sábado, 16 de agosto de 2025

Trump e a história dos tarifaços, por Luiz Gonzaga Belluzzo

O ataque é um convite para a articulação de uma nova ordem mundial sem liderança única

Em artigo publicado no Project Syndicate, Dani Rodrik, professor de Economia Política Internacional na Harvard Kennedy School, avaliou o tarifaço de Trump:

“As políticas comerciais do presidente Donald Trump têm sido tão equivocadas, erráticas e autodestrutivas que fazem até mesmo as descrições mais caricatas parecerem lisonjeiras. Ainda assim, de forma distorcida, suas loucuras comerciais também expuseram as falhas de outros países, forçando-os a considerar o que suas respostas dizem sobre suas próprias intenções e capacidades.

“Diz-se que o verdadeiro caráter de cada um se revela diante da adversidade, e o mesmo se aplica aos países e seus sistemas políticos. O ataque frontal de Trump à economia mundial foi um choque para todos, mas também deu à Europa, à China e a várias potências médias a oportunidade de se declarar sobre quem são e o que defendem. Foi um convite para articular a visão de uma nova ordem mundial que pudesse superar os desequilíbrios, as desigualdades e a insustentabilidade da antiga, e que não dependesse da liderança – para o bem ou para o mal – de um único país poderoso. Mas poucos se mostraram à altura do desafio”.

A História não se repete, mas rima, teria dito Mark Twain. Em sua boa companhia, vamos rimar as vicissitudes do ambiente social e econômico contemporâneo com as atribulações dos anos 20 e 30 do século XX.

É oportuno relembrar os choques tarifários disparados na Grande Depressão que colocaram sob suspeita as pregações que exaltavam as virtudes do liberalismo econômico. Frações importantes da burguesia europeia e norte-americana, diante do avanço da crise social e do desemprego, tiveram de rever seu patrocínio incondicional ao ideário do livre-mercado e às políticas – desastrosas – de austeridade na gestão do orçamento e da moeda.

A contração do comércio mundial, provocada pelas desvalorizações competitivas e pelos aumentos de tarifas, como foi o caso da Lei Smoot-Hawley nos Estados Unidos, provocou uma onda de desconfiança em relação às proclamadas virtudes do livre-comércio e deu origem a práticas de comércio bilateral e à adoção de controles cambiais. Na Alemanha nazista, esses métodos de administração cambial incluíam a suspensão dos pagamentos das reparações e dos compromissos em moeda estrangeira, nascidos do ciclo de endividamento que se seguiu à estabilização do marco em 1924.

Em meio ao festival das “desvalorizações competitivas” do começo dos anos 1930, quando a palavra de ordem era ­beggar thy neighbour, Hjalmar Schacht lançou, em 1934, o “Novo Plano”, que impunha uma brutal centralização do câmbio. Qualquer transação em moeda estrangeira ou pagamento de dívida não poderia ser efetuado diretamente entre residentes e não residentes. Tudo tinha de passar pela permissão da burocracia do ­Reichsbank. A violação dessas normas era considerada “crime de alta traição à Mãe-Pátria”. Os métodos extremos de controle cambial incluíam a adoção de práticas de comércio bilateral com os países da periferia europeia e sul-americana, que estavam praticamente alijados dos negócios internacionais desde o crash de 1929.

Schacht manteve inalterada a paridade entre o marco e o ouro. Em consequência, a moeda alemã valorizou-se bastante em relação ao dólar, à libra e ao franco francês, ainda que no mercado “livre” de divisas o marco estivesse sendo negociado com um deságio de 50%. Um Fundo de Conversão, estabelecido no Reichsbank, obrigava os devedores alemães em moeda estrangeira a pagar integralmente esses compromissos em marcos sobrevalorizados e “bloqueava”, ao mesmo tempo, a transferência de divisas para o exterior. Tais expedientes resultaram na economia de divisas e no aumento da arrecadação do Tesouro. Com isso, Sachcht, na verdade, criou um imposto sobre os devedores em moeda estrangeira, incrementou a demanda de moeda nacional, conseguiu recursos fiscais para “fundar” o financiamento do gasto público e liberou a política monetária da ditadura do balanço de pagamentos.

Keynes reconhece ter-se inspirado no “Plano Alemão” para formular a sua proposta da International Clearing Union, apresentada nas negociações de reforma que antecederam a reunião de ­Bretton Woods.

Para evitar a repetição do desastre era necessário, antes de tudo, constituir uma ordem econômica internacional capaz de alentar o desenvolvimento, sem obstáculos, do comércio entre as nações, dentro de regras monetárias que garantissem a confiança na moeda-reserva, o ajustamento não deflacionário do balanço de pagamentos e o abastecimento de liquidez requerido pelas transações em expansão. Tratava-se de erigir um ambiente econômico internacional destinado a propiciar um amplo raio de manobra para as políticas nacionais de desenvolvimento, industrialização e progresso social. •

Publicado na edição n° 1375 de CartaCapital, em 20 de agosto de 2025.

Nenhum comentário: