quarta-feira, 19 de maio de 2010

Noves fora a economia e a renda mínima...:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Os candidatos à Presidência da República tateiam para evitar trombadas com o eleitorado que, teoricamente, gostaria de ter a continuidade, nos próximos anos, do governo atualmente em vigor. Estão exagerando, porém, na omissão sobre seus propósitos e planos que devem incluir, não é possível que não, mudanças cuja necessidade é óbvia. Não podem confundir a popularidade recorde e pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 80%, que os pesquisadores apuram e dizem de onde vem, com aprovação de erros expostos à luz do dia e à crítica de quem tem o mínimo de discernimento.

A ideia da continuidade, como estratégia de campanha, é aceitável, mas no que o governo vai bem. Ou os candidatos não estão falando o que pensam ou estão com muito medo. Medo de confundir o eleitorado e levá-lo a concluir que vai mudar tudo. Porém, quem pensa seu voto acha o método uma péssima escolha, agressiva à inteligência dos que esperam exatamente mudanças do que, acreditam, vai mal no governo.

Se os três principais candidatos à sucessão do presidente Lula, dois deles com mais de 30% de intenção de voto, estão realmente decididos a manter o país como está, falta aparecer o que vai consertar o que está errado e preencher as lacunas.

Os candidatos precisam dizer, em algum momento, o que não pode, não deve e é preciso evitar a todo custo que seja continuado. Volta e meia um deles, inclusive a que tem o apoio do governo, faz uma declaração que revela discordância do que está em curso, mas as propostas são medrosas, genéricas, do tipo "vamos avançar", nada mais.

Na Educação não se espera continuidade de uma administração que se dedicou à expansão, à quantidade a qualquer custo, e ficou a dever tudo na qualidade em todos os níveis de ensino. Os planos de saúde prosseguem sem controle, destemperando os cidadãos, sem regulação eficiente. Já vai se tornando um abuso a injustiça com a previdência social do trabalhador do setor privado, em confronto com os privilégios do funcionário público, reforma da qual foge o governo como vão fugir os continuistas candidatos.

Não deve haver um só brasileiro pronto a dar seu voto à continuidade da situação na área da Saúde, do recrudescimento de doenças ao descaso do governo com os problemas crassos da área, da omissão diante da necessidade de travar uma verdadeira guerra, uma revolução que consiga compatibilizar políticas preventivas com o enfrentamento do descalabro do atendimento hospitalar, público e também privado, este sem qualquer controle ou fiscalização.

Aqui, candidatos, é preciso mão de ferro, não continuidade da leniência, da contemporização. Sobre essa questão dilacerante da saúde - ainda ontem um contribuinte reclamava, na TV, que seu doente tirou a própria temperatura e trocou o próprio soro no corredor do hospital, ou seja, estão todos pela garganta com essa situação - o que surge é uma nova ameaça. O aumento de impostos, da carga tributária, novamente o chororô pela falta do imposto do cheque, a CPMF, cuja arrecadação nunca foi integralmente para a saúde e não se tem notícia de que a saúde tinha todas as atenções até 2008, quando o transbordante imposto desapareceu.

O secretário Otacílio Cartaxo, da Receita Federal, em entrevista, ontem, deu uma dose de coragem aos postulantes ao comando do país ao afirmar que o desempenho dos primeiros quatro meses de 2010 indica que a arrecadação de tributos não somente recuperou as perdas da crise, como está aumentando a taxas superiores às verificadas antes dela. Não, continuam a falar em criação do imposto.

Como se não bastasse, o governo prossegue na punição ao contribuinte de quem recolheu mais impostos do que o devido, retendo suas devoluções quando já havia anunciado não fazê-lo, numa espécie de picuinha teimosa e pessoal que os candidatos à sucessão querem continuar. Dirão, são bobagens. Mas bobagens que tiram da classe média a tolerância para ouvir bobagens de candidatos que lhe pedem o voto.

Não há promessas de descontinuidade da tolerância com a sangria das centrais sindicais impostas ao trabalhador, via governo, que com elas exacerba em adulação, inclusive com o veto à fiscalização mínima. Da falta de soluções reais para a segurança pública, não há promessa de descontinuidade.

Na promessa de continuidade está implícita, então, a desobediência às leis, à justiça e à ética, o respeito aos transgressores de toda sorte, tolerados hoje como nunca antes. Descontinuar o aparelhamento da administração é preciso, como é mais do que necessário retomar a construção de instrumentos que tornem possível fazer uma gestão pública eficiente. Um parênteses para a desmontagem promovida nas agências reguladoras e sua ocupação partidária, o desvirtuamento de um instrumento promovido sistematicamente a partir de uma rebelião do Executivo na área de Energia Elétrica.

Por coincidência, os candidatos falaram esta semana sobre o assunto, a do governo, sobre quadro de pessoal para as agências - funcionários, contratações, abertura de postos para o funcionalismo - , o da oposição sobre a desregrada ocupação política. Mas do seu resgate como instrumento de regulação, controle e fiscalização, com suas funções em administração moderna preservadas, não se prometeu nada. O governo combate a fiscalização de uma maneira geral, especialmente a do Tribunal de Contas da União. Haverá continuidade?

É de se imaginar que sim, pois só falam em continuidade, continuidade, continuidade. Talvez temam que, falando em mudanças do que está equivocado, mesmo na linguagem cifrada de palanque, o eleitorado passe a temer a perda do que, mostram das pesquisas superficiais aos estudos mais científicos, deu certo: a economia e os programas de transferência de renda. Não é pouco, mas o medo da mistura de estações leva-os a preferir simplificar com a promessa de continuidade das mazelas.


Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

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