sábado, 16 de agosto de 2025

Reunião foi um sucesso, apenas para Putin, por Lourival Sant'Anna

O Estado de S. Paulo

Líder russo foi recebido com aplauso e não cedeu na exigência básica de Trump: o fim da guerra

Plenamente ciente do que é prioritário para Trump, o líder russo começou seu pronunciamento responsabilizando Joe Biden pela guerra. Putin reclamou que nos últimos quatro anos não houve diálogo entre Rússia e Estados Unidos, embora ele tivesse tentado. E presenteou Trump com um: “Você tem razão, se você fosse o presidente a guerra não teria acontecido”.

Por trás dessa bajulação há uma constatação macabra. A guerra não teria acontecido porque Trump teria obrigado a Ucrânia a se submeter aos desígnios de Putin. Isso fica claro na fórmula da “troca de territórios” enunciada pelos americanos antes da cúpula.

Como a Ucrânia não ocupa território russo, com exceção de 10 km2, e a Rússia ocupa um quinto do território ucraniano (114.500 km2), essa troca significa: a Ucrânia cede áreas que a Rússia anexou ilegalmente mas não conseguiu ocupar militarmente e em troca os russos abrem mão de outras áreas que também não ocupam, mas gostaria.

Trump havia dito antes da cúpula que só haveria negociações de acordos econômicos se as tratativas sobre a guerra na Ucrânia progredissem na direção de um cessar-fogo.

Tanto assim que as equipes econômicas -- Scott Bessent do Tesouro e Howard Lutnick do Comércio do lado americano -- só se reuniriam depois da discussão política, que envolveu o secretário de Estado americano Marco Rubio e o enviado Steve Witkoff, pelos EUA, e o chanceler Seguei Lavrov e o assessor de política externa Yuri Ushakov, pela Rússia.

Isso não aconteceu. Ao falar da guerra, Putin repetiu a fórmula que emprega desde antes de invadir a Ucrânia: É preciso endereçar as causas fundamentais do conflito”. Referiu-se à Ucrânia como “nação irmã”, que não é uma demonstração de afeto: na doutrina de Putin significa que ela pertence à Rússia.

O ditador disse que Rússia e Estados Unidos precisam reatar as relações econômicas, e a partir daí chegar a um acordo sobre a Ucrânia. Trump não aceitou diretamente essa inversão na ordem por ele pré-estipulada. Disse que ambos tinham discordado sobre uma questão substancial, aparentemente se referindo à guerra, e que telefonaria para o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, e governantes europeus, como havia prometido.

Entretanto, mesmo antes de consultá-los, Trump declarou que espera voltar a falar em breve com Putin, de preferência pessoalmente. O ditador russo atalhou: “Em Moscou”. Trump respondeu: “Isso seria interessante. Eu seria muito atacado por isso, mas posso ver acontecendo”.

O almoço ampliado com a equipe econômica e de defesa, seguido de reuniões à tarde, como estava previsto, não aconteceu. Ambos os presidentes embarcaram em seus aviões. Putin, trazendo na bagagem a sua consagração como o líder que colocou a Rússia de volta ao patamar dos EUA – cujo presidente o recebeu com aplauso e uma carona em sua limusine. E sem ceder na exigência básica de Trump: o fim da guerra.

Já Trump sai de mãos abanando, mas traz consigo sua capacidade inesgotável de reconfigurar a realidade segundo a sua autoimagem de mestre da negociação e salvador da pátria.

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