Editoriais / Opiniões
Emendas em jogo
Folha de S. Paulo
STF deve se conter ao rever prerrogativa de
Executivo e Legislativo no Orçamento
Em dezembro do ano passado, o Supremo
Tribunal Federal impôs um necessário limite ao esquema articulado entre Jair
Bolsonaro (PL) e as siglas do centrão para garantir apoio ao governo no
Congresso.
Ao suspender temporariamente a execução das
emendas orçamentárias bilionárias controladas pelo bloco partidário, a corte
exigiu maior transparência na aplicação do dinheiro e incentivou os
parlamentares a rever as regras do opaco mecanismo então instituído.
Para convencer o STF a desbloquear as verbas,
o Legislativo passou a divulgar informações mais detalhadas sobre as chamadas
emendas de relator e estabeleceu certas normas, incluindo um teto para os
recursos destinados anualmente ao instrumento.
A ação do tribunal contribuiu assim para
expor patrocinadores e beneficiários das verbas à luz do sol, criando condições
para que a imprensa e os órgãos de controle investigassem favorecimentos,
desvios e desperdícios.
Ficou pendente, porém, o julgamento do mérito das ações que questionam a legalidade dessas emendas, que dispõem neste ano de R$ 16,5 bilhões para obras e outras benesses em redutos eleitorais de deputados e senadores.
Os partidos de oposição que levaram o
problema ao tribunal argumentam que a ausência de critérios equitativos na distribuição
do dinheiro ofende a Constituição, que requer a impessoalidade como regra na
administração pública.
Não se discute a legitimidade dos
congressistas para influir no processo orçamentário, tampouco os danos causados
pela pulverização do dinheiro. O que está na balança é o equilíbrio entre as
prerrogativas do Executivo e do Legislativo, uma seara em que o STF deveria se
mover com extremo cuidado.
O acerto com o centrão garantiu a Bolsonaro
proteção contra o risco de impeachment e, em contrapartida, concedeu ao
Congresso excessiva autonomia no manejo de uma fatia crescente do Orçamento,
equivalente a mais de um quarto das despesas não obrigatórias.
É do interesse do Executivo, seja quem for
o próximo presidente, recuperar o controle sobre esses recursos, dos quais
necessitará não só para executar políticas, mas também para cimentar sua base
de sustentação no Parlamento.
Nada impede que um governante habilidoso
reveja os termos desse arranjo com a formação de uma nova coalizão partidária,
aproveitando a composição de forças a ser produzida pelas urnas.
Apoiadores de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), o líder da corrida presidencial, torcem para que o STF antecipe o
julgamento e facilite as coisas para o próximo governo, podando as
prerrogativas recém-adquiridas pelo Legislativo. Melhor seria se o tribunal
esperasse o jogo começar antes de apitar.
Funil paulista
Folha de S. Paulo
Haddad é líder, e Tarcísio e Rodrigo mantêm
chances; 2º turno pode ser acirrado
Embora em linhas gerais a disputa pelo
governo de São Paulo permaneça estável, com a confirmação da liderança de
Fernando Haddad (PT) contra Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia
(PSDB), a mais recente
pesquisa Datafolha mostra oscilações que reafirmam um cenário
com grande margem de indefinição.
Rodrigo, por exemplo, que na sondagem
anterior avançou quatro pontos percentuais, parecendo ameaçar a segunda
colocação de Tarcísio, desta vez não se moveu.
O sucessor de João Doria (PSDB) no
Bandeirantes manteve-se com os mesmos 19% do levantamento passado, enquanto seu
adversário mais próximo variou levemente para cima, de 22% para 23%. Mesmo que
a diferença situe-se no limite da margem de erro, de dois pontos para cima ou
para baixo, a vantagem indica resiliência de Tarcísio, o candidato de Jair
Bolsonaro (PL), na perseguição a Haddad, que desceu de 36% para 34%.
Pelos resultados numéricos, o republicano
surge mais bem situado para chegar a um provável segundo turno contra o
petista. Na simulação desse confronto, a pesquisa registra estreitamento da
vantagem de Haddad sobre Tarcísio, que passou de 54% a 36% para 49% a 38%.
