DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Dívida pública pode ser medida por diferentes conceitos e abrangências. A dívida bruta leva em conta apenas o que é devido pelos governos (exclui banco central e estatais) e é considerada um indicador melhor para avaliar o risco de rolagem. A dívida líquida desconta da bruta o caixa e alguns haveres financeiros e é considerada mais útil para avaliar solvência e impactos sobre juros e de crescimento. Esse segundo conceito é o mais visto no Brasil (aplicado a todo setor público). No resto do mundo, todos apuram a dívida bruta, mas nem sempre a líquida. Por princípio, o ideal é apurar e acompanhar os dois indicadores. Errado é misturar os métodos, como às vezes ocorre quando comparam a saúde fiscal brasileira com a de outros países.
O Brasil está mais perto das economias avançadas do que dos emergentes em termos de dívida pública, como revela o Monitor Fiscal, recente documento do FMI, com estatísticas atualizadas e análises detalhadas, de modo a permitir melhores comparações internacionais. A evolução da dívida bruta entre 2000 e 2009 dos governos brasileiros (incremento de 5,5 pontos do PIB) seguiu a mesma trajetória crescente dos países ricos, no sentido radicalmente inverso dos emergentes (decréscimo de 8,2 pontos). Com isso, o tamanho da dívida brasileira também supera a de seus pares: 80% acima da dívida média dos emergentes ao final de 2009 (38% do PIB) e, dentre 27 países, só devemos menos que Índia e Hungria. Ao menos devemos um quarto a menos que a dívida média dos países ricos (90.6% do PIB).
Na visão oficial, a expansão recente do nosso endividamento não preocupa porque decorreu do acúmulo de reservas internacionais (hoje, próximas de 15% do PIB). Sem contar que o Tesouro Nacional virou (indiretamente) a maior instituição de crédito do País (ativos de 12% do PIB, fora a rolagem da dívida dos outros governos). A propósito, na comemoração dos dez anos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, finalmente assumiu posição contra limites para a dívida federal, um dos pontos da lei ainda não regulamentados: "A União tem de estar preparada para uma crise, quando o endividamento pode aumentar... Não adianta botar uma camisa de força porque vai inviabilizar a ação do Estado brasileiro."
É uma boa hora para esse debate. Está determinado pela Constituição que compete ao Senado (exclusivamente) fixar o montante da dívida consolidada, a partir de iniciativa do presidente da República (art. 52, VI); e ao Congresso, dispor sobre o montante da dívida mobiliária federal (art. 48, XIV). Quem julgar improcedente tais limitações deveria propor uma emenda constitucional para suprimi-las. Caso contrário, pode caber uma ação de inconstitucionalidade por omissão - mesmo caso da recente condenação pelo STF da ausência de lei para fixar critérios de rateio do FPE.
A LRF trata do cálculo e do controle da dívida e, nesse contexto, já adotou "válvulas de escape". Algumas são automáticas: o limite da dívida fica suspenso em caso de calamidade pública e estado de defesa (art. 65) ou o ajuste é postergado se o crescimento for baixo ou negativo (art. 66). Outras são disparadas pelo Senado: prazo dilatado se mudar drasticamente a política monetária e cambial (art. 65, § 4º); o limite reavaliado anualmente pelo presidente ao enviar a meta de superávit na LDO (art. 30, § 5º); e, a qualquer momento, se houver instabilidade econômica, o presidente também pode pedir para mudá-lo. Não bastassem tais regras da LRF, os limites propostos há dez anos ficaram ultrapassados: o teto para a dívida mobiliária seria 6,5 vezes a receita corrente, quando a razão está em 4,78; já para a dívida consolidada líquida, seria 3,5 vezes contra 2,22 efetivos; ou seja, se aprovados, a União ainda pode aumentar sua dívida em mais de meio trilhão de reais.
A preocupação com o engessamento é pertinente, mas não se sustenta diante da lei e dos números. Diante do sombrio cenário externo, já passa da hora de o Brasil impor limites à dívida federal. É preciso também corrigir uma injustiça flagrante: descumprir limites da dívida pode levar multa, cassação de mandato, inabilitação e até detenção. Todos os governadores e os prefeitos do País estão submetidos a tais rigores da lei de crimes fiscais, por que o presidente da República deve continuar imune a qualquer risco?
A sabedoria popular ensina: "pimenta nos olhos dos outros é refresco!" A situação econômica e fiscal do Brasil ainda é confortável, especialmente comparada aos países ricos, mas, para que a pimenta do mercado não se volte contra nós no futuro, é hora de avançar nas reformas das instituições, políticas e práticas nas finanças públicas.
