O Globo
A extrema direita promete restaurar a
bordoadas o reino perdido dos homens. A esquerda os trata a sopapos
Atende pelo nome de “heteropessimismo” o novo
assunto predileto de certas rodas femininas. O termo reflete o desencanto que
mulheres dizem sentir em relação aos homens heterossexuais de que se aproximam
na esperança de encontrar um par amoroso. O pessimismo, afirmam, vem de eles se
mostrarem imaturos, egoístas ou sumirem depois de um encontro que, ao menos aos
olhos delas, parecia promissor.
Nas muitas reportagens publicadas sobre o assunto, chama a atenção a ausência de entrevistados homens, assim como a unânime responsabilização do gênero pelo mal-estar feminino. Segundo diz uma psicóloga, os homens frustram as expectativas de suas parceiras potenciais porque carecem de empatia, autoconhecimento e “vontade de evoluir”. Para outra especialista, apenas se eles repensarem seu “comportamento machista, seus privilégios” e aprenderem a se relacionar da forma correta (“mais empática, justa e emocionalmente engajada”), “deixarão de ser fontes constantes de sofrimento para as mulheres”. O “heteropessimismo” é mais uma das modas que contribuem para a ideia de que é preciso “reformar” os homens.
Trata-se de uma convicção com origem na
doutrina identitária em sua forma mais simplista e propalada: existem pessoas
desprivilegiadas e oprimidas, e elas são desprivilegiadas e oprimidas sobretudo
por causa de suas identidades. É o caso de mulheres, negros e trans. Na outra
ponta, estão os privilegiados e opressores —que, da mesma forma, são
privilegiados e opressores por causa de suas identidades. Homens brancos
heterossexuais são os principais representantes dessa categoria e, no topo da
pirâmide da vilania, precisam ser reconstruídos.
E, aqui, entram em cena os salvadores da
pátria.
“Eu bebo cerveja. Eu tenho uma caixa de
ferramentas. Eu protejo minha família. Eu como carne. Eu apoio Trump.” Os
dizeres de uma das camisetas mais vendidas nos comícios do presidente americano
ilustram a mesma masculinidade performática que promoveu em seu governo Jair
Bolsonaro — adepto da linguagem de boteco e da distribuição de armas para todos.
Ao celebrar a mais caricata imagem masculina, ele e Trump fazem o contraponto a
narrativas identitárias segundo as quais o homem é monopolizador de privilégios
e depositário dos defeitos morais causadores de todos os males — da mudança
climática à fome em Gaza, passando pelo sofrimento afetivo das mulheres.
Assim como Trump e Bolsonaro, favorecidos
pela preferência masculina nas eleições, outros populistas de direita
perceberam que podem extrair dividendos eleitorais da “defesa” dos homens, como
o sul-coreano Lee Jun-seok e o polonês Sławomir Mentzen. Ambos concorreram à
Presidência de seu país neste ano com discursos “pró-homem” — o primeiro, entre
declarações sórdidas e impublicáveis envolvendo “hashis” e a genitália
feminina, tocou em pontos sensíveis ao público masculino, como quando disse que
certas leis contra o assédio sexual no trabalho faziam “os homens se sentir
como criminosos”. Ficou em terceiro lugar, mas obteve o voto de nada menos que
37% dos homens de 18 a 29 anos, ante 10% das mulheres da mesma faixa etária.
Mentzen, o tiktoker polonês, assumidamente
antissemita e homofóbico, apologista das armas e criador dos comícios regados a
cerveja, obteve o dobro do voto masculino jovem (19%) em relação ao feminino
(9%). A polarização de gêneros nas eleições se confirmou ainda na Alemanha,
quando, em fevereiro, o AfD, de extrema direita, obteve 27% dos votos dos
homens jovens ante 18% do conjunto das mulheres; e também no Reino Unido, em
que o igualmente ultradireitista Reform UK obteve no ano passado 12% dos votos
masculinos jovens ante 6% dos femininos.
A extrema direita promete restaurar a
bordoadas o reino perdido dos homens. A esquerda os trata a sopapos. Juntas,
prestam um inestimável serviço ao que há de pior no cardápio da polarização
política no mundo. E garantem, quanto às eleições que estão por vir, um
fundamentado pessimismo — neste caso, extensivo a todos os gêneros.
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