Douglass North, prêmio Nobel de economia, e seus colaboradores John Wallis e Barry Weingast publicaram em 2009 um livro ambicioso intitulado "Violence and Social Order: A conceptual Framework for Interpreting Recorded Human History" onde se propõem a explicar porque poucos países conseguem realizar a transição de uma sociedade de acesso limitado, onde compromissos são construídos através de relações pessoais e trocas de favores, para uma sociedade aberta e desenvolvida, que se caracterizaria pela competição, meritocracia e transparência de regras. Para esses autores, um dos elementos chave para que países consigam realizar essa transição se daria quando não mais ocorresse uma disjunção entre as instituições de jure e as instituições de facto. Um exemplo histórico modelar deste argumento é o momento da decadência do absolutismo monárquico inglês, quando os poderes políticos de facto do Parlamento se tornaram institucionalizados (de jure), limitando assim de forma permanente os poderes até então ilimitados da coroa.
Na América Latina, onde o tipo mais comum de regime político é o presidencialismo multipartidário, o partido do presidente não desfruta de maioria parlamentar decorrente das eleições. Neste ambiente de alta fragmentação partidária, presidentes necessitam montar e sustentar coalizões majoritárias pós-eleitorais. Para tal, presidentes precisam ser fortes e ao mesmo precisam dispor de "moedas-de-troca" que convençam outros partidos políticos a apoiar seus governos de forma consistente e intertemporal. Como, neste ambiente, é possível confluir poderes políticos de fato e de direito e, seguindo o argumento de North e seus coautores, seria possível alcançar um equilíbrio institucional favorável ao desenvolvimento e estabilidade democrática?
Presidentes fortes, com prerrogativas constitucionais de legislar, de controle da agenda do congresso e com flexibilidade no uso de ferramentas eficientes para a formação de maiorias, não significa, entretanto, discricionariedade irrestrita ou ausência de limites impostos por outros atores políticos. Muito pelo contrário! Boa governança em presidencialismos multipartidários não pode prescindir de instituições autônomas capazes de controlar as ações de presidentes poderosos. Ou seja, sem a presença ativa de instituições de checks & balances independentes encontramos usurpação e abuso unilateral de poder ao invés de uma democracia liberal e robusta promotora de cooperação entre atores políticos e agentes econômicos. Na realidade, já existe evidências que apontam uma correlação positiva entre estabilidade democrática e independência das instituições de checks & balances, principalmente em regimes presidencialistas na América Latina.
Controles são essenciais à democracia
A maioria dos analistas e observadores políticos centram suas apreciações fundamentalmente nas relações entre o Executivo e o Legislativo, falhando em observar os vastos poderes de jure que também foram atribuídos pela Constituição ao Judiciário, bem como a várias instituições de controle como por exemplo o Ministério Público e Tribunais de Contas. Mesmo profissionalizado e tecnicamente protegido, o papel do Judiciário brasileiro, exatamente por conceber-se como uma instituição independente e crucial para os mecanismos de checks & balances, tem uma função politicamente fundamental na estabilização e segurança democrática. A visão até então dominante sobre o sistema político brasileiro, que só seria capaz de gerar caos e comportamentos oportunistas, estaria assim desautorizada diante da ação eficiente dessas instituições de controle constrangendo e dando limites ao Executivo.
Na realidade, examinando a alocação formal de poderes que emergiu da nova Constituição, é possível identificar uma verdadeira rede de instituições de controle e accountability com competências de monitoramento e punição, bem como instrumentos de coibição de comportamentos oportunistas dos políticos, em especial de um executivo poderoso como o brasileiro. Embora não muito frequente, o Supremo Tribunal Federal já contrariou interesses de presidentes, como Fernando Henrique Cardoso e Lula, ao considerar inconstitucional algumas das tentativas desses presidentes de reformar a Constituição.
Diante das evidências colossais e provas arroladas no processo do mensalão e da grande visibilidade que esse julgamento alcançou não apenas junto a sociedade brasileira mas também internacionalmente sobre como o Brasil resolve seus problemas de corrupção, o Supremo Tribunal Federal terá uma oportunidade singular de exercer sua competência de controle do Executivo de modo mais amplo ao unificar os seus poderes formais de jure mostrando-se independente de facto. O que está em jogo é a qualidade do próprio presidencialismo multipartidário brasileiro que necessita de um vigoroso e eficiente mecanismo de checks & balances para não degenerar institucionalmente levando a um equilíbrio predatório.
Carlos Pereira é professor titular na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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