecimento do combate à corrupção.
Crise do Rio se deve a má gestão, não a
dívida
Folha de S. Paulo
Governador pressiona STF a suspender
pagamento à União com ameaça a salários; de socorro em socorro, estado adia
reforma
Com argumentos mais que duvidosos, o governo
do Rio de
Janeiro apelou ao Supremo Tribunal Federal para que
sejam suspensos os pagamentos da dívida do estado com a União até
que a administração federal renegocie seus termos.
O governador fluminense, Cláudio
Castro (PL), quer dar "fim
aos desmandos e à conduta abusiva da União Federal". A dívida seria
"impagável" por causa de "taxas leoninas", entre outras
cobranças indevidas, como se lê no texto da ação.
Castro alardeia que pode deixar de pagar
salários e fornecedores em 2026 caso seu pleito não seja atendido. Recorde-se
que, entre 2015 e 2017, o governo do Rio deu calotes do tipo por meses.
O mandatário, na prática, chantageia o
governo e o Supremo com a ameaça de nova baderna, que poderia respingar na
imagem de autoridades federais.
Das situações
teratológicas de irresponsabilidade fiscal nos estados, a do Rio é
das mais aberrantes, ao lado das de Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Entre 2011 e 2017, a despesa fluminense com
pessoal teve elevação real de cerca de 100%, ante média nacional de 31,6%,
segundo boletim estatístico elaborado pelo Ministério da
Fazenda. Ao final desse período, a rubrica chegava a 72,5% da
receita corrente líquida.
Houve aumento de gastos permanentes nos anos
de alta excepcional de arrecadação de impostos e direitos relativos ao petróleo.
Com a recessão e a queda do preço da commodity, houve crise tão aguda como
previsível.
O peso do funcionalismo chegou a baixar após
o pico, mas voltou ao perigoso patamar de 60% da receita no ano passado. A fim
de cobrir o déficit previdenciário, o Rio gastava 22% de sua receita em 2022,
mais do que qualquer outro estado.
No final dos anos 1990, a União assumira as
dívidas impagáveis dos estados, numa renegociação vantajosa para estes, em
troca de pagamentos parcelados por décadas.
Com o início da recessão de 2014-16, o
conluio de governo federal, Congresso e governadores resultou em novos perdões
de dívida, que ocorreriam até 2017. Mesmo assim, o Rio continuou quebrado.
Aderiu naquele ano ao Regime de Recuperação Fiscal, que outra vez refinanciou o
estado em troca de um plano de acerto das contas públicas. Sem resultado, é
evidente.
O serviço da dívida equivalia a meros 3% da
receita fluminense no ano passado, um dos menores níveis do país; de 2020 a
2022, ficou entre 1% e 1,6%.
Não está aí a causa do desastre financeiro
recorrente do estado. Sem reforma profunda, renegada faz mais de 25 anos, não
haverá solução. O perdão contumaz dos irresponsáveis, porém, alimenta a ideia
de que o crime fiscal compensa.
Clima trágico
Folha de S. Paulo
Dor dos gaúchos expõe urgência de políticas
de adaptação ao aquecimento global
Um novo tormento se abate sobre o Rio Grande
do Sul, com volumes inauditos de precipitação. Em dois dias, choveu mais que o
triplo da média para o mês de maio. A frequência dos desastres meteorológicos
exige de autoridades uma guinada na maneira de enfrentá-los.
Trata-se do quinto flagelo climático a
assolar os gaúchos em menos de um ano. Em junho de 2023, um ciclone varreu o
estado; de julho a dezembro, tempestades afetaram a vida de milhões de pessoas.
A gestão estadual agora volta a declarar
calamidade pública. Até a manhã desta sexta-feira (3), 351,6 mil pessoas e 235
municípios haviam sido afetados. Ao final da
tarde, contavam-se 39 mortos.
É fundamental o apoio do governo federal, que
já anunciou
envio de cem agentes da Força Nacional e 31 veículos de
transporte.
Mas, dada a dimensão da tragédia, que deixou
milhares sem casas e meios de subsistência, além da perda de entes queridos,
toda ação parece insuficiente para aplacar tamanho sofrimento.
