segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Emendas em jogo

Folha de S. Paulo

STF deve se conter ao rever prerrogativa de Executivo e Legislativo no Orçamento

Em dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal impôs um necessário limite ao esquema articulado entre Jair Bolsonaro (PL) e as siglas do centrão para garantir apoio ao governo no Congresso.

Ao suspender temporariamente a execução das emendas orçamentárias bilionárias controladas pelo bloco partidário, a corte exigiu maior transparência na aplicação do dinheiro e incentivou os parlamentares a rever as regras do opaco mecanismo então instituído.

Para convencer o STF a desbloquear as verbas, o Legislativo passou a divulgar informações mais detalhadas sobre as chamadas emendas de relator e estabeleceu certas normas, incluindo um teto para os recursos destinados anualmente ao instrumento.

A ação do tribunal contribuiu assim para expor patrocinadores e beneficiários das verbas à luz do sol, criando condições para que a imprensa e os órgãos de controle investigassem favorecimentos, desvios e desperdícios.

Ficou pendente, porém, o julgamento do mérito das ações que questionam a legalidade dessas emendas, que dispõem neste ano de R$ 16,5 bilhões para obras e outras benesses em redutos eleitorais de deputados e senadores.

Os partidos de oposição que levaram o problema ao tribunal argumentam que a ausência de critérios equitativos na distribuição do dinheiro ofende a Constituição, que requer a impessoalidade como regra na administração pública.

Não se discute a legitimidade dos congressistas para influir no processo orçamentário, tampouco os danos causados pela pulverização do dinheiro. O que está na balança é o equilíbrio entre as prerrogativas do Executivo e do Legislativo, uma seara em que o STF deveria se mover com extremo cuidado.

O acerto com o centrão garantiu a Bolsonaro proteção contra o risco de impeachment e, em contrapartida, concedeu ao Congresso excessiva autonomia no manejo de uma fatia crescente do Orçamento, equivalente a mais de um quarto das despesas não obrigatórias.

É do interesse do Executivo, seja quem for o próximo presidente, recuperar o controle sobre esses recursos, dos quais necessitará não só para executar políticas, mas também para cimentar sua base de sustentação no Parlamento.

Nada impede que um governante habilidoso reveja os termos desse arranjo com a formação de uma nova coalizão partidária, aproveitando a composição de forças a ser produzida pelas urnas.

Apoiadores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o líder da corrida presidencial, torcem para que o STF antecipe o julgamento e facilite as coisas para o próximo governo, podando as prerrogativas recém-adquiridas pelo Legislativo. Melhor seria se o tribunal esperasse o jogo começar antes de apitar.

Funil paulista

Folha de S. Paulo

Haddad é líder, e Tarcísio e Rodrigo mantêm chances; 2º turno pode ser acirrado

Embora em linhas gerais a disputa pelo governo de São Paulo permaneça estável, com a confirmação da liderança de Fernando Haddad (PT) contra Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia (PSDB), a mais recente pesquisa Datafolha mostra oscilações que reafirmam um cenário com grande margem de indefinição.

Rodrigo, por exemplo, que na sondagem anterior avançou quatro pontos percentuais, parecendo ameaçar a segunda colocação de Tarcísio, desta vez não se moveu.

O sucessor de João Doria (PSDB) no Bandeirantes manteve-se com os mesmos 19% do levantamento passado, enquanto seu adversário mais próximo variou levemente para cima, de 22% para 23%. Mesmo que a diferença situe-se no limite da margem de erro, de dois pontos para cima ou para baixo, a vantagem indica resiliência de Tarcísio, o candidato de Jair Bolsonaro (PL), na perseguição a Haddad, que desceu de 36% para 34%.

Pelos resultados numéricos, o republicano surge mais bem situado para chegar a um provável segundo turno contra o petista. Na simulação desse confronto, a pesquisa registra estreitamento da vantagem de Haddad sobre Tarcísio, que passou de 54% a 36% para 49% a 38%.

Rodrigo, porém, ainda seria o opositor mais difícil para o candidato do PT numa segunda rodada. A diferença entre os dois, que era de 6 pontos percentuais a favor do líder, oscilou para 5 pontos, ficando em 46% x 41%.

É preciso ressaltar que apenas 62% dos eleitores afirmam estar decididos sobre o voto para governador. Na resposta espontânea, aquela em que o entrevistado manifesta sua preferência sem consultar lista de nomes, 44% dizem que ainda não sabem em quem votar.

