O Congresso se mobilizou ontem para a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado. José Sarney (PMDB-AP) segue para seu quarto mandato à frente da Casa Alta. No Parlamento, está há 35 anos. Supera, como ressaltou em discurso, até Ruy Barbosa, que ficou de 1890 a 1921 no Senado. Ex-presidente da República, deve sua sobrevivência, nos últimos anos, ao apoio do agora também ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o defendeu, certa vez, dizendo não se tratar de um "cidadão comum". Na Câmara, o favorito Marco Maia (PT-RS) recebia críticas pela possibilidade de ser um 38º ministro de Dilma Rousseff - ou seja um preposto, à frente de um Legislativo submisso ao Executivo.
Sobre o Congresso Nacional sempre pairam as maiores desconfianças. Privilégios, sinecuras e dúzias de escândalos recorrentes colaboram para que o Parlamento não tenha boa imagem diante da opinião pública. Perto dos outros dois poderes - Executivo e Judiciário -, o Legislativo é, de longe, o que tem a reputação mais arranhada. Individualmente, poucos avanços têm sido feitos por deputados e senadores para mudar o quadro de descrédito. No entanto, em meio ao cenário desolador, há um arcabouço institucional favorável e mudanças recentes que têm agido no sentido de fortalecê-lo.
O funcionamento do Congresso brasileiro em torno de linhas partidárias razoavelmente rígidas tem se consolidado, o aproximando cada vez mais do modelo europeu e o distanciando do americano. Enquanto nos Estados Unidos o Congresso é quase sempre considerado o reino do individualismo dos parlamentares, eleitos para atender aos interesses paroquiais de seus distritos, o Parlamento brasileiro é capaz de barrar incentivos personalistas da arena eleitoral - graças à Constituição e aos regimentos internos das duas Casas legislativas.
"Todo poder aos líderes" poderia ser o dístico a ornar a entrada do Congresso Nacional. A delegação de poderes à Mesa Diretora e aos líderes partidários - e daí a cobiça pelos cargos distribuídos ontem na Câmara e no Senado - é o mecanismo pelo qual o Parlamento encontrou, durante a Constituinte, para resolver os problemas de ação coletiva numa Casa apinhada de 594 representantes com tantos interesses contraditórios.
Legislativo tem em seu tamanho uma desvantagem
Afora os conhecidos desvios de conduta de seus integrantes - o que, por outro lado, também reflete o caráter mais aberto do Congresso - reside aí uma das maiores desvantagens do Legislativo em relação aos outros poderes. O Executivo é hierárquico e, no limite, se move a partir de uma única cabeça, presidencial. A Suprema Corte do Judiciário é composta pelo restrito comitê de 11 ministros. Para que o Legislativo tenha um mínimo de coesão e agilidade, a solução foi concentrar o poder na Mesa Diretora e nos líderes.
As candidaturas avulsas de Sandro Mabel (PR-GO), Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Chico Alencar (PSOL-RJ), na eleição de ontem à Presidência da Câmara, neste sentido, refletem o anacronismo do poder parlamentar individual numa Casa regida pela linha partidária. Ou pela lógica que a move. A formação, em cima da hora, de cinco blocos partidários que atuarão na nova legislatura é resultado ainda mais evidente deste cálculo político. A melhor estratégia de pressão - seja interna ou voltada para fora - é a articulação em grupo. Se partido não basta, formam-se blocos.
O fato de a formação dos blocos ter se originado à revelia da presidente Dilma Rousseff é sinal de que o Legislativo pode encontrar espaços de independência. A aglutinação começou com PV e PPS (26 deputados), foi imitada por PR e partidos nanicos (60) e depois chegou aos médios e grandes. O PT e o PMDB formaram o maior bloco, ao lado de PP, PDT, PSC e PMN, com 257 parlamentares, no limite para a maioria governista. Também da base aliada, PSB, PTB e PCdoB reuniram seus 71 deputados. E as maiores siglas da oposição, PSDB e DEM, criaram bloco com 96 (19% do total).
