Se o mensalão é o maior escândalo da história da República, só a invenção de artefato de medição comparativa seria capaz de dizer.
O documento importante aqui não é o tamanho, mas a essência da causa: o mercadão em que governos e partidos fazem suas operações de compra e venda pela primeira vez será submetido aos ditames do Código Penal e da Constituição.
Trata-se de um marco a partir do qual tais negociatas perdem o status de prática comum, aceita e tida como inevitável, para se tornar objeto de escrutínio criminal.
Isso faz toda a diferença. Impõe barreira ao desenfreado cinismo dos defensores da tese de que política sempre se fez com mãos sujas e que assim deve continuar a ser feito.
Ainda que as provas não sejam suficientes para condenar os réus, não será possível demonstrar a inexistência dos fatos como pretendem os acusados. Ao fim do julgamento, o máximo que poderão obter é a absolvição, nunca a anulação da realidade.
Esta está posta na trajetória a ser rememorada diariamente nas próximas semanas: desde a primeira notícia, desmentida, em setembro de 2004, até o início da apreciação formal da ação penal.
Entre esses dois momentos houve a delação de um integrante do esquema, as investigações de uma comissão parlamentar de inquérito, a inspeção do Ministério Público, o oferecimento da denúncia, a aceitação pelo Supremo Tribunal Federal de que havia base para a abertura de um processo e, finalmente, o momento da decisão.
Nada disso pode ser ignorado, bem como tudo isso deve ser visto sob a perspectiva de saúde das engrenagens institucionais que, obviamente, se assim decidiram que se chegasse até aqui não foi por se associarem a uma conspiração ou aderirem a uma fantasia da oposição em conluio com a imprensa.
A materialidade dos acontecimentos é que os fez transitar da boataria de corredores no Congresso até o julgamento no Supremo.
Se não houvesse substância, não haveria 50 mil páginas de processo sobre as quais a Corte se debruça desde ontem no exame daquele que pode ou não ser o maior escândalo da história da República.
Tanto faz como tanto fez seu tamanho ou denominação. Se a narrativa recebe o apelido de mensalão ou a designação jurídica e ultimamente considerada politicamente correta de ação penal 470, não importa.
Interessa menos o nome que as coisas têm se, na essência, elas são como são. E nesse caso são ações de apropriação do patrimônio público por grupos políticos que usam a delegação popular como salvo-conduto para prevaricar na execução de projetos de continuidade no poder.
Andamento. Uma preocupação presente entre os ministros do Supremo Tribunal Federal é evitar que questões suscitadas pelos advogados de defesa levem o julgamento a um impasse. Ou criem uma "pane processual", para usar expressão do presidente do STF, Carlos Ayres Britto.
Ficou estabelecido que as questões de ordem, pedidos de esclarecimento, arguições de suspeições o quaisquer outros "incidentes processuais" receberão decisão imediata do colegiado.
A palavra de ordem é impedir postergações. Sem prejuízo do debate que esgote o tema, como ficou demonstrado ontem na primeira sessão em que durante três horas e meia discutiu-se a competência do STF de julgar os réus sem prerrogativa de foro especial.
Mau tropeço. A suspensão da decisão do Tribunal de Contas da União de considerar legais as comissões recebidas pela agência de Marcos Valério do Banco do Brasil com base em lei posterior ao contrato, não deixou bem a conselheira Ana Arraes, levada ao TCU por intensa articulação política do filho governador de Pernambuco, Eduardo Campos.
Tampouco deixa melhor o restante do colegiado que acompanhou o voto da relatora, que obteve respaldo para um ato visto como tentativa de dar a Valério um argumento de defesa no STF.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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