Rodrigo, porém, ainda seria o opositor mais
difícil para o candidato do PT numa segunda rodada. A diferença entre os dois,
que era de 6 pontos percentuais a favor do líder, oscilou para 5 pontos,
ficando em 46% x 41%.
É preciso ressaltar que apenas 62% dos eleitores
afirmam estar decididos sobre o voto para governador. Na resposta espontânea,
aquela em que o entrevistado manifesta sua preferência sem consultar lista de
nomes, 44% dizem que ainda não sabem em quem votar.
Haddad, após repetidas pesquisas, tem se mantido
na liderança. O ex-ministro e ex-prefeito da capital conta com o apoio da chapa
de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Geraldo Alckmin (PSB), que está à frente na
corrida presidencial.
Contudo, as disputas estaduais, como é sabido, não acompanham necessariamente as escolhas do eleitor no plano federal. Estados em que Lula desponta como preferido para a Presidência inclinam-se por nomes ao governo mais próximos do bolsonarismo do que da aliança petista. Pelo visto será preciso esperar os próximos dias para que o desenho do voto paulista se mostre mais consolidado.
A dimensão da liberdade de expressão
O Estado de S. Paulo
A liberdade de expressão e de imprensa tem sofrido diferentes ataques – de Bolsonaro, de Lula e, às vezes, do próprio STF. É urgente revigorar sua compreensão e fortalecer sua defesa
Numa democracia ainda em maturação, como é
o caso da brasileira, o tema da liberdade de expressão, que deveria ser
pacificado, ainda é objeto de barulhenta controvérsia – e, na presente campanha
eleitoral, ganhou status de grande prioridade. Noves fora os exageros e as
distorções, o fato é que é necessário revigorar a compreensão do que vem a ser
liberdade de expressão e de imprensa, além de afastar, de forma muito firme, os
ataques e as ameaças que vêm rondando o cenário nacional.
Há muita desinformação sobre o tema, o que
gera confusão em muitas mentes e corações. O art. 5.º da Constituição assegura
que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” (inciso
IV), mas a liberdade de dizer o que se pensa não é autorização para cometer
crimes, como calúnia, difamação, injúria, grave ameaça ou incitação à prática
de crimes. Não existe liberdade absoluta. Cada um é responsável pelo que diz e,
por isso, a Constituição veda o anonimato.
Algumas vezes, a própria Justiça difundiu
incompreensões sobre o tema. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe
tranquilidade ao País ao reconhecer, por unanimidade, o direito de publicar
biografias não autorizadas. Na ocasião, a ministra Cármen Lúcia lembrou que “o
cala a boca já morreu”. No entanto, em 2019, a mesma Corte, em decisão do
ministro Alexandre de Moraes, determinou a censura da revista Crusoé, por
entender que determinada matéria não correspondia aos fatos. Ora, o Estado,
seja em que instância for, não é censor da verdade. Logo depois, a ordem de
censura foi suspensa, mas o caso serviu de alerta para o perigo de violar, sob
pretexto de virtude, a liberdade de expressão e de imprensa.
Deve-se advertir que os dois primeiros
colocados nas pesquisas de intenção de voto para presidente da República – Luiz
Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro – apresentam, cada um a seu modo, ameaças
à liberdade de expressão. Desde sua fundação, o PT flerta com propostas de
“regulação social da mídia”. Para piorar, os petistas nunca são claros na
concretização dessas ideias, o que revela o caráter intimidatório dessas
propostas – querem impor um clima de apreensão sobre o jornalismo profissional
–, bem como a tentativa de criar uma falsa contraposição entre interesse
público e imprensa.
É impressionante como o PT, mesmo depois de
todos esses anos, se recusa a ver o mal que causa ao País e à democracia o seu
discurso de encabrestar os meios de comunicação. Em boa medida, o partido de
Lula forneceu as condições para que Jair Bolsonaro transformasse, sob aplausos
de seus apoiadores, a imprensa num inimigo a ser combatido.
