O ataque é um convite para a articulação de uma nova ordem mundial sem liderança única
Em artigo publicado no Project Syndicate,
Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Harvard Kennedy
School, avaliou o tarifaço de Trump:
“As políticas comerciais do presidente Donald
Trump têm sido tão equivocadas, erráticas e autodestrutivas que fazem até mesmo
as descrições mais caricatas parecerem lisonjeiras. Ainda assim, de forma
distorcida, suas loucuras comerciais também expuseram as falhas de outros
países, forçando-os a considerar o que suas respostas dizem sobre suas próprias
intenções e capacidades.
“Diz-se que o verdadeiro caráter de cada um se revela diante da adversidade, e o mesmo se aplica aos países e seus sistemas políticos. O ataque frontal de Trump à economia mundial foi um choque para todos, mas também deu à Europa, à China e a várias potências médias a oportunidade de se declarar sobre quem são e o que defendem. Foi um convite para articular a visão de uma nova ordem mundial que pudesse superar os desequilíbrios, as desigualdades e a insustentabilidade da antiga, e que não dependesse da liderança – para o bem ou para o mal – de um único país poderoso. Mas poucos se mostraram à altura do desafio”.
A História não se repete, mas rima, teria
dito Mark Twain. Em sua boa companhia, vamos rimar as vicissitudes do ambiente
social e econômico contemporâneo com as atribulações dos anos 20 e 30 do século
XX.
É oportuno relembrar os choques tarifários
disparados na Grande Depressão que colocaram sob suspeita as pregações que
exaltavam as virtudes do liberalismo econômico. Frações importantes da
burguesia europeia e norte-americana, diante do avanço da crise social e do
desemprego, tiveram de rever seu patrocínio incondicional ao ideário do
livre-mercado e às políticas – desastrosas – de austeridade na gestão do
orçamento e da moeda.
A contração do comércio mundial, provocada
pelas desvalorizações competitivas e pelos aumentos de tarifas, como foi o caso
da Lei Smoot-Hawley nos Estados Unidos, provocou uma onda de desconfiança em
relação às proclamadas virtudes do livre-comércio e deu origem a práticas de
comércio bilateral e à adoção de controles cambiais. Na Alemanha nazista, esses
métodos de administração cambial incluíam a suspensão dos pagamentos das
reparações e dos compromissos em moeda estrangeira, nascidos do ciclo de
endividamento que se seguiu à estabilização do marco em 1924.
Em meio ao festival das “desvalorizações
competitivas” do começo dos anos 1930, quando a palavra de ordem era beggar
thy neighbour, Hjalmar Schacht lançou, em 1934, o “Novo Plano”, que impunha uma
brutal centralização do câmbio. Qualquer transação em moeda estrangeira ou
pagamento de dívida não poderia ser efetuado diretamente entre residentes e não
residentes. Tudo tinha de passar pela permissão da burocracia do Reichsbank. A
violação dessas normas era considerada “crime de alta traição à Mãe-Pátria”. Os
métodos extremos de controle cambial incluíam a adoção de práticas de comércio
bilateral com os países da periferia europeia e sul-americana, que estavam
praticamente alijados dos negócios internacionais desde o crash de 1929.
Schacht manteve inalterada a paridade entre o
marco e o ouro. Em consequência, a moeda alemã valorizou-se bastante em relação
ao dólar, à libra e ao franco francês, ainda que no mercado “livre” de divisas
o marco estivesse sendo negociado com um deságio de 50%. Um Fundo de Conversão,
estabelecido no Reichsbank, obrigava os devedores alemães em moeda estrangeira
a pagar integralmente esses compromissos em marcos sobrevalorizados e
“bloqueava”, ao mesmo tempo, a transferência de divisas para o exterior. Tais
expedientes resultaram na economia de divisas e no aumento da arrecadação do
Tesouro. Com isso, Sachcht, na verdade, criou um imposto sobre os devedores em
moeda estrangeira, incrementou a demanda de moeda nacional, conseguiu recursos
fiscais para “fundar” o financiamento do gasto público e liberou a política
monetária da ditadura do balanço de pagamentos.
Keynes reconhece ter-se inspirado no “Plano
Alemão” para formular a sua proposta da International Clearing Union,
apresentada nas negociações de reforma que antecederam a reunião de Bretton
Woods.
Para evitar a repetição do desastre era
necessário, antes de tudo, constituir uma ordem econômica internacional capaz
de alentar o desenvolvimento, sem obstáculos, do comércio entre as nações,
dentro de regras monetárias que garantissem a confiança na moeda-reserva, o
ajustamento não deflacionário do balanço de pagamentos e o abastecimento de
liquidez requerido pelas transações em expansão. Tratava-se de erigir um
ambiente econômico internacional destinado a propiciar um amplo raio de manobra
para as políticas nacionais de desenvolvimento, industrialização e progresso
social. •
Publicado na edição n° 1375 de CartaCapital, em 20 de agosto de 2025.
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