Haddad, após repetidas pesquisas, tem se mantido na liderança. O ex-ministro e ex-prefeito da capital conta com o apoio da chapa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSB), que está à frente na corrida presidencial.

Contudo, as disputas estaduais, como é sabido, não acompanham necessariamente as escolhas do eleitor no plano federal. Estados em que Lula desponta como preferido para a Presidência inclinam-se por nomes ao governo mais próximos do bolsonarismo do que da aliança petista. Pelo visto será preciso esperar os próximos dias para que o desenho do voto paulista se mostre mais consolidado.

A dimensão da liberdade de expressão

O Estado de S. Paulo

A liberdade de expressão e de imprensa tem sofrido diferentes ataques – de Bolsonaro, de Lula e, às vezes, do próprio STF. É urgente revigorar sua compreensão e fortalecer sua defesa

Numa democracia ainda em maturação, como é o caso da brasileira, o tema da liberdade de expressão, que deveria ser pacificado, ainda é objeto de barulhenta controvérsia – e, na presente campanha eleitoral, ganhou status de grande prioridade. Noves fora os exageros e as distorções, o fato é que é necessário revigorar a compreensão do que vem a ser liberdade de expressão e de imprensa, além de afastar, de forma muito firme, os ataques e as ameaças que vêm rondando o cenário nacional.

Há muita desinformação sobre o tema, o que gera confusão em muitas mentes e corações. O art. 5.º da Constituição assegura que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (inciso IV), mas a liberdade de dizer o que se pensa não é autorização para cometer crimes, como calúnia, difamação, injúria, grave ameaça ou incitação à prática de crimes. Não existe liberdade absoluta. Cada um é responsável pelo que diz e, por isso, a Constituição veda o anonimato.

Algumas vezes, a própria Justiça difundiu incompreensões sobre o tema. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe tranquilidade ao País ao reconhecer, por unanimidade, o direito de publicar biografias não autorizadas. Na ocasião, a ministra Cármen Lúcia lembrou que “o cala a boca já morreu”. No entanto, em 2019, a mesma Corte, em decisão do ministro Alexandre de Moraes, determinou a censura da revista Crusoé, por entender que determinada matéria não correspondia aos fatos. Ora, o Estado, seja em que instância for, não é censor da verdade. Logo depois, a ordem de censura foi suspensa, mas o caso serviu de alerta para o perigo de violar, sob pretexto de virtude, a liberdade de expressão e de imprensa.

Deve-se advertir que os dois primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto para presidente da República – Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro – apresentam, cada um a seu modo, ameaças à liberdade de expressão. Desde sua fundação, o PT flerta com propostas de “regulação social da mídia”. Para piorar, os petistas nunca são claros na concretização dessas ideias, o que revela o caráter intimidatório dessas propostas – querem impor um clima de apreensão sobre o jornalismo profissional –, bem como a tentativa de criar uma falsa contraposição entre interesse público e imprensa.

É impressionante como o PT, mesmo depois de todos esses anos, se recusa a ver o mal que causa ao País e à democracia o seu discurso de encabrestar os meios de comunicação. Em boa medida, o partido de Lula forneceu as condições para que Jair Bolsonaro transformasse, sob aplausos de seus apoiadores, a imprensa num inimigo a ser combatido.

Coerente com seu histórico incivilizado, Jair Bolsonaro, por sua vez, inaugurou novos patamares de ataque e de intimidação dos profissionais da imprensa, especialmente de jornalistas mulheres. O bolsonarismo é de uma covardia deprimente. Mas toda essa dinâmica de enfrentamento dos meios de comunicação tão própria do governo atual teve o seu caminho aplainado pelo discurso e pela prática petista de desmerecer os questionamentos incômodos da imprensa independente.

Em vez de assumir a responsabilidade dos atos de Dilma Rousseff – que motivaram depois o seu impeachment –, o PT preferiu criticar a “imprensa golpista”. Agora, Jair Bolsonaro usa a mesma tática, revestida – esta é a novidade – de sua grosseria habitual. Quando é questionado sobre depósitos bancários suspeitos na conta de sua mulher, Michelle, o presidente da República interrompe a entrevista. Quando é indagado sobre a compra de 51 imóveis usando dinheiro vivo, fala da vida pessoal da entrevistadora e diz que está sendo indevidamente acusado. Ninguém o acusa de nada: apenas questiona a existência de tantos indícios de lavagem de dinheiro.