Parece claro que há algo anormal em curso e
que o aquecimento global está na raiz. Ainda que eventos extremos possam
decorrer da variação natural do clima, tal se afigura cada vez mais improvável.
O poder público precisa, portanto, se
preparar para os piores cenários. Nada do que ora acontece deixou de ser
previsto pela ciência.
Permanece urgente mitigar o aquecimento
global cortando
emissões de gases de efeito estufa de forma mais drástica e
decidida do que se fez até agora —mas, em realidade, elas seguem em alta no
mundo.
Já no curto e médio prazo, a adaptação
à mudança
climática já deveria ser prioridade de gestores.
Governo federal, estados e municípios
precisam criar planos de ação integrada para mitigar os efeitos do aquecimento
e as fatalidades dos eventos gerados —em setores como legislação florestal, já
que áreas verdes são essenciais para conter enchentes, e saneamento básico,
vexatório no Brasil.
Se no âmbito global há entraves para reduzir e cortar as emissões de carbono, autoridades locais precisam se precaver para que eventos extremos ao menos não se tornem eventos catastróficos.
A Saúde como vergonhosa moeda de troca
O Estado de S. Paulo
A desorganizada liberação de emendas com
dinheiro do Ministério da Saúde escancara a incapacidade do governo de dialogar
com o Congresso fora da lógica do toma lá dá cá
Se ainda era possível notar algum suspiro de
articulação política do governo para fazer valer sua agenda no Congresso, agora
não resta dúvida: está confirmada sua escandalosa incapacidade de lidar com
parlamentares sem que precise lançar mão da farta distribuição de verbas do
Orçamento. É o que se conclui da velocidade e do volume da destinação de
recursos não obrigatórios do Ministério da Saúde para atender congressistas.
Conforme mostrou o Estadão, dos R$ 21 bilhões em recursos não obrigatórios
liberados neste ano, nada menos que R$ 12,8 bilhões se destinaram a emendas
individuais (indicadas por deputados e senadores) e emendas de bancada
(indicadas pelo conjunto de parlamentares de cada Estado). Não se trata, porém,
da única conclusão diante da fartura. Esse valetudo – ainda que não seja ilegal
nem surpreendente – se mostra politicamente questionável e moralmente duvidoso,
além de ser inaceitável numa área repleta de carências impostas a quem precisa
do Estado para cuidar da saúde.
Responsável pela articulação política do
governo e, como tal, liberador-oficial de emendas parlamentares, o ministro das
Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ainda se gabou do triunfo
orçamentário, como sinal de compromisso com o Congresso: “Estamos fechando o
dia de hoje, 30 de abril, com um recorde de publicação de empenhos de emendas
parlamentares. Ultrapassamos R$ 14 bilhões. (...) O Ministério da Saúde foi o
campeão nesse empenho”, disse o ministro, em referência ao fatídico dia em que
quase R$ 5 bilhões foram liberados, feito que ajudou a alcançar o mencionado
recorde. Resta refletir os termos, o custo e as consequências desse
compromisso. Longe de configurar a eficiência de gestão de que se jactou
Padilha, tratou-se de um flagrante agrado a parlamentares queixosos que, sob a
liderança do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), haviam emparedado o
governo.
Padilha, o Ministério da Saúde e a ministra
Nísia Trindade têm estado no epicentro da crise de relacionamento entre o
Congresso e o governo. Deflagrou-se um tiroteio contra Nísia, motivado menos
pela preocupação com a saúde pública e muito mais pelo represamento de verbas
parlamentares atreladas aos recursos da pasta. Apesar dos vícios de origem, os
ataques ajudaram a descortinar malfeitos, entre os quais problemas na gestão
dos hospitais federais no Rio de Janeiro, deficiências no enfrentamento da dengue
e inépcia diante da emergência sanitária do povo yanomami. A chantagem
explícita já surtira algum efeito: como também revelou o Estadão em abril, R$
8,2 bilhões foram repassados a Estados e municípios em 2023 fora dos controles
republicanos. São recursos que seguem direto do caixa da União para prefeituras
e governos estaduais, sem muito controle externo. Mais grave: alguns entes
agraciados com repasses milionários não tinham sequer capacidade material para
dispor de tanto dinheiro, enquanto outros ficaram sem recursos, evidência de
que critérios técnicos foram substituídos pela conveniência política.
