sábado, 4 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Protestos nos EUA revelam inépcia das universidades

O Globo

Instituições se mostram incapazes de combater antissemitismo e de proteger direito dos alunos à manifestação

A onda de protestos contra Israel que tomou conta das universidades americanas revela a incapacidade dessas instituições para lidar com o conflito entre dois valores essenciais ao mundo acadêmico: a proteção às minorias e a liberdade de expressão. Manifestações e acampamentos pró-Palestina têm sido alvo de ações policiais que já resultaram em mais de 2 mil prisões. A repressão se espalhou de Nova York a Los Angeles, de Portland a Nova Orleans, a ponto de o presidente Joe Biden, alvo dos manifestantes pelo apoio a Israel depois dos ataques do grupo terrorista Hamas, afirmar que os americanos têm “direito de protestar, mas não a causar o caos”.

É importante lembrar que, nos Estados Unidos, vigoram leis mais elásticas sobre liberdade de expressão que nos países europeus ou no Brasil. Lá, manifestações de racismo, nazismo ou antissemitismo são legais, desde que não representem ameaça imediata de dano físico e que não se dirijam contra alvos específicos. Mas diversas manifestações ultrapassaram até esse limite, com invasão de prédios e acampamentos, em violação das normas universitárias, distúrbios à circulação e à ordem. “Destruir propriedade não é protesto pacífico. É contra a lei”, disse Biden. “Vandalismo, invasão, quebrar janelas, fechar o campus e forçar o cancelamento de aulas e cerimônias de graduação, nada disso é protesto pacífico. Ameaçar, intimidar, instilar medo não é protesto pacífico. É contra a lei. Dissenso é essencial à democracia, mas dissenso não pode levar à desordem.”

Parte dos protestos foi infiltrada por militantes interessados em fazer pressão política. É estarrecedor, nesse contexto, o avanço do antissemitismo, disfarçado de antissionismo. Organizações judaicas contaram 1.400 incidentes antissemitas em universidades desde os ataques de 7 de outubro até 26 de abril (700% acima de 2023). Uma pesquisa constatou que, depois dos atentados, 73% dos universitários judeus sofreram ou testemunharam antissemitismo. Na Universidade Columbia, um dos focos dos protestos, alunos judeus foram cercados, outros assediados como alvos do Hamas ou ainda enxotados aos gritos de “voltem para a Polônia”. É intolerável e vergonhoso.

Por óbvio, não se pode atribuir caráter antissemita a protestos legítimos contra a ação de Israel em Gaza. O direito à livre manifestação precisa ser respeitado na maior extensão possível. Mas isso não inclui perseguir alunos judeus ou intimidá-los (eles não se confundem com o Estado de Israel). Desde o início está patente a dificuldade das universidades com o tema. No Congresso, as reitoras das universidades Harvard e da Pensilvânia foram incapazes de responder até se incitar o genocídio de judeus violava regras universitárias. A resposta ambígua delas contradizia a vigilância para proteger outros grupos marginalizados. Desde o depoimento, instituições acadêmicas estão às voltas com questionamento sobre combate ao antissemitismo, em particular de seus mantenedores.

A reação foi errática. Em Columbia, a reitora aceitou negociar com congressistas termos disciplinares sobre professores considerados antissemitas e chamou a polícia ao campus para reprimir os protestos. Com isso, nem protegeu os alunos perseguidos nem garantiu a liberdade de expressão. As universidades demonstram ser incapazes de combater o antissemitismo e são ineptas para preservar o direito à manifestação de seus alunos nos limites da lei.

Revisão da atuação do MP não deve enfraquecer combate à corrupção

O Globo

Fiscalização pelo Judiciário é saudável para evitar abusos, mas não pode dificultar investigações

Fortalecido pela Constituição de 1988, o Ministério Público (MP) ganhou independência dos Poderes da República e passou a desempenhar papel fundamental na investigação de casos de corrupção. Foi decisivo seu papel na Operação Lava-Jato, que desmascarou um esquema bilionário de desvio de dinheiro público da Petrobras. Como resultado dos erros cometidos por procuradores nessas investigações, porém, houve um recuo nas operações dessa natureza. E a Justiça vem há algum tempo revendo os espaços de atuação do MP, de modo a criar uma disciplina mais eficaz para sua relação com o Judiciário.

