O Povo
Harvard foi a primeira universidade de elite
dos Estados Unidos a não aceitar as imposições do governo Trump e resistir à
ameaça de perder fundos federais da ordem de US$ 2 bilhões
Há pouco mais de dois anos, escrevi aqui sobre um relatório que Harvard divulgou sobre seu
papel no processo de escravização de pessoas nos Estados Unidos. Pediu
perdão por ter contribuído de forma positiva para a escravidão, por ter
aceito em seu campus pessoas escravizadas que serviam a seus alunos e
professores, por ter incentivado ideias que propagavam e consolidavam a
escravidão, e por ter sido lenta, muito lenta, - e em alguns momentos até
dificultado - em aceitar alunos negros.
A instituição chegou a expulsar “três estudantes negros matriculados na Faculdade de Medicina, em 1850, por pressão de alunos brancos”. Mais de 100 anos depois, em 1960, Harvard reconheceu que havia apenas 9 homens negros entre os 1212 selecionados para estudar na universidade de elite americana. As desculpas e criação de um fundo de US$ 100 milhões, a fim de promover ações de reparação jamais haviam sido feitas durante um governo de Donald Trump, como estamos vendo agora.
O terceiro mandato do republicano não apenas
está dando uma guinada no mercado internacional cujo desenho foi
rascunhado pelos próprios Estados Unidos que, ao estabelecer as bases para um
mercado global, fincou os pilares no comércio internacional como o conhecemos
hoje.
Gigantes, os Estados Unidos ajudaram a
quebrar barreiras de proteção de muitas economias, erguendo um modelo que
embora há anos seja visto como concentrador de rendas e desigual para os países
mais pobres, é alavancador de riquezas para os países ricos. Verdade que tudo
tem seu preço e os próprios Estados Unidos também descobriram isso, e Trump
achou que era fácil desfazer tudo usando truques de marketing como o “Dia da
Libertação”.
O presidente da segunda maior potência econômica do mundo está investindo contra a liberdade de atuação das universidades americanas e Harvard parece ter aprendido a lição. Foi a primeira a se posicionar contra as determinações do governo de Trump, mesmo sob a ameaça de perder verbas federais da ordem de USS 2 bilhões.
A universidade se recusou a extinguir, por
exemplo, todas as suas políticas de promoção à diversidade, o que, com certeza,
põe em xeque os novos direcionamentos que a instituição anunciou há poucos
anos. Harvard também disse não a Trump quanto a proibir qualquer
manifestação em seus campus contra políticas adotadas pelo atual governo, como
por exemplo, as voltadas ao antissemitismo, cuja interpretação, alcança
qualquer reação às decisões anti-humanitárias em Gaza pelo governo norte-americano.
A decisão de Harvard talvez incentive que
outras universidades atacadas e ameaçadas com cortes de verbas repensem seu
papel num momento de imensa inflexão das liberdades de expressão nos
Estados Unidos com a prisão de estudantes e a expulsão de alunos e
professores estrangeiros.
Ao lançar mão de leis do século XIX e propor
um mundo do século XVIII, Trump faz o que todo autoritário ama. Por não
ter um plano para o futuro, agarra-se ao passado como única alternativa por ter
a breve ilusão de conhecê-lo e a esperança de que é possível trazê-lo de volta
aos trancos e barrancos. Não há futuro no autoritarismo.
*Jornalista, mestre em Literatura comparada
UFC
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