Nada haveria de errado, nos repasses de 2023
ou na distribuição de recursos deste ano, se o dinheiro tivesse chegado aos
seus destinos para viabilizar projetos bem planejados e implementados. Também
seria legítimo se o manejo do Orçamento federal se desse com base em genuíno
diálogo político entre Executivo e Legislativo, no respeito às relações
federativas e, sobretudo, se fosse controlado, executado e fiscalizado de forma
técnica e transparente. Não é o caso.
Não se ignora aqui que boa parte dos
problemas que regem as relações entre o Executivo e o Legislativo é anterior ao
atual governo. Lula precisa lidar tanto com uma base parlamentar frágil como
também com as prerrogativas de congressistas sobre o Orçamento, que tornam
refém qualquer presidente da República. Negociar apoio, nessas condições,
requer um esforço que vai além do convencimento sobre boas políticas. O
problema é de outra ordem: é a liberação desorganizada, sem critérios e nada
transparente, das emendas parlamentares, o mau uso de uma área sensível para
obter dividendos políticos e o indefensável toma lá dá cá à custa da saúde da
população. Nenhum governo pode se gabar disso.
STF não é bedel do jornalismo profissional
O Estado de S. Paulo
Ao lidar com um caso de mau jornalismo
praticado por um jornal de PE, a Corte não deveria ter fixado tese de
repercussão geral. Tendo feito isso, que ao menos seja mais objetiva
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Edson Fachin recebeu em audiência, no dia 29 passado, representantes das
principais associações de jornalistas e veículos da imprensa profissional do
País. O encontro foi para tratar dos embargos de declaração, ora sob a
relatoria de Fachin, interpostos por essas associações num processo movido
originalmente contra o Diário de Pernambuco que culminou na responsabilização
civil de jornais, revistas, emissoras de rádio e canais de TV, entre outros
veículos, pelo que é dito por seus entrevistados – notadamente por eventuais
mentiras ou acusações falsas que profiram contra terceiros.
Convém relembrar o caso. Em 1995, o Diário de
Pernambuco publicou uma entrevista do delegado Wandenkolk Wanderley na qual o
policial acusara o ex-deputado Ricardo Zarattini Filho (PT) de ter participado
do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, em 1966. Zarattini
Filho, falecido em 2017, processou o jornal à época sustentando que a acusação
que lhe fora imputada era “sabidamente falsa”. Ademais, alegou que o jornal não
lhe dera o devido espaço para resposta.
O pleito do ex-deputado petista foi negado na primeira instância, mas o processo chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em Brasília, Zarattini Filho obteve êxito. E foi precisamente contra essa decisão do STJ que o Diário de Pernambuco recorreu ao Supremo, sob o argumento de que a punição que sofrera pela injusta acusação feita por Wandenkolk representava “cerceamento da liberdade de imprensa”.
No caso particular do Diário de Pernambuco, a
acusação veiculada contra Zarattini Filho era mesmo sabidamente falsa.
Estava-se diante, portanto, de mau jornalismo. Mas o Supremo não se restringiu
a analisar apenas a conduta do veículo pernambucano. A Corte fixou uma tese com
repercussão geral, arvorando-se, desse modo, em espécie de bedel do jornalismo
profissional. Eis o problema.
A tese fixada pelo STF é vaga demais. Por
maioria, os ministros da Corte asseveraram que uma empresa jornalística é
passível de punição civil se restar comprovado que, “na época da divulgação da
entrevista, já se sabia, por indícios concretos, que a acusação
(feita pelo entrevistado) era falsa e a
empresa não cumpriu o dever de cuidado de verificar a veracidade dos fatos e de
divulgar que a acusação era controvertida”. Tal como vai escrita, a tese, de
fato, abriu um perigosíssimo espaço para o cerceamento da liberdade de imprensa
no País. E não porque o STF seja hostil à liberdade de imprensa – de resto, um
pilar democrático protegido pela Constituição de 1988 como cláusula pétrea –,
mas porque a tese é mesmo obscura.