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta semana o julgamento de um conjunto de ações com esse objetivo. Validou o poder de investigação dos procuradores, mas lhes impôs limites, como a equiparação com os prazos previstos em inquéritos policiais. Também determinou que a prorrogação das investigações do MP precisará de autorização judicial. “Como não há lei sobre isso, a fiscalização pelo Judiciário é saudável”, diz o procurador Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção. Mesmo que alguns procuradores possam considerar que houve restrição à liberdade de investigar, Livianu afirma que “não é bem assim”.

O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, saudou a decisão da Corte por preservar a autonomia do MP — garantida pela Constituição — e também o controle judicial. A tese vitoriosa nas discussões no STF é que o MP tem de imediatamente informar ao juiz assim que abrir ou encerrar um Procedimento Investigatório Criminal (PIC). E ficam “vedadas renovações desproporcionais ou imotivadas”.

Espera-se que agora se coíbam abusos como os constatados na Lava-Jato. O ministro Gilmar Mendes, um dos maiores críticos dos excessos da operação, afirmou no julgamento que o objetivo da Corte é acabar com o “ciclo de prorrogações eternas”. “Nós mesmos tivemos, nos inquéritos criminais, casos de 12 anos de investigações”, afirmou. Não há dúvida de que acabar com a lentidão na tramitação de investigações e dos processos na Justiça é uma intenção louvável.

As novas regras impostas ao MP têm suscitado críticas de quem considera que elas dificultam a investigação de desvios do dinheiro público. Mas essa não precisa necessariamente ser a realidade. A Operação Lava-Jato expôs a necessidade de uma disciplina mais rígida na condução das investigações. Agora, com maior envolvimento da Justiça nas ações do MP, abre-se uma oportunidade para demonstrar que o recuo da Lava-Jato não significou o enfraquecimento do combate à corrupção.

Crise do Rio se deve a má gestão, não a dívida

Folha de S. Paulo

Governador pressiona STF a suspender pagamento à União com ameaça a salários; de socorro em socorro, estado adia reforma

Com argumentos mais que duvidosos, o governo do Rio de Janeiro apelou ao Supremo Tribunal Federal para que sejam suspensos os pagamentos da dívida do estado com a União até que a administração federal renegocie seus termos.

O governador fluminense, Cláudio Castro (PL), quer dar "fim aos desmandos e à conduta abusiva da União Federal". A dívida seria "impagável" por causa de "taxas leoninas", entre outras cobranças indevidas, como se lê no texto da ação.

Castro alardeia que pode deixar de pagar salários e fornecedores em 2026 caso seu pleito não seja atendido. Recorde-se que, entre 2015 e 2017, o governo do Rio deu calotes do tipo por meses.

O mandatário, na prática, chantageia o governo e o Supremo com a ameaça de nova baderna, que poderia respingar na imagem de autoridades federais.

Das situações teratológicas de irresponsabilidade fiscal nos estados, a do Rio é das mais aberrantes, ao lado das de Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Entre 2011 e 2017, a despesa fluminense com pessoal teve elevação real de cerca de 100%, ante média nacional de 31,6%, segundo boletim estatístico elaborado pelo Ministério da Fazenda. Ao final desse período, a rubrica chegava a 72,5% da receita corrente líquida.

Houve aumento de gastos permanentes nos anos de alta excepcional de arrecadação de impostos e direitos relativos ao petróleo. Com a recessão e a queda do preço da commodity, houve crise tão aguda como previsível.

O peso do funcionalismo chegou a baixar após o pico, mas voltou ao perigoso patamar de 60% da receita no ano passado. A fim de cobrir o déficit previdenciário, o Rio gastava 22% de sua receita em 2022, mais do que qualquer outro estado.

No final dos anos 1990, a União assumira as dívidas impagáveis dos estados, numa renegociação vantajosa para estes, em troca de pagamentos parcelados por décadas.

Com o início da recessão de 2014-16, o conluio de governo federal, Congresso e governadores resultou em novos perdões de dívida, que ocorreriam até 2017. Mesmo assim, o Rio continuou quebrado. Aderiu naquele ano ao Regime de Recuperação Fiscal, que outra vez refinanciou o estado em troca de um plano de acerto das contas públicas. Sem resultado, é evidente.

O serviço da dívida equivalia a meros 3% da receita fluminense no ano passado, um dos menores níveis do país; de 2020 a 2022, ficou entre 1% e 1,6%.

