Al-Arashi, no Norte do Sinai, no Egito, é terra dos beduínos e pouco habitada. Uma fonte diplomática me contou que, até lá, havia ontem milhares de pessoas nas ruas. Disse também que conversou com uma mulher da alta classe média do Cairo e ouviu que ela havia mandado os filhos para a manifestação. O movimento contra Mubarak atingiu o país inteiro e todas as classes sociais.
A resposta de Hosni Mubarak, ontem à noite, foi insuficiente. Ele disse o que já se previa: que aos 83 anos não vai se candidatar novamente. Já se dizia que ele prepararia a candidatura do filho Gamal. O que chamou mais a atenção no discurso de ontem foi a ameaça implícita no pedido de que a polícia restaure a ordem e a afirmação de que o movimento deixou de ser pacífico.
A pergunta mais feita no Ocidente é se não é o começo de um governo radical islâmico. Isso ninguém sabe ao certo. O que se sabe é que a Irmandade Islâmica é apenas uma parte do movimento, não assumiu a liderança, e as oposições se uniram em torno de um líder moderado e internacionalmente conhecido, Mohamed ElBaradei. Como todos os processos de revolta, esse movimento - que está sendo chamado de Revolução de Lótus, numa referência à Flor de Lótus - pode escapar ao controle e se radicalizar.
Se acontecer isso, o primeiro culpado será o próprio Hosni Mubarak, que governou com mão-de-ferro durante 30 anos e agora se aferra ao poder iniciando um banho de sangue; ontem, a ONU dobrou as estimativas de mortos, para 300. Toda ditadura produz seus radicais pela falta de alternativas; quanto maior for a repressão, maior o risco de radicalização. O segundo responsável será o governo americano, que durante esses 30 anos forneceu armas, recursos e bilhões de dólares que sustentaram o regime.
Até ontem, as TVs ocidentais, a Al Jazeera, e a TV iraniana que transmite em inglês mostravam cenas de manifestações pacíficas, em que quem protestava empunhava bandeiras egípcias. Como a revolução de Jasmin da Tunísia, a revolta demonstrou ser nos primeiros oito dias um basta eloquente da população do país inteiro a Mubarak.
O plano dos manifestantes ontem era ir até o palácio do governo. Mas o quartel-general de cada uma das três forças armadas fica em torno do palácio. Além disso, a sede do governo foi cercada de arame farpado. Os líderes do movimento, numa decisão sensata, decidiram manter a população na Praça Tahrir e desistir do plano original. O exército estava presente, mas em atitude amigável.
O que ainda segura Mubarak no poder? O governo americano, que evoluiu, mas não o bastante. Pediu transição, mas não retirou completamente o apoio ao presidente. Por outro lado, o exército dá todas as demonstrações de simpatia em relação ao movimento, mas não dá qualquer ultimato a Mubarak. Isso dá a ele uma sobrevida, apesar de a oposição ter estabelecido claramente a sua condição para sair das ruas: Mubarak sair do governo. Mas há informações de que o chefe do exército egípcio esteve em Washington nos últimos dias.
A única forma de um governo sobreviver a uma manifestação tão forte é trágica: uma dura repressão. Foi o que aconteceu na Praça da Paz Celestial, em Pequim, em 1989, quando o governo comunista massacrou estudantes inocentes. Em Teerã, o governo de Mahmoud Ahmadinejad resistiu, em 2009, porque teve apoio religioso e militar, mas até agora a matança dos líderes da oposição ainda não acabou. Por isso, a única boa saída é a queda do ditador. Ontem, o governo iraniano dizia que o "levante do Norte da África é sinal do fim dos governos impopulares da região." Falava como se não tivesse feito o que fez para reprimir sua oposição. O levante no Egito parece maior, mais disseminado do que o do Irã; e Mubarak tem menos em que se segurar.
Na economia, o estrago da teimosia de Mubarak de não ouvir o ensurdecedor som das ruas é enorme. As maiores empresas americanas e europeias fecharam seus escritórios e repatriaram os executivos. Simplesmente a produção parou. O comércio está quase todo fechado. Os bancos e a Bolsa não funcionam há uma semana.
O levante egípcio é mais uma demonstração de como é pouco conhecida a força das novas tecnologias de comunicação. Tanto na Tunísia quanto no Egito houve nos últimos anos um aumento impressionante do acesso à telefonia celular, como mostrou ontem o site Dot Earth, do "New York Times" (veja no meu blog a reprodução dos gráficos). Quem subestima a força das novas tecnologias costuma argumentar que é pequeno o acesso à Internet num país como o Egito. Se não tivesse importância, não teria sido cortada pelo governo. Apesar da censura, as informações continuam fluindo. E é bem diferente quando o mundo está vendo.
Outra grande questão é se o levante do Egito vai contaminar outros países da região. Pode ser que haja, sim, reações em outros países, mas cada um tem uma realidade própria. O Sudão, vizinho do Egito, já está vivendo um momento de instabilidade, após a votação consagradora da proposta de separação do Sul do país. Há uma infinidade de encrencas em cada um daqueles países e muitos governos autoritários.
Um dos mais autoritários é a Arábia Saudita. Mas pouco se fala da ditadura dos Saud, porque quem produz 10 milhões de barris/dia de petróleo, e é um aliado americano, é sempre poupado. Assim era o Egito: um aliado "confiável", como dizia até dias atrás o governo americano. A dinastia dos herdeiros de Abdulaziz al Saud, parece ter controle do país que governa desde os anos 1930, mas um dos fantasmas que ronda essa crise é qualquer instabilidade na Arábia Saudita.