Em 2023, é preciso restaurar o fiel respeito à Lei de Acesso à Informação, a legitimidade das perguntas incômodas e a transparência dos atos estatais. Hostilidade à imprensa é coisa de regime autoritário, e não de democracia.

Deficiência como barreira à cidadania

O Estado de S. Paulo

Pessoas com deficiência sofrem com desigualdades de renda e de empregabilidade e com a falta de infraestrutura em escolas, o que dificulta o exercício da cidadania

A cidadania, condição de quem tem direitos e deveres perante o Estado, independe de atributos físicos. Pessoas com deficiências mentais, físicas, intelectuais, sensoriais ou de qualquer outra natureza são cidadãos, o que significa que devem ter acesso às mesmas oportunidades que o restante da população. Nas últimas décadas, o Brasil avançou em políticas inclusivas, mas ainda há muito por fazer − como bem mostraram dois episódios na recente celebração do Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, em 21 de setembro.

Em Brasília, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recebeu a visita de 60 estudantes com diferentes tipos de deficiência. O grupo esteve no Museu do Voto e pôde conferir aperfeiçoamentos e ferramentas para tornar o processo eleitoral mais acessível. A partir do pleito deste ano, as urnas eletrônicas exibirão a imagem de uma intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras) com informações para auxiliar eleitores surdos. Já o sintetizador de voz disponível para deficientes visuais passou por melhorias. E as teclas da urna seguem identificadas também em braile.

Quanto mais representativa, mais a democracia se fortalece. Logo, o TSE acerta ao tomar iniciativas para garantir o direito ao voto por parte de eleitores com deficiência. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 17,3 milhões de pessoas com idade de 2 anos ou mais tinham deficiência em 2019. O dado é da Pesquisa Nacional de Saúde e corresponde a 8,4% da população nessa faixa etária. Entre idosos, essa proporção era bem maior: 24,8% na faixa de 60 anos ou mais.

Apesar dos avanços, o Brasil ainda convive com profundas iniquidades no que diz respeito a quem tem deficiência. Também no mesmo Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, o IBGE lançou uma publicação com dados de diversas áreas, destacando disparidades de renda e de empregabilidade. Proporcionalmente, esse segmento da população está menos presente no mercado de trabalho e recebe, em média, salários mais baixos.

O balanço do IBGE, intitulado Pessoas com deficiência e as desigualdades sociais no Brasil, jogou luz sobre outro aspecto: o despreparo de grande parte das escolas brasileiras para receber alunos com deficiência. No caso dos anos iniciais do ensino fundamental, período em que se dá (ou, pelo menos, deveria) a alfabetização das crianças, apenas 55% dos estabelecimentos educacionais tinham infraestrutura adequada. Ou seja, quase metade (45%) não tinha. Não é difícil imaginar o impacto negativo que a falta de condições mínimas de acessibilidade em tamanha quantidade de escolas há de provocar na formação dos estudantes com deficiência.

Aqui se percebe o papel transformador que políticas públicas bem desenhadas e executadas podem desempenhar. Porque, ao contrário de outros tantos desafios da educação brasileira, dotar as escolas de infraestrutura mínima para alunos com deficiência está longe de ser uma tarefa complexa que só possa ser executada a longo prazo. 

Diante de situações como essa, fica evidente também o mal que a gestão desastrada de órgãos como o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ligado ao Ministério da Educação (MEC), é capaz de gerar. Do mesmo modo, é problemática a destinação de bilhões de reais para as emendas de relator do chamado orçamento secreto, que privilegiam as bases eleitorais de parlamentares aliados do governo em detrimento de políticas públicas que poderiam verdadeiramente melhorar a infraestrutura das escolas ou sanar as demais carências das redes públicas de ensino. Isso sem falar nos casos de corrupção pura e simples de que o FNDE e o MEC têm sido fartamente acusados nos últimos tempos.

Reduzir desigualdades e promover a cidadania, para toda a população, são deveres do poder público em todos os níveis e instâncias de governo. Mais ainda quando se trata de pessoas com deficiência, que enfrentam dificuldades adicionais em seu cotidiano e em seu desenvolvimento pessoal. O modo como o País trata seus cidadãos com deficiência é um bom indicador de seu estágio de civilização e de democracia.

Os salários ainda perdem da inflação

O Estado de S. Paulo

Reajustes acertados em negociações coletivas continuam abaixo da alta dos preços, mas o quadro está mudando

Os reajustes salariais médios não ganham da inflação desde setembro de 2020. Mesmo renunciando a benefícios adicionais nas negociações com os empregadores, boa parte dos trabalhadores com emprego formal tem perda de renda real. Por causa do baixo desempenho da economia e da deterioração do mercado de trabalho até há pouco, diferentes categorias profissionais enfrentaram e ainda enfrentam dificuldades para fechar acordos e convenções coletivas que assegurem reajustes salariais maiores do que a inflação.