Coerente com seu histórico incivilizado,
Jair Bolsonaro, por sua vez, inaugurou novos patamares de ataque e de
intimidação dos profissionais da imprensa, especialmente de jornalistas
mulheres. O bolsonarismo é de uma covardia deprimente. Mas toda essa dinâmica
de enfrentamento dos meios de comunicação tão própria do governo atual teve o
seu caminho aplainado pelo discurso e pela prática petista de desmerecer os
questionamentos incômodos da imprensa independente.
Em vez de assumir a responsabilidade dos
atos de Dilma Rousseff – que motivaram depois o seu impeachment –, o PT
preferiu criticar a “imprensa golpista”. Agora, Jair Bolsonaro usa a mesma
tática, revestida – esta é a novidade – de sua grosseria habitual. Quando é
questionado sobre depósitos bancários suspeitos na conta de sua mulher,
Michelle, o presidente da República interrompe a entrevista. Quando é indagado
sobre a compra de 51 imóveis usando dinheiro vivo, fala da vida pessoal da
entrevistadora e diz que está sendo indevidamente acusado. Ninguém o acusa de
nada: apenas questiona a existência de tantos indícios de lavagem de dinheiro.
Em 2023, é preciso restaurar o fiel respeito à Lei de Acesso à Informação, a legitimidade das perguntas incômodas e a transparência dos atos estatais. Hostilidade à imprensa é coisa de regime autoritário, e não de democracia.
Deficiência como barreira à cidadania
O Estado de S. Paulo
Pessoas com deficiência sofrem com desigualdades de renda e de empregabilidade e com a falta de infraestrutura em escolas, o que dificulta o exercício da cidadania
A cidadania, condição de quem tem direitos
e deveres perante o Estado, independe de atributos físicos. Pessoas com
deficiências mentais, físicas, intelectuais, sensoriais ou de qualquer outra
natureza são cidadãos, o que significa que devem ter acesso às mesmas
oportunidades que o restante da população. Nas últimas décadas, o Brasil
avançou em políticas inclusivas, mas ainda há muito por fazer − como bem
mostraram dois episódios na recente celebração do Dia Nacional de Luta da
Pessoa com Deficiência, em 21 de setembro.
Em Brasília, o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) recebeu a visita de 60 estudantes com diferentes tipos de deficiência. O
grupo esteve no Museu do Voto e pôde conferir aperfeiçoamentos e ferramentas
para tornar o processo eleitoral mais acessível. A partir do pleito deste ano,
as urnas eletrônicas exibirão a imagem de uma intérprete da Língua Brasileira
de Sinais (Libras) com informações para auxiliar eleitores surdos. Já o
sintetizador de voz disponível para deficientes visuais passou por melhorias. E
as teclas da urna seguem identificadas também em braile.
Quanto mais representativa, mais a
democracia se fortalece. Logo, o TSE acerta ao tomar iniciativas para garantir
o direito ao voto por parte de eleitores com deficiência. De acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 17,3 milhões de pessoas com idade
de 2 anos ou mais tinham deficiência em 2019. O dado é da Pesquisa Nacional de
Saúde e corresponde a 8,4% da população nessa faixa etária. Entre idosos, essa
proporção era bem maior: 24,8% na faixa de 60 anos ou mais.
Apesar dos avanços, o Brasil ainda convive
com profundas iniquidades no que diz respeito a quem tem deficiência. Também no
mesmo Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, o IBGE lançou uma
publicação com dados de diversas áreas, destacando disparidades de renda e de
empregabilidade. Proporcionalmente, esse segmento da população está menos
presente no mercado de trabalho e recebe, em média, salários mais baixos.