Não está aí a causa do desastre financeiro recorrente do estado. Sem reforma profunda, renegada faz mais de 25 anos, não haverá solução. O perdão contumaz dos irresponsáveis, porém, alimenta a ideia de que o crime fiscal compensa.

Clima trágico

Folha de S. Paulo

Dor dos gaúchos expõe urgência de políticas de adaptação ao aquecimento global

Um novo tormento se abate sobre o Rio Grande do Sul, com volumes inauditos de precipitação. Em dois dias, choveu mais que o triplo da média para o mês de maio. A frequência dos desastres meteorológicos exige de autoridades uma guinada na maneira de enfrentá-los.

Trata-se do quinto flagelo climático a assolar os gaúchos em menos de um ano. Em junho de 2023, um ciclone varreu o estado; de julho a dezembro, tempestades afetaram a vida de milhões de pessoas.

A gestão estadual agora volta a declarar calamidade pública. Até a manhã desta sexta-feira (3), 351,6 mil pessoas e 235 municípios haviam sido afetados. Ao final da tarde, contavam-se 39 mortos.

É fundamental o apoio do governo federal, que já anunciou envio de cem agentes da Força Nacional e 31 veículos de transporte.

Mas, dada a dimensão da tragédia, que deixou milhares sem casas e meios de subsistência, além da perda de entes queridos, toda ação parece insuficiente para aplacar tamanho sofrimento.

Parece claro que há algo anormal em curso e que o aquecimento global está na raiz. Ainda que eventos extremos possam decorrer da variação natural do clima, tal se afigura cada vez mais improvável.

O poder público precisa, portanto, se preparar para os piores cenários. Nada do que ora acontece deixou de ser previsto pela ciência.

Permanece urgente mitigar o aquecimento global cortando emissões de gases de efeito estufa de forma mais drástica e decidida do que se fez até agora —mas, em realidade, elas seguem em alta no mundo.

Já no curto e médio prazo, a adaptação à mudança climática já deveria ser prioridade de gestores.

Governo federal, estados e municípios precisam criar planos de ação integrada para mitigar os efeitos do aquecimento e as fatalidades dos eventos gerados —em setores como legislação florestal, já que áreas verdes são essenciais para conter enchentes, e saneamento básico, vexatório no Brasil.

Se no âmbito global há entraves para reduzir e cortar as emissões de carbono, autoridades locais precisam se precaver para que eventos extremos ao menos não se tornem eventos catastróficos.

A Saúde como vergonhosa moeda de troca

O Estado de S. Paulo

A desorganizada liberação de emendas com dinheiro do Ministério da Saúde escancara a incapacidade do governo de dialogar com o Congresso fora da lógica do toma lá dá cá

Se ainda era possível notar algum suspiro de articulação política do governo para fazer valer sua agenda no Congresso, agora não resta dúvida: está confirmada sua escandalosa incapacidade de lidar com parlamentares sem que precise lançar mão da farta distribuição de verbas do Orçamento. É o que se conclui da velocidade e do volume da destinação de recursos não obrigatórios do Ministério da Saúde para atender congressistas. Conforme mostrou o Estadão, dos R$ 21 bilhões em recursos não obrigatórios liberados neste ano, nada menos que R$ 12,8 bilhões se destinaram a emendas individuais (indicadas por deputados e senadores) e emendas de bancada (indicadas pelo conjunto de parlamentares de cada Estado). Não se trata, porém, da única conclusão diante da fartura. Esse valetudo – ainda que não seja ilegal nem surpreendente – se mostra politicamente questionável e moralmente duvidoso, além de ser inaceitável numa área repleta de carências impostas a quem precisa do Estado para cuidar da saúde.

Responsável pela articulação política do governo e, como tal, liberador-oficial de emendas parlamentares, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ainda se gabou do triunfo orçamentário, como sinal de compromisso com o Congresso: “Estamos fechando o dia de hoje, 30 de abril, com um recorde de publicação de empenhos de emendas parlamentares. Ultrapassamos R$ 14 bilhões. (...) O Ministério da Saúde foi o campeão nesse empenho”, disse o ministro, em referência ao fatídico dia em que quase R$ 5 bilhões foram liberados, feito que ajudou a alcançar o mencionado recorde. Resta refletir os termos, o custo e as consequências desse compromisso. Longe de configurar a eficiência de gestão de que se jactou Padilha, tratou-se de um flagrante agrado a parlamentares queixosos que, sob a liderança do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), haviam emparedado o governo.