FONTE: O GLOBO
A resposta de Hosni Mubarak, ontem à noite, foi insuficiente. Ele disse o que já se previa: que aos 83 anos não vai se candidatar novamente. Já se dizia que ele prepararia a candidatura do filho Gamal. O que chamou mais a atenção no discurso de ontem foi a ameaça implícita no pedido de que a polícia restaure a ordem e a afirmação de que o movimento deixou de ser pacífico.
A pergunta mais feita no Ocidente é se não é o começo de um governo radical islâmico. Isso ninguém sabe ao certo. O que se sabe é que a Irmandade Islâmica é apenas uma parte do movimento, não assumiu a liderança, e as oposições se uniram em torno de um líder moderado e internacionalmente conhecido, Mohamed ElBaradei. Como todos os processos de revolta, esse movimento - que está sendo chamado de Revolução de Lótus, numa referência à Flor de Lótus - pode escapar ao controle e se radicalizar.
Se acontecer isso, o primeiro culpado será o próprio Hosni Mubarak, que governou com mão-de-ferro durante 30 anos e agora se aferra ao poder iniciando um banho de sangue; ontem, a ONU dobrou as estimativas de mortos, para 300. Toda ditadura produz seus radicais pela falta de alternativas; quanto maior for a repressão, maior o risco de radicalização. O segundo responsável será o governo americano, que durante esses 30 anos forneceu armas, recursos e bilhões de dólares que sustentaram o regime.
Até ontem, as TVs ocidentais, a Al Jazeera, e a TV iraniana que transmite em inglês mostravam cenas de manifestações pacíficas, em que quem protestava empunhava bandeiras egípcias. Como a revolução de Jasmin da Tunísia, a revolta demonstrou ser nos primeiros oito dias um basta eloquente da população do país inteiro a Mubarak.
O plano dos manifestantes ontem era ir até o palácio do governo. Mas o quartel-general de cada uma das três forças armadas fica em torno do palácio. Além disso, a sede do governo foi cercada de arame farpado. Os líderes do movimento, numa decisão sensata, decidiram manter a população na Praça Tahrir e desistir do plano original. O exército estava presente, mas em atitude amigável.
O que ainda segura Mubarak no poder? O governo americano, que evoluiu, mas não o bastante. Pediu transição, mas não retirou completamente o apoio ao presidente. Por outro lado, o exército dá todas as demonstrações de simpatia em relação ao movimento, mas não dá qualquer ultimato a Mubarak. Isso dá a ele uma sobrevida, apesar de a oposição ter estabelecido claramente a sua condição para sair das ruas: Mubarak sair do governo. Mas há informações de que o chefe do exército egípcio esteve em Washington nos últimos dias.
A única forma de um governo sobreviver a uma manifestação tão forte é trágica: uma dura repressão. Foi o que aconteceu na Praça da Paz Celestial, em Pequim, em 1989, quando o governo comunista massacrou estudantes inocentes. Em Teerã, o governo de Mahmoud Ahmadinejad resistiu, em 2009, porque teve apoio religioso e militar, mas até agora a matança dos líderes da oposição ainda não acabou. Por isso, a única boa saída é a queda do ditador. Ontem, o governo iraniano dizia que o "levante do Norte da África é sinal do fim dos governos impopulares da região." Falava como se não tivesse feito o que fez para reprimir sua oposição. O levante no Egito parece maior, mais disseminado do que o do Irã; e Mubarak tem menos em que se segurar.
Na economia, o estrago da teimosia de Mubarak de não ouvir o ensurdecedor som das ruas é enorme. As maiores empresas americanas e europeias fecharam seus escritórios e repatriaram os executivos. Simplesmente a produção parou. O comércio está quase todo fechado. Os bancos e a Bolsa não funcionam há uma semana.
O levante egípcio é mais uma demonstração de como é pouco conhecida a força das novas tecnologias de comunicação. Tanto na Tunísia quanto no Egito houve nos últimos anos um aumento impressionante do acesso à telefonia celular, como mostrou ontem o site Dot Earth, do "New York Times" (veja no meu blog a reprodução dos gráficos). Quem subestima a força das novas tecnologias costuma argumentar que é pequeno o acesso à Internet num país como o Egito. Se não tivesse importância, não teria sido cortada pelo governo. Apesar da censura, as informações continuam fluindo. E é bem diferente quando o mundo está vendo.
Outra grande questão é se o levante do Egito vai contaminar outros países da região. Pode ser que haja, sim, reações em outros países, mas cada um tem uma realidade própria. O Sudão, vizinho do Egito, já está vivendo um momento de instabilidade, após a votação consagradora da proposta de separação do Sul do país. Há uma infinidade de encrencas em cada um daqueles países e muitos governos autoritários.
Um dos mais autoritários é a Arábia Saudita. Mas pouco se fala da ditadura dos Saud, porque quem produz 10 milhões de barris/dia de petróleo, e é um aliado americano, é sempre poupado. Assim era o Egito: um aliado "confiável", como dizia até dias atrás o governo americano. A dinastia dos herdeiros de Abdulaziz al Saud, parece ter controle do país que governa desde os anos 1930, mas um dos fantasmas que ronda essa crise é qualquer instabilidade na Arábia Saudita.
FONTE: O GLOBO
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