Valor Econômico
Cenário recessivo trará relevantes desafios
adicionais para gestão macroeconômica no Brasil
A semana passada foi marcada pela
continuidade da alta generalizada das taxas de juros pelos bancos centrais,
tanto nas economias desenvolvidas, como também entre as emergentes. Inevitável,
assim, deixar de considerar que os riscos de uma recessão global em 2023 e/ou
2024 se tornaram mais prováveis. A materialização (cada vez mais provável) de
um cenário recessivo dessa natureza trará relevantes desafios adicionais para a
gestão macroeconômica no Brasil nos próximos anos.
Nos Estados Unidos, onde a inflação ao consumidor nos últimos 12 meses atingiu 8,3%, o Federal Reserve (Fed) elevou em 75 pontos básicos a meta para os “Fed funds”, que passou para um intervalo entre 3% e 3,25% ao ano, sinalizando adicionalmente, através das projeções dos membros do FOMC, um nível mais elevado para os juros no final do ciclo de alta, neste caso surpreendendo a maioria dos analistas de mercado. As novas indicações dos próprios dirigentes do Fed são que os juros devem chegar a 4,5% ao final deste ano, atingindo 4,75% ao longo do ano que vem.
Por outro lado, declarações do presidente
do Fed, Jerome Powell, após a decisão, indicam o compromisso da instituição em
manter uma política monetária restritiva até que a inflação norte-americana
convirja para a meta de 2% ao ano, mesmo que a economia fique rodando algum
tempo abaixo de seu potencial, o que significa, no âmbito do seu “duplo
mandato” que o Fed deve privilegiar o combate à inflação, aceitando uma
desaceleração maior na atividade econômica, pelo menos até 2024. Claramente, os
atuais dirigentes do Fed parecem com pouco apetite para aceitar o risco de um
afrouxamento monetário prematuro, como aliás havia manifestado o próprio Powell
na semana anterior em Jackson Hole.
Ademais, refletindo o atual momento de
aumento da inflação em nível global, vários outros bancos centrais seguiram os
passos do Fed na semana passada, incluindo o Banco da Inglaterra que elevou a
taxas de juros básicos para 2,25%, o maior nível desde 2008, para lidar com uma
inflação que já chega aos 10% anuais. Na semana anterior, o Banco Central
Europeu havia feito movimento semelhante, subindo os juros para 75 pontos
básicos, o maior nível em onze anos. Altas adicionais dos juros na zona do euro
- onde a inflação anual também está em torno dos 10% - são esperadas, ainda que
a atividade econômica da região esteja fortemente pressionada pelos efeitos do
conflito na Ucrânia, principalmente no que diz respeito ao fornecimento de
energia.
Destoando do movimento síncrono de alta de
juros pelos bancos centrais, entre as maiores economias, o Japão e a China
seguem caminhos distintos. No primeiro caso, a opção do Banco do Japão foi
defender o iene - que já havia se depreciado cerca de 20% em relação ao dólar
em 2022 - com intervenções no mercado de câmbio, para não renunciar a sua
política de juros negativos, no contexto de uma frágil recuperação econômica.
Quanto à China, segunda maior economia
global, seu banco central havia decidido reduzir os juros em agosto último, num
aparente esforço para evitar que sobrevenha uma maior desaceleração da
economia, justamente quando Xi Jinping busca estender sua permanência no poder
por mais cinco anos. Contudo, as autoridades chinesas já admitem que meta
oficial de 5,5% de crescimento em 2022 não será atingida, afetada negativamente
que foi pela política de “covid zero” e pela desaceleração da economia global
que prejudica as exportações chinesas, sem contar com as dificuldades
persistentes no mercado imobiliário doméstico.
A propósito da atual conjuntura econômica
internacional, o Banco Mundial publicou, agora em setembro, um relatório no
qual procura avaliar se uma recessão global é iminente. De maneira resumida,
sua conclusão é de que a elevação sincronizada dos juros pelos bancos centrais
traz de fato um alto risco de recessão global, a julgar pela experiência do
início da década de 1980. Tal risco pode ser amplificado ou amortecido
dependendo de vários fatores, entre os quais o comportamento da oferta, ainda
prejudicada pelos efeitos retardados da covid e pela guerra no Leste europeu.
Enquanto isso, no Brasil, o Copom decidiu
manter a taxa Selic em 13,75%, embora divulgando mensagens duras em relação às
perspectivas futuras da política monetária, como se vê nos seguintes trechos do
comunicado divulgado após a decisão: “O Comitê se manterá vigilante, avaliando
se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período
suficientemente prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação”
e que “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação
não transcorra como esperado”.
Ao contrário do que ocorreu nos outros
países, o Bacen havia iniciado o processo de alta de juros no ano passado, o
que fez coincidir o processo de aceleração dos juros nos Estados Unidos e na
Europa com o fim do ciclo de alta no Brasil. De todo modo, o processo
inflacionário recente em nosso país não difere qualitativamente do que está
sendo observado no resto do mundo, agravado pela provável existência de
componente inercial maior aqui do que nas economias desenvolvidas.
*Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.
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