Em agosto, por exemplo, 43,4% dos reajustes ficaram abaixo da variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) em 12 meses, de acordo com o boletim Salariômetro.

O estudo é elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) com base nas negociações coletivas por meio de acordos (entre empresas e seus empregados) e convenções (entre categorias econômicas e profissionais) registrados no Ministério da Economia. O reajuste superou a inflação em 30,2% das negociações, mas o reajuste mediano, de 10,1%, empatou com a inflação.

Tem sido assim ao longo de 2022. De 12.621 negociações coletivas examinadas pela Fipe nos oito primeiros meses de 2022, em apenas 634 (5% do total) o reajuste superou a inflação. Ainda assim, os ganhos reais foram modestos, abaixo de 1%. A correção mediana dos salários para todo o ano é igual à inflação.

No primeiro semestre, houve mês em que o Salariômetro se referiu a um “quadro sombrio na mesa da negociação”. Isso ocorreu no relatório referente ao mês de abril, quando apenas 7,6% das negociações produziram aumento mediano acima da inflação e 47,0% resultaram em reajuste menor do que a inflação.

Tem havido alguma melhora, por causa das transformações por que passa o mercado de trabalho. A taxa de desocupação aferida pela Pnad Contínua do IBGE vem caindo há vários trimestres e, depois de ter superado 14% no auge da pandemia, baixou para 9,1% no trimestre encerrado em julho. A renda real média do trabalho voltou a crescer ao longo deste ano, mas, na última pesquisa, ainda era inferior à de um ano antes.

Ainda levará tempo para que o quadro das negociações coletivas de salários, benefícios e condições de trabalho retorne ao observado até antes do início do atual governo federal. De 2007 a 2018, com exceção dos anos da crise do governo Dilma (2015 e 2016), a grande maioria das negociações assegurou reajustes salariais superiores à inflação. Em 2012, o melhor ano do período para os salários, nada menos do que 94,2% das negociações asseguraram ganhos reais. O quadro mudou em 2019 e foi agravado pela pandemia em 2020. O resultado de agosto ainda mostra dificuldades para os trabalhadores, mas já há sinais de mudanças.

É possível que, com a gradual redução da inflação e a recuperação do mercado de trabalho, propiciada pela retomada das atividades presenciais e por estímulos ao consumo oferecidos pelo governo, mais e mais categorias profissionais venham a obter ganhos reais nas próximas negociações coletivas.

Privatizações devem ser encaradas como política de Estado

O Globo

Não se trata apenas de vender ativos para obter recursos, mas de trazer inovação e eficiência à economia

Na campanha eleitoral de 2018, o hoje ministro da Economia, Paulo Guedes, fez uma projeção que ficou célebre: arrecadaria R$ 1 trilhão com as privatizações no novo governo. O passado de Guedes, doutor pela Universidade de Chicago e ícone do liberalismo econômico no Brasil, emprestava credibilidade ao que na época não passava de palpite. Mesmo que o número parecesse exagerado, acreditava-se na intenção.

Passados quatro anos, houve avanços inegáveis em concessões de rodovias, aeroportos e telefonia. Mas o governo Jair Bolsonaro não foi na essência muito diferente de outros no que diz respeito às privatizações. O principal negócio que realizou, a venda da Eletrobras, foi contaminado pela celeuma em torno de uma lei repleta de jabutis que encarecerão a energia. O principal desafio trazido pelas privatizações persiste: criar um mercado competitivo, que beneficie o consumidor. “Quando quebramos o monopólio público, o que se quer é competição e eficiência. Sem isso, temos a maior perversidade que existe: a transferência do monopólio público para o privado”, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo o economista Luiz Chrysostomo, um dos criadores do Programa Nacional de Desestatização (PND) nos anos 1990.

De acordo com ele, as privatizações, iniciadas no governo Itamar Franco, prosseguiram, mesmo aos tropeços, por todos os governos. A esta altura, podem ser consideradas uma política de Estado, que precisa estar na agenda do presidente que assumir em 1º de janeiro, seja quem for. Não devem ser encaradas como forma de o governo se livrar de ativos para arrecadar recursos, como sugeria a frase de Guedes. O mais importante é ajudarem a aprimorar o modelo institucional e regulatório, trazendo eficiência à economia. Sem regulação benfeita, a sociedade não usufrui nenhum benefício em qualidade ou preço de serviços ou produtos.