Constitucionalmente, a distribuição dos valiosos postos das Mesas Diretoras pode seguir a divisão por partidos ou por blocos. Seja como for, o incentivo é em direção à lógica que põe as organizações partidárias como protagonistas do processo decisório. Se o auge do personalismo na política brasileira geralmente ocorre em situações de sobrevivência eleitoral, o ápice do partidarismo se dá no Congresso e na eleição de suas Mesas Diretoras.
A difundida imagem de parlamentares que, por meio de barganhas individuais, fazem do(a) presidente um refém indefeso não condiz com a realidade. A pressão só é eficaz pela ameaça crível, e esta só ocorre por meio de um líder que controle os votos de seu grupo.
Não é à toa que até uma legenda considerada pouco coesa, fisiológica, como o PR, tenha ameaçado de expulsão Sandro Mabel, que insistiu e manteve sua candidatura avulsa. A possibilidade de auto-indicação à Presidência da Câmara - como fizeram Mabel, Bolsonaro e Alencar - é, assim, uma provisão contraditória na engrenagem do Parlamento.
Para a cientista política e pesquisadora do Ipea Geralda Miranda seria um resquício do poder parlamentar individual. Em artigo intitulado "A delegação aos líderes partidários na Câmara dos Deputados e no Senado Federal", Geralda mostra como duas mudanças institucionais recentes reforçaram o comportamento partidário no Congresso.
A primeira foi a resolução, em vigor a partir de 2007, que estabeleceu que a correlação de forças entre os partidos no ato da diplomação, sobre a qual se baseia o critério de proporcionalidade, vale até o fim da legislatura. Isso tornou menos atraente aos partidos, geralmente os governistas, a cooptação de parlamentares com o objetivo de ganhar melhores postos numa recomposição da Mesa Diretora. A segunda mudança, também em 2007, foi a decisão do TSE de que os mandatos pertencem aos partidos.
"São medidas que apontam para o fortalecimento dos partidos, especialmente os de oposição, e tornam o Legislativo um espaço mais independente em relação ao Executivo", afirma a cientista política. Geralda lembra que a candidatura avulsa também favorece a oposição, mas sob o signo da incerteza e do descrédito, como foi a eleição surpreendente de Severino Cavalcanti, em 2005.
Cristian Klein é repórter de Política. A titular da coluna, Rosângela Bittar, está em férias
FONTE: VALOR ECONÔMICO
Sobre o Congresso Nacional sempre pairam as maiores desconfianças. Privilégios, sinecuras e dúzias de escândalos recorrentes colaboram para que o Parlamento não tenha boa imagem diante da opinião pública. Perto dos outros dois poderes - Executivo e Judiciário -, o Legislativo é, de longe, o que tem a reputação mais arranhada. Individualmente, poucos avanços têm sido feitos por deputados e senadores para mudar o quadro de descrédito. No entanto, em meio ao cenário desolador, há um arcabouço institucional favorável e mudanças recentes que têm agido no sentido de fortalecê-lo.
O funcionamento do Congresso brasileiro em torno de linhas partidárias razoavelmente rígidas tem se consolidado, o aproximando cada vez mais do modelo europeu e o distanciando do americano. Enquanto nos Estados Unidos o Congresso é quase sempre considerado o reino do individualismo dos parlamentares, eleitos para atender aos interesses paroquiais de seus distritos, o Parlamento brasileiro é capaz de barrar incentivos personalistas da arena eleitoral - graças à Constituição e aos regimentos internos das duas Casas legislativas.
"Todo poder aos líderes" poderia ser o dístico a ornar a entrada do Congresso Nacional. A delegação de poderes à Mesa Diretora e aos líderes partidários - e daí a cobiça pelos cargos distribuídos ontem na Câmara e no Senado - é o mecanismo pelo qual o Parlamento encontrou, durante a Constituinte, para resolver os problemas de ação coletiva numa Casa apinhada de 594 representantes com tantos interesses contraditórios.