Padilha, o Ministério da Saúde e a ministra Nísia Trindade têm estado no epicentro da crise de relacionamento entre o Congresso e o governo. Deflagrou-se um tiroteio contra Nísia, motivado menos pela preocupação com a saúde pública e muito mais pelo represamento de verbas parlamentares atreladas aos recursos da pasta. Apesar dos vícios de origem, os ataques ajudaram a descortinar malfeitos, entre os quais problemas na gestão dos hospitais federais no Rio de Janeiro, deficiências no enfrentamento da dengue e inépcia diante da emergência sanitária do povo yanomami. A chantagem explícita já surtira algum efeito: como também revelou o Estadão em abril, R$ 8,2 bilhões foram repassados a Estados e municípios em 2023 fora dos controles republicanos. São recursos que seguem direto do caixa da União para prefeituras e governos estaduais, sem muito controle externo. Mais grave: alguns entes agraciados com repasses milionários não tinham sequer capacidade material para dispor de tanto dinheiro, enquanto outros ficaram sem recursos, evidência de que critérios técnicos foram substituídos pela conveniência política.

Nada haveria de errado, nos repasses de 2023 ou na distribuição de recursos deste ano, se o dinheiro tivesse chegado aos seus destinos para viabilizar projetos bem planejados e implementados. Também seria legítimo se o manejo do Orçamento federal se desse com base em genuíno diálogo político entre Executivo e Legislativo, no respeito às relações federativas e, sobretudo, se fosse controlado, executado e fiscalizado de forma técnica e transparente. Não é o caso.

Não se ignora aqui que boa parte dos problemas que regem as relações entre o Executivo e o Legislativo é anterior ao atual governo. Lula precisa lidar tanto com uma base parlamentar frágil como também com as prerrogativas de congressistas sobre o Orçamento, que tornam refém qualquer presidente da República. Negociar apoio, nessas condições, requer um esforço que vai além do convencimento sobre boas políticas. O problema é de outra ordem: é a liberação desorganizada, sem critérios e nada transparente, das emendas parlamentares, o mau uso de uma área sensível para obter dividendos políticos e o indefensável toma lá dá cá à custa da saúde da população. Nenhum governo pode se gabar disso.

STF não é bedel do jornalismo profissional

O Estado de S. Paulo

Ao lidar com um caso de mau jornalismo praticado por um jornal de PE, a Corte não deveria ter fixado tese de repercussão geral. Tendo feito isso, que ao menos seja mais objetiva

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin recebeu em audiência, no dia 29 passado, representantes das principais associações de jornalistas e veículos da imprensa profissional do País. O encontro foi para tratar dos embargos de declaração, ora sob a relatoria de Fachin, interpostos por essas associações num processo movido originalmente contra o Diário de Pernambuco que culminou na responsabilização civil de jornais, revistas, emissoras de rádio e canais de TV, entre outros veículos, pelo que é dito por seus entrevistados – notadamente por eventuais mentiras ou acusações falsas que profiram contra terceiros.

Convém relembrar o caso. Em 1995, o Diário de Pernambuco publicou uma entrevista do delegado Wandenkolk Wanderley na qual o policial acusara o ex-deputado Ricardo Zarattini Filho (PT) de ter participado do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, em 1966. Zarattini Filho, falecido em 2017, processou o jornal à época sustentando que a acusação que lhe fora imputada era “sabidamente falsa”. Ademais, alegou que o jornal não lhe dera o devido espaço para resposta.

O pleito do ex-deputado petista foi negado na primeira instância, mas o processo chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em Brasília, Zarattini Filho obteve êxito. E foi precisamente contra essa decisão do STJ que o Diário de Pernambuco recorreu ao Supremo, sob o argumento de que a punição que sofrera pela injusta acusação feita por Wandenkolk representava “cerceamento da liberdade de imprensa”.

No caso particular do Diário de Pernambuco, a acusação veiculada contra Zarattini Filho era mesmo sabidamente falsa. Estava-se diante, portanto, de mau jornalismo. Mas o Supremo não se restringiu a analisar apenas a conduta do veículo pernambucano. A Corte fixou uma tese com repercussão geral, arvorando-se, desse modo, em espécie de bedel do jornalismo profissional. Eis o problema.