Nesse sentido, é plenamente justificável a
premência desse encontro, solicitado pelas associações jornalísticas, com o
ministro Fachin – ao final do qual também foram recebidas pelo ministro
presidente do STF, Luís Roberto Barroso. Quanto antes as omissões, obscuridades
e contradições da tese forem esclarecidas, tanto menor será o espaço para uma
interpretação enviesada que possa, eventualmente, comprometer a livre atuação
dos veículos jornalísticos no País. Ocioso dizer o quanto a sociedade sai
perdendo com uma imprensa acanhada por um justo receio de vir a sofrer punições
por conta dessa falta de clareza do STF.
Afinal, o que são “indícios concretos”? Como
apurar a “veracidade dos fatos” no caso de acusações feitas por um entrevistado
que ainda nem sequer se tornaram objetos de investigação? Como realizar uma
apuração desse nível durante entrevistas ao vivo? São questões urgentes que já
levantamos neste espaço (ver O STF e a imprensa responsável, 1/12/2023), cujas
respostas vão definir se a imprensa haverá de seguir plenamente livre como
assegura a ordem constitucional vigente.
Como se vê, não é nem um pouco trivial o que
está em jogo na análise desses embargos declaratórios. Não por acaso, esse
recurso mobilizou não uma ou outra associação, mas praticamente todas as
entidades de representação do jornalismo profissional no Brasil.
Hora de cautela
O Estado de S. Paulo
Emprego aquecido, riscos fiscais e incertezas
nos Estados Unidos exigem firmeza na política monetária
O momento econômico brasileiro exige cautela
monetária. Dados recentes divulgados por órgãos oficiais mostram o aquecimento
do mercado de trabalho, com expectativas positivas para o consumo e riscos de
pressão inflacionária. Trazer o índice de preços à meta ganha contornos mais
difíceis, o que implica firmeza do Banco Central (BC) e prudência do governo
Lula da Silva.
O Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, registrou um saldo
positivo de 244.315 vagas formais, com carteira assinada, em março. Pesquisa do
Projeções Broadcast com analistas do mercado financeiro estimava 190 mil.
O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), por sua vez, trouxe, conforme a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), uma taxa de desemprego de 7,9% em março.
Embora tenha registrado três meses de alta – em fevereiro, a taxa ficou em 7,8%
–, trata-se do menor indicador para o mês de março em dez anos. O mercado
esperava 8,1%.
Os números surpreenderam. Evidentemente,
quanto mais empregados e menos desocupados, melhor para o Brasil. Os dados, no
entanto, não sugerem afrouxamento das rédeas em um cenário de perene
instabilidade interna e sinais externos desafiadores.
A decisão do Federal Reserve (Fed), o Banco
Central norte-americano, de manter as taxas de juros entre 5,25% e 5,5% para
levar a inflação à meta de 2% põe o BC brasileiro em alerta. Com juros altos
por lá, o Brasil se torna menos atrativo e, por aqui, haverá pressão sobre o
dólar, o que impacta os preços.
Confirmada a decisão do Fed, agora os
holofotes se voltam ao Comitê de Política Monetária (Copom), que se reunirá na
próxima quarta-feira, dia 8. Esperase uma nova redução da Selic na magnitude de
0,5 ponto percentual, o que deve levar a taxa básica de juros dos atuais 10,75%
ao ano para 10,25% ao ano.
O BC tem uma árdua tarefa pela frente. A
inflação oficial fechou março em 3,93%, no acumulado de 12 meses. Apesar de
estar dentro da banda, de 1,5% a 4,5% para 2024 – com o centro da meta de 3% –,
o índice está mais perto do teto. Para as reuniões futuras do Copom, aguarda-se
mais comedimento.
A decisão da agência de risco Moody’s de
elevar a perspectiva da nota de crédito do Brasil de “estável” para “positiva”
redobra a atenção. Rapidamente, o governo comemorou. O presidente Lula da Silva
afirmou que o Brasil “voltou a ter credibilidade”, o que não é verdade. O País
ainda se encontra no nível especulativo, muito distante do grau de
investimento.