O balanço do IBGE, intitulado Pessoas
com deficiência e as desigualdades sociais no Brasil, jogou luz sobre outro
aspecto: o despreparo de grande parte das escolas brasileiras para receber
alunos com deficiência. No caso dos anos iniciais do ensino fundamental,
período em que se dá (ou, pelo menos, deveria) a alfabetização das crianças,
apenas 55% dos estabelecimentos educacionais tinham infraestrutura adequada. Ou
seja, quase metade (45%) não tinha. Não é difícil imaginar o impacto negativo
que a falta de condições mínimas de acessibilidade em tamanha quantidade de
escolas há de provocar na formação dos estudantes com deficiência.
Aqui se percebe o papel transformador que
políticas públicas bem desenhadas e executadas podem desempenhar. Porque, ao
contrário de outros tantos desafios da educação brasileira, dotar as escolas de
infraestrutura mínima para alunos com deficiência está longe de ser uma tarefa
complexa que só possa ser executada a longo prazo.
Diante de situações como essa, fica
evidente também o mal que a gestão desastrada de órgãos como o Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ligado ao Ministério da Educação (MEC),
é capaz de gerar. Do mesmo modo, é problemática a destinação de bilhões de
reais para as emendas de relator do chamado orçamento secreto, que privilegiam
as bases eleitorais de parlamentares aliados do governo em detrimento de
políticas públicas que poderiam verdadeiramente melhorar a infraestrutura das
escolas ou sanar as demais carências das redes públicas de ensino. Isso sem
falar nos casos de corrupção pura e simples de que o FNDE e o MEC têm sido
fartamente acusados nos últimos tempos.
Reduzir desigualdades e promover a cidadania, para toda a população, são deveres do poder público em todos os níveis e instâncias de governo. Mais ainda quando se trata de pessoas com deficiência, que enfrentam dificuldades adicionais em seu cotidiano e em seu desenvolvimento pessoal. O modo como o País trata seus cidadãos com deficiência é um bom indicador de seu estágio de civilização e de democracia.
Os salários ainda perdem da inflação
O Estado de S. Paulo
Reajustes acertados em negociações coletivas continuam abaixo da alta dos preços, mas o quadro está mudando
Os reajustes salariais médios não ganham da
inflação desde setembro de 2020. Mesmo renunciando a benefícios adicionais nas
negociações com os empregadores, boa parte dos trabalhadores com emprego formal
tem perda de renda real. Por causa do baixo desempenho da economia e da
deterioração do mercado de trabalho até há pouco, diferentes categorias
profissionais enfrentaram e ainda enfrentam dificuldades para fechar acordos e
convenções coletivas que assegurem reajustes salariais maiores do que a
inflação.
Em agosto, por exemplo, 43,4% dos reajustes
ficaram abaixo da variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) em
12 meses, de acordo com o boletim Salariômetro.
O estudo é elaborado pela Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) com base nas negociações coletivas por
meio de acordos (entre empresas e seus empregados) e convenções (entre
categorias econômicas e profissionais) registrados no Ministério da Economia. O
reajuste superou a inflação em 30,2% das negociações, mas o reajuste mediano,
de 10,1%, empatou com a inflação.
Tem sido assim ao longo de 2022. De 12.621
negociações coletivas examinadas pela Fipe nos oito primeiros meses de 2022, em
apenas 634 (5% do total) o reajuste superou a inflação. Ainda assim, os ganhos
reais foram modestos, abaixo de 1%. A correção mediana dos salários para todo o
ano é igual à inflação.
No primeiro semestre, houve mês em que
o Salariômetro se referiu a um “quadro sombrio na mesa da
negociação”. Isso ocorreu no relatório referente ao mês de abril, quando apenas
7,6% das negociações produziram aumento mediano acima da inflação e 47,0%
resultaram em reajuste menor do que a inflação.
Tem havido alguma melhora, por causa das
transformações por que passa o mercado de trabalho. A taxa de desocupação
aferida pela Pnad Contínua do IBGE vem caindo há vários trimestres e, depois de
ter superado 14% no auge da pandemia, baixou para 9,1% no trimestre encerrado
em julho. A renda real média do trabalho voltou a crescer ao longo deste ano,
mas, na última pesquisa, ainda era inferior à de um ano antes.