O melhor exemplo de êxito foi a venda da Telebras, coordenada por Chrysostomo em 1998. As privatizações e licitações desde então trouxeram competição, modernização e eficiência às telecomunicações brasileiras. O principal revés na trajetória de desestatização foi o aparelhamento das agências reguladoras, a partir do governo Dilma Rousseff. Por isso são preocupantes as declarações do candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva, que desdenhou a independência das agências, numa estratégia sorrateira para manter poder nas mãos de políticos, não de técnicos. Outro absurdo é o absoluto descaso do atual governo ao não preencher vagas nesses órgãos, por isso incapacitados de supervisionar os mercados.

Entre os diferentes setores regulados, Chrysostomo considera que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) terá na crise energética global e na adoção energias alternativas (eólica, solar) a maior oportunidade de promover competição no setor. A própria privatização da Eletrobras deverá ajudar no aperfeiçoamento da Aneel.

Independentemente do que acontecerá em cada setor, o país só terá condição de se desenvolver em cima da infraestrutura ampliada e modernizada pelo capital privado. O Estado não tem condições financeiras nem vocação para arcar com tais investimentos. O fracasso retumbante do projeto megalomaníaco para fabricar sondas de exploração do petróleo do pré-sal, conduzido por ambas as gestões do PT, deve ser lembrado toda vez que qualquer governante tiver ideia semelhante.

Vitória na Itália é sinal do avanço preocupante da ultradireita europeia

O Globo

Giorgia Meloni será a primeira líder de extrema direita na Europa Ocidental desde a Segunda Guerra

Enquanto a esquerda avança na América Latina, a Europa vem registrando conquistas sucessivas da extrema direita. Depois de crescer em eleições na França e na Suécia, a ultradireita obteve ontem a vitória mais relevante já alcançada em solo europeu: conquistou o governo de um país da Europa Ocidental, a Itália, onde a coalizão comandada por Giorgia Meloni, líder do partido Irmãos da Itália, venceu as eleições de ontem.

Pesquisas de boca de urna davam à coalizão de Meloni entre 40% e 45% dos votos para a Câmara e o Senado. Pelas convolutas regras do sistema eleitoral italiano, isso poderia significar, mesmo num cenário menos provável, até mais de três quintos nas duas Casas, patamar que garantiria a possibilidade de promover mudanças constitucionais imprevisíveis. Qualquer que seja o resultado, Meloni será a primeira representante da extrema direita no comando de uma democracia na Europa Ocidental desde a Segunda Guerra — e a primeira mulher a governar a Itália.

Ex-militante de um movimento neofascista, ela já se declarou admiradora do ditador Benito Mussolini e cresceu em popularidade por ter se recusado a participar do governo de união nacional liderado pelo centrista Mario Draghi durante a pandemia. No discurso, defende todas as bandeiras que, de Donald Trump a Jair Bolsonaro, catapultaram a direita nacional-populista mundo afora: contra a imigração, contra o aborto, contra a “ideologia de gênero”, contra a intromissão da União Europeia e das “finanças internacionais”.

Sua coalizão inclui o Força Itália, do veterano ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, e a Liga, do também ultradireitista Matteo Salvini. Em contraste com Salvini, Meloni adota postura crítica em relação à Rússia de Vladimir Putin no conflito ucraniano. Para conquistar o eleitorado, também foi obrigada a moderar seu euroceticismo e suas posições em relação ao aborto e à união civil entre homossexuais (ambos são legais na Itália, e a coalizão não prevê mudanças nessas leis).

Seu maior desafio está na economia. A dívida italiana ultrapassa 150% do PIB. A população sofre com a alta da inflação, em especial os preços da energia, que dispararam com a guerra na Ucrânia. Mais de um quarto dos jovens está desempregado. O PIB per capita está estagnado há duas décadas, e a previsão é de recessão em 2023. O governo Draghi obteve € 200 bilhões em auxílio da UE depois da pandemia, em troca de reformas e medidas de austeridade — contrárias ao que prega a plataforma populista da coalizão de Meloni. É provável que ela tente buscar mais dinheiro para aliviar a crise energética, mas para isso terá de se dobrar aos ditames da UE, abrindo mão da coerência que a trouxe ao poder

A imprensa italiana especula que Meloni trará nomes moderados para ocupar os ministérios estratégicos da Economia e das Relações Exteriores. Num cenário benigno, seu extremismo será contido pela pressão externa e por instituições hoje comandadas por centristas, caso da Presidência da República e do Judiciário. É o desejável — mas não há garantia.