Legislativo tem em seu tamanho uma desvantagem
Afora os conhecidos desvios de conduta de seus integrantes - o que, por outro lado, também reflete o caráter mais aberto do Congresso - reside aí uma das maiores desvantagens do Legislativo em relação aos outros poderes. O Executivo é hierárquico e, no limite, se move a partir de uma única cabeça, presidencial. A Suprema Corte do Judiciário é composta pelo restrito comitê de 11 ministros. Para que o Legislativo tenha um mínimo de coesão e agilidade, a solução foi concentrar o poder na Mesa Diretora e nos líderes.
As candidaturas avulsas de Sandro Mabel (PR-GO), Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Chico Alencar (PSOL-RJ), na eleição de ontem à Presidência da Câmara, neste sentido, refletem o anacronismo do poder parlamentar individual numa Casa regida pela linha partidária. Ou pela lógica que a move. A formação, em cima da hora, de cinco blocos partidários que atuarão na nova legislatura é resultado ainda mais evidente deste cálculo político. A melhor estratégia de pressão - seja interna ou voltada para fora - é a articulação em grupo. Se partido não basta, formam-se blocos.
O fato de a formação dos blocos ter se originado à revelia da presidente Dilma Rousseff é sinal de que o Legislativo pode encontrar espaços de independência. A aglutinação começou com PV e PPS (26 deputados), foi imitada por PR e partidos nanicos (60) e depois chegou aos médios e grandes. O PT e o PMDB formaram o maior bloco, ao lado de PP, PDT, PSC e PMN, com 257 parlamentares, no limite para a maioria governista. Também da base aliada, PSB, PTB e PCdoB reuniram seus 71 deputados. E as maiores siglas da oposição, PSDB e DEM, criaram bloco com 96 (19% do total).
Constitucionalmente, a distribuição dos valiosos postos das Mesas Diretoras pode seguir a divisão por partidos ou por blocos. Seja como for, o incentivo é em direção à lógica que põe as organizações partidárias como protagonistas do processo decisório. Se o auge do personalismo na política brasileira geralmente ocorre em situações de sobrevivência eleitoral, o ápice do partidarismo se dá no Congresso e na eleição de suas Mesas Diretoras.
A difundida imagem de parlamentares que, por meio de barganhas individuais, fazem do(a) presidente um refém indefeso não condiz com a realidade. A pressão só é eficaz pela ameaça crível, e esta só ocorre por meio de um líder que controle os votos de seu grupo.
Não é à toa que até uma legenda considerada pouco coesa, fisiológica, como o PR, tenha ameaçado de expulsão Sandro Mabel, que insistiu e manteve sua candidatura avulsa. A possibilidade de auto-indicação à Presidência da Câmara - como fizeram Mabel, Bolsonaro e Alencar - é, assim, uma provisão contraditória na engrenagem do Parlamento.
Para a cientista política e pesquisadora do Ipea Geralda Miranda seria um resquício do poder parlamentar individual. Em artigo intitulado "A delegação aos líderes partidários na Câmara dos Deputados e no Senado Federal", Geralda mostra como duas mudanças institucionais recentes reforçaram o comportamento partidário no Congresso.
A primeira foi a resolução, em vigor a partir de 2007, que estabeleceu que a correlação de forças entre os partidos no ato da diplomação, sobre a qual se baseia o critério de proporcionalidade, vale até o fim da legislatura. Isso tornou menos atraente aos partidos, geralmente os governistas, a cooptação de parlamentares com o objetivo de ganhar melhores postos numa recomposição da Mesa Diretora. A segunda mudança, também em 2007, foi a decisão do TSE de que os mandatos pertencem aos partidos.
"São medidas que apontam para o fortalecimento dos partidos, especialmente os de oposição, e tornam o Legislativo um espaço mais independente em relação ao Executivo", afirma a cientista política. Geralda lembra que a candidatura avulsa também favorece a oposição, mas sob o signo da incerteza e do descrédito, como foi a eleição surpreendente de Severino Cavalcanti, em 2005.
Cristian Klein é repórter de Política. A titular da coluna, Rosângela Bittar, está em férias
FONTE: VALOR ECONÔMICO
Nenhum comentário:
Postar um comentário