Ainda levará tempo para que o quadro das
negociações coletivas de salários, benefícios e condições de trabalho retorne
ao observado até antes do início do atual governo federal. De 2007 a 2018, com
exceção dos anos da crise do governo Dilma (2015 e 2016), a grande maioria das
negociações assegurou reajustes salariais superiores à inflação. Em 2012, o
melhor ano do período para os salários, nada menos do que 94,2% das negociações
asseguraram ganhos reais. O quadro mudou em 2019 e foi agravado pela pandemia
em 2020. O resultado de agosto ainda mostra dificuldades para os trabalhadores,
mas já há sinais de mudanças.
É possível que, com a gradual redução da inflação e a recuperação do mercado de trabalho, propiciada pela retomada das atividades presenciais e por estímulos ao consumo oferecidos pelo governo, mais e mais categorias profissionais venham a obter ganhos reais nas próximas negociações coletivas.
Privatizações devem ser encaradas como
política de Estado
O Globo
Não se trata apenas de vender ativos para
obter recursos, mas de trazer inovação e eficiência à economia
Na campanha eleitoral de 2018, o hoje
ministro da Economia, Paulo Guedes, fez uma projeção que ficou célebre:
arrecadaria R$ 1 trilhão com as privatizações no novo governo. O passado de
Guedes, doutor pela Universidade de Chicago e ícone do liberalismo econômico no
Brasil, emprestava credibilidade ao que na época não passava de palpite. Mesmo
que o número parecesse exagerado, acreditava-se na intenção.
Passados quatro anos, houve avanços
inegáveis em concessões de rodovias, aeroportos e telefonia. Mas o governo Jair
Bolsonaro não foi na essência muito diferente de outros no que diz respeito às
privatizações. O principal negócio que realizou, a venda da Eletrobras,
foi contaminado pela celeuma em torno de uma lei repleta de jabutis que
encarecerão a energia. O principal desafio trazido pelas privatizações
persiste: criar um mercado competitivo, que beneficie o consumidor. “Quando
quebramos o monopólio público, o que se quer é competição e eficiência. Sem
isso, temos a maior perversidade que existe: a transferência do monopólio
público para o privado”, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo o economista
Luiz Chrysostomo, um dos criadores do Programa Nacional de Desestatização (PND)
nos anos 1990.
De acordo com ele, as privatizações,
iniciadas no governo Itamar Franco, prosseguiram, mesmo aos tropeços, por todos
os governos. A esta altura, podem ser consideradas uma política de Estado, que
precisa estar na agenda do presidente que assumir em 1º de janeiro, seja quem
for. Não devem ser encaradas como forma de o governo se livrar de ativos para
arrecadar recursos, como sugeria a frase de Guedes. O mais importante é
ajudarem a aprimorar o modelo institucional e regulatório, trazendo eficiência
à economia. Sem regulação benfeita, a sociedade não usufrui nenhum benefício em
qualidade ou preço de serviços ou produtos.
O melhor exemplo de êxito foi a venda da
Telebras, coordenada por Chrysostomo em 1998. As privatizações e licitações
desde então trouxeram competição, modernização e eficiência às telecomunicações
brasileiras. O principal revés na trajetória de desestatização foi o
aparelhamento das agências reguladoras, a partir do governo Dilma Rousseff. Por
isso são preocupantes as declarações do candidato petista Luiz Inácio Lula da
Silva, que desdenhou a independência das agências, numa estratégia sorrateira
para manter poder nas mãos de políticos, não de técnicos. Outro absurdo é o
absoluto descaso do atual governo ao não preencher vagas nesses órgãos, por
isso incapacitados de supervisionar os mercados.
Entre os diferentes setores regulados,
Chrysostomo considera que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
terá na crise energética global e na adoção energias alternativas (eólica,
solar) a maior oportunidade de promover competição no setor. A própria
privatização da Eletrobras deverá ajudar no aperfeiçoamento da Aneel.