A tese fixada pelo STF é vaga demais. Por maioria, os ministros da Corte asseveraram que uma empresa jornalística é passível de punição civil se restar comprovado que, “na época da divulgação da entrevista, já se sabia, por indícios concretos, que a acusação

(feita pelo entrevistado) era falsa e a empresa não cumpriu o dever de cuidado de verificar a veracidade dos fatos e de divulgar que a acusação era controvertida”. Tal como vai escrita, a tese, de fato, abriu um perigosíssimo espaço para o cerceamento da liberdade de imprensa no País. E não porque o STF seja hostil à liberdade de imprensa – de resto, um pilar democrático protegido pela Constituição de 1988 como cláusula pétrea –, mas porque a tese é mesmo obscura.

Nesse sentido, é plenamente justificável a premência desse encontro, solicitado pelas associações jornalísticas, com o ministro Fachin – ao final do qual também foram recebidas pelo ministro presidente do STF, Luís Roberto Barroso. Quanto antes as omissões, obscuridades e contradições da tese forem esclarecidas, tanto menor será o espaço para uma interpretação enviesada que possa, eventualmente, comprometer a livre atuação dos veículos jornalísticos no País. Ocioso dizer o quanto a sociedade sai perdendo com uma imprensa acanhada por um justo receio de vir a sofrer punições por conta dessa falta de clareza do STF.

Afinal, o que são “indícios concretos”? Como apurar a “veracidade dos fatos” no caso de acusações feitas por um entrevistado que ainda nem sequer se tornaram objetos de investigação? Como realizar uma apuração desse nível durante entrevistas ao vivo? São questões urgentes que já levantamos neste espaço (ver O STF e a imprensa responsável, 1/12/2023), cujas respostas vão definir se a imprensa haverá de seguir plenamente livre como assegura a ordem constitucional vigente.

Como se vê, não é nem um pouco trivial o que está em jogo na análise desses embargos declaratórios. Não por acaso, esse recurso mobilizou não uma ou outra associação, mas praticamente todas as entidades de representação do jornalismo profissional no Brasil.

Hora de cautela

O Estado de S. Paulo

Emprego aquecido, riscos fiscais e incertezas nos Estados Unidos exigem firmeza na política monetária

O momento econômico brasileiro exige cautela monetária. Dados recentes divulgados por órgãos oficiais mostram o aquecimento do mercado de trabalho, com expectativas positivas para o consumo e riscos de pressão inflacionária. Trazer o índice de preços à meta ganha contornos mais difíceis, o que implica firmeza do Banco Central (BC) e prudência do governo Lula da Silva.

O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, registrou um saldo positivo de 244.315 vagas formais, com carteira assinada, em março. Pesquisa do Projeções Broadcast com analistas do mercado financeiro estimava 190 mil.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por sua vez, trouxe, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), uma taxa de desemprego de 7,9% em março. Embora tenha registrado três meses de alta – em fevereiro, a taxa ficou em 7,8% –, trata-se do menor indicador para o mês de março em dez anos. O mercado esperava 8,1%.

Os números surpreenderam. Evidentemente, quanto mais empregados e menos desocupados, melhor para o Brasil. Os dados, no entanto, não sugerem afrouxamento das rédeas em um cenário de perene instabilidade interna e sinais externos desafiadores.

A decisão do Federal Reserve (Fed), o Banco Central norte-americano, de manter as taxas de juros entre 5,25% e 5,5% para levar a inflação à meta de 2% põe o BC brasileiro em alerta. Com juros altos por lá, o Brasil se torna menos atrativo e, por aqui, haverá pressão sobre o dólar, o que impacta os preços.

Confirmada a decisão do Fed, agora os holofotes se voltam ao Comitê de Política Monetária (Copom), que se reunirá na próxima quarta-feira, dia 8. Esperase uma nova redução da Selic na magnitude de 0,5 ponto percentual, o que deve levar a taxa básica de juros dos atuais 10,75% ao ano para 10,25% ao ano.

O BC tem uma árdua tarefa pela frente. A inflação oficial fechou março em 3,93%, no acumulado de 12 meses. Apesar de estar dentro da banda, de 1,5% a 4,5% para 2024 – com o centro da meta de 3% –, o índice está mais perto do teto. Para as reuniões futuras do Copom, aguarda-se mais comedimento.

A decisão da agência de risco Moody’s de elevar a perspectiva da nota de crédito do Brasil de “estável” para “positiva” redobra a atenção. Rapidamente, o governo comemorou. O presidente Lula da Silva afirmou que o Brasil “voltou a ter credibilidade”, o que não é verdade. O País ainda se encontra no nível especulativo, muito distante do grau de investimento.