Há poucos dias, Lula da Silva, em um jogo de palavras capcioso, disse que não queria criticar a taxa de juros, mas criticou porque, como disse, “está difícil”. O presidente ataca Roberto Campos Neto, mas ignora que quatro dos nove integrantes do Copom foram por ele indicados. Até agora, as decisões do colegiado têm sido unânimes. Isso mostra que cabe a Lula deixar o BC trabalhar. Da política fiscal, cobra-se responsabilidade de seu governo. Mas aí talvez seja pedir demais.
Prevenir é melhor do que remediar
Correio Braziliense
Acontecimentos climáticos extremos ocorrem de
forma mais ou menos aleatória, mas são previsíveis estatisticamente. Esse
raciocínio serve para elaboração de planos de prevenção de desastres naturais e
para evacuação de populações em risco
As catástrofes climáticas em todo o mundo são
cada vez mais frequentes e intensas. Cientificamente, está provado que o
aquecimento global já mudou o clima. Esses acontecimentos extremos ocorrem de
forma mais ou menos aleatória, mas são previsíveis estatisticamente. Ou seja, é
possível saber o grau de probabilidade com que vão ocorrer, embora nem sempre
seja possível detectar sua localização com maior antecedência. Uma simples
comparação facilita o raciocínio: quando se ouve uma playlist aleatoriamente, não
se sabe qual, mas uma música será executada, às vezes até repetida.
Esse raciocínio serve para elaboração de
planos de prevenção de desastres naturais, como obras de macrodrenagem, e de
contingenciamento de defesa civil, para evacuação de populações em situação de
risco e socorro imediato às vítimas. Por exemplo, desde ontem sabia-se que o
Rio Guaíba transbordaria em Porto Alegre e que o sistema de diques, comportas e
bombas da cidade, construído depois da grande enchente de 1941, não daria conta
de impedir a inundação de grande parte da cidade, sobretudo o centro histórico,
que ocorre desde ontem.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se deu
conta da gravidade do problema, pelas medidas tomadas após visitar o Rio Grande
do Sul. Ontem, voltou a se solidarizar com as vítimas ao receber a visita
oficial do primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida. Por sinal, o Japão é um
país que lida com desastres naturais com o maior planejamento possível por,
entre outros fatores, a recorrência de furacões, terremotos e até tsunamis.
"As primeiras palavras do ministro
Kishida na reunião que fizemos foi de solidariedade ao povo do estado do Rio
Grande do Sul, que está sendo vítima de uma das maiores enchentes de que nós
temos conhecimento. Nunca na história do Brasil tinha havido uma quantidade de
chuva tão grande em um único local", disse Lula. Até ontem, 235 dos 496
municípios do estado haviam sido atingidos de alguma forma.
A capital gaúcha entrou em colapso. As pontes
sobre o Guaíba foram interditadas, o sistema de macrodrenagem não deu conta de
conter as águas, principalmente na maré cheia, quando o mar invade o rio em vez
escoá-lo. O rio superou a marca de 4,5m, sobe em média de 8cm por hora e,
segundo previsões das autoridades, ultrapassará os 5m, um recorde histórico. Os
prejuízos por causa da chuva deverão ser superiores a R$ 100 milhões.
Em todo o Brasil, quando ocorre uma enchente
de grandes proporções, a vulnerabilidade das moradias é desnudada,
principalmente nos bairros pobres. Ao monitorar 872 municípios — são 5.570 nos
26 estados —, o IBGE identificou cerca de 8,3 milhões de pessoas que vivem em
áreas de risco. O caso mais grave é o de Salvador, com 45,5% da população em
locais com maior propensão a desastres.
Em 2010, o IBGE lançou um relatório específico sobre áreas de risco, em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). O levantamento aplicou uma metodologia própria para definir áreas de riscos de movimentos de massa, inundações e enxurradas e identificou 8.270.127 pessoas vivendo nesses locais, em 2.471.349 domicílios particulares permanentes. Cerca de 17,8% desse montante era formado por crianças de até 5 anos (9,2%) ou idosos com 60 anos ou mais (8,5%), mais vulneráveis a desastres. O Sudeste foi a região com mais cidades listadas (308), seguida do Nordeste (294), Sul (144), Norte (107) e Centro-Oeste (19). Ou seja, Porto Alegre e outras cidades gaúchas não estavam entre as mais vulneráveis.
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