Independentemente do que acontecerá em cada
setor, o país só terá condição de se desenvolver em cima da infraestrutura
ampliada e modernizada pelo capital privado. O Estado não tem condições
financeiras nem vocação para arcar com tais investimentos. O fracasso
retumbante do projeto megalomaníaco para fabricar sondas de exploração do
petróleo do pré-sal, conduzido por ambas as gestões do PT, deve ser lembrado
toda vez que qualquer governante tiver ideia semelhante.
Vitória na Itália é sinal do avanço
preocupante da ultradireita europeia
O Globo
Giorgia Meloni será a primeira líder de
extrema direita na Europa Ocidental desde a Segunda Guerra
Enquanto a esquerda avança na América
Latina, a Europa vem registrando conquistas sucessivas da extrema direita.
Depois de crescer em eleições na França e na Suécia, a ultradireita obteve
ontem a vitória mais relevante já alcançada em solo europeu: conquistou o
governo de um país da Europa Ocidental, a Itália, onde a
coalizão comandada por Giorgia Meloni, líder do partido Irmãos da Itália,
venceu as eleições de ontem.
Pesquisas de boca de urna davam à coalizão
de Meloni entre 40% e 45% dos votos para a Câmara e o Senado. Pelas convolutas
regras do sistema eleitoral italiano, isso poderia significar, mesmo num
cenário menos provável, até mais de três quintos nas duas Casas, patamar que
garantiria a possibilidade de promover mudanças constitucionais imprevisíveis.
Qualquer que seja o resultado, Meloni será a primeira representante da extrema
direita no comando de uma democracia na Europa Ocidental desde a Segunda Guerra
— e a primeira mulher a governar a Itália.
Ex-militante de um movimento neofascista,
ela já se declarou admiradora do ditador Benito Mussolini e cresceu em
popularidade por ter se recusado a participar do governo de união nacional
liderado pelo centrista Mario Draghi durante a pandemia. No discurso, defende
todas as bandeiras que, de Donald Trump a Jair Bolsonaro, catapultaram a
direita nacional-populista mundo afora: contra a imigração, contra o aborto,
contra a “ideologia de gênero”, contra a intromissão da União Europeia e das
“finanças internacionais”.
Sua coalizão inclui o Força Itália, do
veterano ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, e a Liga, do também
ultradireitista Matteo Salvini. Em contraste com Salvini, Meloni adota postura
crítica em relação à Rússia de Vladimir Putin no conflito ucraniano. Para
conquistar o eleitorado, também foi obrigada a moderar seu euroceticismo e suas
posições em relação ao aborto e à união civil entre homossexuais (ambos são
legais na Itália, e a coalizão não prevê mudanças nessas leis).
Seu maior desafio está na economia. A
dívida italiana ultrapassa 150% do PIB. A população sofre com a alta da
inflação, em especial os preços da energia, que dispararam com a guerra na Ucrânia.
Mais de um quarto dos jovens está desempregado. O PIB per capita está estagnado
há duas décadas, e a previsão é de recessão em 2023. O governo Draghi obteve €
200 bilhões em auxílio da UE depois da pandemia, em troca de reformas e medidas
de austeridade — contrárias ao que prega a plataforma populista da coalizão de
Meloni. É provável que ela tente buscar mais dinheiro para aliviar a crise
energética, mas para isso terá de se dobrar aos ditames da UE, abrindo mão da
coerência que a trouxe ao poder
A imprensa italiana especula que Meloni
trará nomes moderados para ocupar os ministérios estratégicos da Economia e das
Relações Exteriores. Num cenário benigno, seu extremismo será contido pela
pressão externa e por instituições hoje comandadas por centristas, caso da
Presidência da República e do Judiciário. É o desejável — mas não há garantia.
STF combate farra das armas, mas método
ainda é prova
Valor Econômico
Arsenal em poder dos chamados CACs cresceu
de 350 mil armas para mais de 1 milhão nos últimos anos
Em mais uma demonstração de que o sistema
de pesos e contrapesos está em pleno funcionamento na República Federativa do
Brasil, o Supremo Tribunal Federal entrou em ação novamente na semana passada.