Há poucos dias, Lula da Silva, em um jogo de palavras capcioso, disse que não queria criticar a taxa de juros, mas criticou porque, como disse, “está difícil”. O presidente ataca Roberto Campos Neto, mas ignora que quatro dos nove integrantes do Copom foram por ele indicados. Até agora, as decisões do colegiado têm sido unânimes. Isso mostra que cabe a Lula deixar o BC trabalhar. Da política fiscal, cobra-se responsabilidade de seu governo. Mas aí talvez seja pedir demais.

Prevenir é melhor do que remediar

Correio Braziliense

Acontecimentos climáticos extremos ocorrem de forma mais ou menos aleatória, mas são previsíveis estatisticamente. Esse raciocínio serve para elaboração de planos de prevenção de desastres naturais e para evacuação de populações em risco

As catástrofes climáticas em todo o mundo são cada vez mais frequentes e intensas. Cientificamente, está provado que o aquecimento global já mudou o clima. Esses acontecimentos extremos ocorrem de forma mais ou menos aleatória, mas são previsíveis estatisticamente. Ou seja, é possível saber o grau de probabilidade com que vão ocorrer, embora nem sempre seja possível detectar sua localização com maior antecedência. Uma simples comparação facilita o raciocínio: quando se ouve uma playlist aleatoriamente, não se sabe qual, mas uma música será executada, às vezes até repetida.

Esse raciocínio serve para elaboração de planos de prevenção de desastres naturais, como obras de macrodrenagem, e de contingenciamento de defesa civil, para evacuação de populações em situação de risco e socorro imediato às vítimas. Por exemplo, desde ontem sabia-se que o Rio Guaíba transbordaria em Porto Alegre e que o sistema de diques, comportas e bombas da cidade, construído depois da grande enchente de 1941, não daria conta de impedir a inundação de grande parte da cidade, sobretudo o centro histórico, que ocorre desde ontem.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se deu conta da gravidade do problema, pelas medidas tomadas após visitar o Rio Grande do Sul. Ontem, voltou a se solidarizar com as vítimas ao receber a visita oficial do primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida. Por sinal, o Japão é um país que lida com desastres naturais com o maior planejamento possível por, entre outros fatores, a recorrência de furacões, terremotos e até tsunamis.

"As primeiras palavras do ministro Kishida na reunião que fizemos foi de solidariedade ao povo do estado do Rio Grande do Sul, que está sendo vítima de uma das maiores enchentes de que nós temos conhecimento. Nunca na história do Brasil tinha havido uma quantidade de chuva tão grande em um único local", disse Lula. Até ontem, 235 dos 496 municípios do estado haviam sido atingidos de alguma forma.

A capital gaúcha entrou em colapso. As pontes sobre o Guaíba foram interditadas, o sistema de macrodrenagem não deu conta de conter as águas, principalmente na maré cheia, quando o mar invade o rio em vez escoá-lo. O rio superou a marca de 4,5m, sobe em média de 8cm por hora e, segundo previsões das autoridades, ultrapassará os 5m, um recorde histórico. Os prejuízos por causa da chuva deverão ser superiores a R$ 100 milhões.

Em todo o Brasil, quando ocorre uma enchente de grandes proporções, a vulnerabilidade das moradias é desnudada, principalmente nos bairros pobres. Ao monitorar 872 municípios — são 5.570 nos 26 estados —, o IBGE identificou cerca de 8,3 milhões de pessoas que vivem em áreas de risco. O caso mais grave é o de Salvador, com 45,5% da população em locais com maior propensão a desastres.

Em 2010, o IBGE lançou um relatório específico sobre áreas de risco, em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). O levantamento aplicou uma metodologia própria para definir áreas de riscos de movimentos de massa, inundações e enxurradas e identificou 8.270.127 pessoas vivendo nesses locais, em 2.471.349 domicílios particulares permanentes. Cerca de 17,8% desse montante era formado por crianças de até 5 anos (9,2%) ou idosos com 60 anos ou mais (8,5%), mais vulneráveis a desastres. O Sudeste foi a região com mais cidades listadas (308), seguida do Nordeste (294), Sul (144), Norte (107) e Centro-Oeste (19). Ou seja, Porto Alegre e outras cidades gaúchas não estavam entre as mais vulneráveis.

 

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