STF combate farra das armas, mas método ainda é prova

Valor Econômico

Arsenal em poder dos chamados CACs cresceu de 350 mil armas para mais de 1 milhão nos últimos anos

Em mais uma demonstração de que o sistema de pesos e contrapesos está em pleno funcionamento na República Federativa do Brasil, o Supremo Tribunal Federal entrou em ação novamente na semana passada. Desta vez, para dar um freio a decretos do presidente Jair Bolsonaro que flexibilizavam a compra e o porte de armas e munições.

Quanto ao mérito, venceu, com folga, o bom senso. Será preciso verificar à frente, contudo, se o método utilizado para destravar o julgamento do caso não terá desdobramentos negativos para o funcionamento da Corte. Isso porque no dia 5 de setembro o relator, ministro Edson Fachin, concedeu liminar para suspender a norma, citando o risco de violência política nas eleições e a demora do ministro Nunes Marques em devolver o processo à pauta.

Nunes Marques havia pedido vista, ou seja, solicitado mais tempo para analisar o assunto. Algo legítimo, mas que muitas vezes é utilizado com o objetivo de impedir a conclusão de um julgamento. Diante do impasse (ou da demora), Fachin concedeu a liminar e levou sua decisão para o plenário virtual. Ela foi referendada pela maioria: apenas dois ministros divergiram do relator, justamente os magistrados indicados pelo chefe do Poder Executivo, o próprio Nunes Marques e André Mendonça.

A preocupação dos outros nove magistrados tem fundamento. Pela estimativa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o arsenal em poder dos chamados CACs - caçadores, atiradores e colecionadores - cresceu de 350 mil armas para mais de 1 milhão nos últimos anos. Esse dado reflete o maior acesso que o grupo, majoritariamente formado por bolsonaristas, passou a ter a equipamentos e munições, inclusive de calibres mais letais.

Segundo publicou o Valor em recente reportagem, um número sem precedentes de armas de fogo chegou ao Brasil nos últimos dois meses. Foram 40.303 revólveres e pistolas em julho e 39.389 em agosto. Em 25 anos, segundo as estatísticas disponibilizadas pelo Ministério da Economia, nunca tantas armas de fogo foram trazidas ao país por mês. Em outras palavras, o equivalente a mais de 1.200 armas de fabricantes estrangeiros entrou por dia no Brasil ao longo desses meses.

Para especialistas, esse movimento teria relação com a possibilidade de um endurecimento das regras em caso de mudança de governo a partir de 2023. Afinal, algo parecido ocorreu nos Estados Unidos, quando americanos adeptos de armas ampliaram seus arsenais diante da perspectiva de vitória do Partido Democrata nos pleitos de 2008 e 2020, antes das eleições de Barack Obama e Joe Biden, respectivamente.

Sendo certeira ou não essa comparação feita pelos especialistas, o fato é que o aumento da circulação das armas de fogo no país trouxe variados problemas para a área de segurança pública. O jornal “O Globo”, por exemplo, revelou que investigações das polícias de quatro Estados apontaram a atuação de pessoas registradas como CACs no fornecimento de armas e munição para o crime organizado. A clientela seria formada por quadrilhas especializadas em roubos de grandes quantias por meio de ataques a agências bancárias e transportadoras de valores.

Para o ministro-relator, contudo, o cenário eleitoral havia tornado ainda mais urgente a tomada de uma medida cautelar. “Deve-se indagar se a facilitação à circulação de armas na sociedade aumenta ou diminui a expectativa de violência provada. Penso que se deve concluir pelo aumento do risco e consequente violação do dever de proteção pelo Estado”, anotou Fachin em seu voto.

Esse cenário é ainda mais grave diante da constatação de que os chamados CACs têm utilizado o chamado “porte de trânsito” para circular pelas ruas do país, alegando que estão se dirigindo para clubes de tiro com o objetivo de treinar ou praticar esporte. De uns tempos para cá, foram criados estabelecimentos desse tipo de alcance nacional ou com funcionamento 24 horas por dia, uma artimanha para justificar a circulação de armas e munição em qualquer horário e local.

Ganha importância também, portanto, a possibilidade de o Judiciário analisar o funcionamento dos clubes de tiro no dia da eleição. A ideia foi apresentada ao presidente Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por chefes das Polícias Civis.

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