Desta vez, para dar um freio a decretos do presidente Jair Bolsonaro que
flexibilizavam a compra e o porte de armas e munições.
Quanto ao mérito, venceu, com folga, o bom
senso. Será preciso verificar à frente, contudo, se o método utilizado para
destravar o julgamento do caso não terá desdobramentos negativos para o
funcionamento da Corte. Isso porque no dia 5 de setembro o relator, ministro
Edson Fachin, concedeu liminar para suspender a norma, citando o risco de
violência política nas eleições e a demora do ministro Nunes Marques em
devolver o processo à pauta.
Nunes Marques havia pedido vista, ou seja,
solicitado mais tempo para analisar o assunto. Algo legítimo, mas que muitas
vezes é utilizado com o objetivo de impedir a conclusão de um julgamento.
Diante do impasse (ou da demora), Fachin concedeu a liminar e levou sua decisão
para o plenário virtual. Ela foi referendada pela maioria: apenas dois
ministros divergiram do relator, justamente os magistrados indicados pelo chefe
do Poder Executivo, o próprio Nunes Marques e André Mendonça.
A preocupação dos outros nove magistrados
tem fundamento. Pela estimativa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
(FBSP), o arsenal em poder dos chamados CACs - caçadores, atiradores e
colecionadores - cresceu de 350 mil armas para mais de 1 milhão nos últimos
anos. Esse dado reflete o maior acesso que o grupo, majoritariamente formado
por bolsonaristas, passou a ter a equipamentos e munições, inclusive de
calibres mais letais.
Segundo publicou o Valor em recente
reportagem, um número sem precedentes de armas de fogo chegou ao Brasil nos
últimos dois meses. Foram 40.303 revólveres e pistolas em julho e 39.389 em
agosto. Em 25 anos, segundo as estatísticas disponibilizadas pelo Ministério da
Economia, nunca tantas armas de fogo foram trazidas ao país por mês. Em outras
palavras, o equivalente a mais de 1.200 armas de fabricantes estrangeiros
entrou por dia no Brasil ao longo desses meses.
Para especialistas, esse movimento teria
relação com a possibilidade de um endurecimento das regras em caso de mudança
de governo a partir de 2023. Afinal, algo parecido ocorreu nos Estados Unidos,
quando americanos adeptos de armas ampliaram seus arsenais diante da
perspectiva de vitória do Partido Democrata nos pleitos de 2008 e 2020, antes
das eleições de Barack Obama e Joe Biden, respectivamente.
Sendo certeira ou não essa comparação feita
pelos especialistas, o fato é que o aumento da circulação das armas de fogo no
país trouxe variados problemas para a área de segurança pública. O jornal “O
Globo”, por exemplo, revelou que investigações das polícias de quatro Estados
apontaram a atuação de pessoas registradas como CACs no fornecimento de armas e
munição para o crime organizado. A clientela seria formada por quadrilhas
especializadas em roubos de grandes quantias por meio de ataques a agências bancárias
e transportadoras de valores.
Para o ministro-relator, contudo, o cenário
eleitoral havia tornado ainda mais urgente a tomada de uma medida cautelar.
“Deve-se indagar se a facilitação à circulação de armas na sociedade aumenta ou
diminui a expectativa de violência provada. Penso que se deve concluir pelo
aumento do risco e consequente violação do dever de proteção pelo Estado”,
anotou Fachin em seu voto.
Esse cenário é ainda mais grave diante da
constatação de que os chamados CACs têm utilizado o chamado “porte de trânsito”
para circular pelas ruas do país, alegando que estão se dirigindo para clubes
de tiro com o objetivo de treinar ou praticar esporte. De uns tempos para cá,
foram criados estabelecimentos desse tipo de alcance nacional ou com funcionamento
24 horas por dia, uma artimanha para justificar a circulação de armas e munição
em qualquer horário e local.
Ganha importância também, portanto, a possibilidade de o Judiciário analisar o funcionamento dos clubes de tiro no dia da eleição. A ideia foi apresentada ao presidente Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por chefes das Polícias Civis.
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