Economista, mestre pela UFRJ e doutorando da UNICAMP
Dívida pública pode ser medida por diferentes conceitos e abrangências. A dívida bruta leva em conta apenas o que é devido pelos governos (exclui banco central e estatais) e é considerada um indicador melhor para avaliar o risco de rolagem. A dívida líquida desconta da bruta o caixa e alguns haveres financeiros e é considerada mais útil para avaliar solvência e impactos sobre juros e de crescimento. Esse segundo conceito é o mais visto no Brasil (aplicado a todo setor público). No resto do mundo, todos apuram a dívida bruta, mas nem sempre a líquida. Por princípio, o ideal é apurar e acompanhar os dois indicadores. Errado é misturar os métodos, como às vezes ocorre quando comparam a saúde fiscal brasileira com a de outros países.
O Brasil está mais perto das economias avançadas do que dos emergentes em termos de dívida pública, como revela o Monitor Fiscal, recente documento do FMI, com estatísticas atualizadas e análises detalhadas, de modo a permitir melhores comparações internacionais. A evolução da dívida bruta entre 2000 e 2009 dos governos brasileiros (incremento de 5,5 pontos do PIB) seguiu a mesma trajetória crescente dos países ricos, no sentido radicalmente inverso dos emergentes (decréscimo de 8,2 pontos). Com isso, o tamanho da dívida brasileira também supera a de seus pares: 80% acima da dívida média dos emergentes ao final de 2009 (38% do PIB) e, dentre 27 países, só devemos menos que Índia e Hungria. Ao menos devemos um quarto a menos que a dívida média dos países ricos (90.6% do PIB).
Na visão oficial, a expansão recente do nosso endividamento não preocupa porque decorreu do acúmulo de reservas internacionais (hoje, próximas de 15% do PIB). Sem contar que o Tesouro Nacional virou (indiretamente) a maior instituição de crédito do País (ativos de 12% do PIB, fora a rolagem da dívida dos outros governos). A propósito, na comemoração dos dez anos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, finalmente assumiu posição contra limites para a dívida federal, um dos pontos da lei ainda não regulamentados: "A União tem de estar preparada para uma crise, quando o endividamento pode aumentar... Não adianta botar uma camisa de força porque vai inviabilizar a ação do Estado brasileiro."
É uma boa hora para esse debate. Está determinado pela Constituição que compete ao Senado (exclusivamente) fixar o montante da dívida consolidada, a partir de iniciativa do presidente da República (art. 52, VI); e ao Congresso, dispor sobre o montante da dívida mobiliária federal (art. 48, XIV). Quem julgar improcedente tais limitações deveria propor uma emenda constitucional para suprimi-las. Caso contrário, pode caber uma ação de inconstitucionalidade por omissão - mesmo caso da recente condenação pelo STF da ausência de lei para fixar critérios de rateio do FPE.
A LRF trata do cálculo e do controle da dívida e, nesse contexto, já adotou "válvulas de escape". Algumas são automáticas: o limite da dívida fica suspenso em caso de calamidade pública e estado de defesa (art. 65) ou o ajuste é postergado se o crescimento for baixo ou negativo (art. 66). Outras são disparadas pelo Senado: prazo dilatado se mudar drasticamente a política monetária e cambial (art. 65, § 4º); o limite reavaliado anualmente pelo presidente ao enviar a meta de superávit na LDO (art. 30, § 5º); e, a qualquer momento, se houver instabilidade econômica, o presidente também pode pedir para mudá-lo. Não bastassem tais regras da LRF, os limites propostos há dez anos ficaram ultrapassados: o teto para a dívida mobiliária seria 6,5 vezes a receita corrente, quando a razão está em 4,78; já para a dívida consolidada líquida, seria 3,5 vezes contra 2,22 efetivos; ou seja, se aprovados, a União ainda pode aumentar sua dívida em mais de meio trilhão de reais.
A preocupação com o engessamento é pertinente, mas não se sustenta diante da lei e dos números. Diante do sombrio cenário externo, já passa da hora de o Brasil impor limites à dívida federal. É preciso também corrigir uma injustiça flagrante: descumprir limites da dívida pode levar multa, cassação de mandato, inabilitação e até detenção. Todos os governadores e os prefeitos do País estão submetidos a tais rigores da lei de crimes fiscais, por que o presidente da República deve continuar imune a qualquer risco?
A sabedoria popular ensina: "pimenta nos olhos dos outros é refresco!" A situação econômica e fiscal do Brasil ainda é confortável, especialmente comparada aos países ricos, mas, para que a pimenta do mercado não se volte contra nós no futuro, é hora de avançar nas reformas das instituições, políticas e práticas nas finanças públicas.
Economista, mestre pela UFRJ e doutorando da UNICAMP
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