São ruins as leis eleitorais votadas pelo Congresso, mas as intervenções do Judiciário na matéria conseguem ser piores.
As leis votadas suscitam campanhas eleitorais caríssimas, não são capazes de inibir caixa 2 e mantêm regras arcaicas como a da suplência de senadores.
Por pior que sejam, conhecem-se suas motivações. São leis destinadas a diminuir os riscos da competição política, embora não sejam capazes de reduzir o altíssimo grau de renovação parlamentar no país nem de convencer a opinião pública de que a política brasileira é arena de difícil sobrevivência.
Se a lei eleitoral é ruim, a intervenção judicial é pior
Também se conhecem as motivações dos derrotados pelas leis eleitorais que recorrem aos magistrados. Em nome de melhores condições de sobrevivência, invocam a inconstitucionalidade das regras.
Mais difícil de apreender é a motivação de quem julga. Ora invoca o fortalecimento dos partidos face à excessiva autonomia dos eleitos, ora sai em defesa desta contra o poder desmedido dos partidos.
O zigue-zague teve início em 2002, quando o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que as coligações tinham que ser verticalizadas. O partido que quisesse apresentar candidato a presidente teria que reproduzir, nos Estados, a mesma coligação.
Um dos maiores defensores da regra, o ex-ministro Nelson Jobim, que à época militava tanto no TSE quanto no STF, advogava que a mudança era necessária para que os partidos atendessem aos interesses da nação, e não aos regionais.
O argumento é recorrente e, de tempos em tempos, municia falsos arautos da modernidade. Se os interesses são da nação, é na Federação que eles são pactuados. O único cargo em disputa que tem a nação como jurisdição eleitoral é o de presidente da República. Os demais 5.590 mandatos eletivos do país têm como base eleitoral Estados e municípios.
É nas eleições que o conflito político local é mediado. E a competição eleitoral só será capaz de fazer essa mediação se tiver como base os interesses locais. Cada lugar tem seu arranjo partidário. Aliados que se unem num canto brigam noutro.
Daí porque a regra da verticalização fracassou. Sob a justificativa de que baixaria, por decreto, a coerência do sistema político, provocou uma eleição em que um grande número de partidos abdicou de pretensões nacionais para manter seus projetos locais de poder.
Se havia alguma crença de que a disputa nacional seria capaz de civilizar as arengas regionais, a ilusão se desfez. O PT, apesar de ter disputado a Presidência por uma coligação que não dispunha de grandes máquinas regionais, acabou vencendo. Depois penou para buscar maioria no Congresso, mas essa é outra encrenca que também não se resolveria pela verticalização.
Os parlamentares acabariam por constitucionalizar o direito dos partidos de dispor sobre suas coligações. Mas a queda de braço com o Judiciário estava longe de terminar. Em 2006 foi a vez de o Congresso votar a cláusula de barreira, que limitava acesso aos recursos partidários àquelas legendas que obtivessem 5% dos votos nacionais e pelo menos 2% em nove Estados da Federação.
Mais uma vez, a motivação era a competição eleitoral. Acossados pelo crescente poder dos pequenos, os grandes partidos capitanearam a iniciativa. Valeram-se do discurso, de forte apelo junto à opinião pública, de que a multiplicação de partidos é danosa ao interesse público.
Acionado pelos partidos pequenos, o Judiciário derrubou a cláusula de barreira. Desta vez, o argumento foi o de que a cláusula contrariava o pluralismo, aquele mesmo preceito que havia sido atropelado na regra da verticalização.
Em 2007 foi a vez de o TSE decidir pela fidelidade partidária. Perderia o mandato quem mudasse de partido durante a legislatura, a não ser que o destino da migração fosse uma legenda nova ou resultante de fusão.
A decisão baseava-se na ideia de que a troca de partidos os fragiliza. Em artigo publicado no último número da "Dados", a pesquisadora do Cebrap Andrea Freitas mostra que quase a metade dos parlamentares que trocaram de partido entre 1995 e 2007 o fez para legendas que não haviam conquistado uma cadeira sequer no Estado do deputado. Ou seja, é a lógica da competição eleitoral, e não a fragilidade parlamentar que dita o comportamento partidário.
A decisão do TSE contrariava a lei eleitoral de 1997 que ainda está em vigor. O mandato passou a ser do partido, e não do eleito. O Supremo confirmou a norma.
Foi assim que surgiu o PSD. Se o político encontra a porta da infidelidade fechada, pula o muro e funda um novo partido. E aqui não é uma questão de caráter, mas de sobrevivência, o que faz uma grande diferença na hora em que o infiel vai para as barras dos tribunais.
É esta lei que vem a ser modificada pelo projeto que passou pela Câmara e estava para ser aprovado pelo Senado quando foi suspenso por uma liminar do Supremo.
O projeto adapta a lei eleitoral à decisão do TSE, já referendada pelo Supremo, sobre a fidelidade partidária. E avança sobre os incentivos à infidelidade ao impedir que o parlamentar migrante leve o tempo de televisão e a cota do fundo partidário correspondentes para o novo partido.
Ao conceder a liminar, o ministro Gilmar Mendes viu indícios de casuísmo no teor e na velocidade com que a matéria tramitou no Congresso.
A questão agora vai ao Supremo. Os juízes terão que decidir se os partidos a serem criados por Roberto Freire (MD) e Marina Silva (Rede) poderão contar com TV e dinheiro dos parlamentares que para lá migrarem.
O tema vai a voto num momento em que o desgaste das relações entre o Supremo e o Congresso foi simbolizado pela aprovação nesta semana, em comissão, do projeto que submete as decisões dos ministros aos parlamentares. O projeto deve ser abortado, mas reflete o estado de ânimo de uma Casa que vê Supremo extrapolar o exame da constitucionalidade e invadir o processo legislativo.
A definição sobre a mudança na lei eleitoral chegará a um plenário presidido por Joaquim Barbosa. No julgamento da fidelidade partidária, o presidente do Supremo chegou a questionar se as ONGs não seriam mais importantes para a sociedade do que os partidos. Quem sabe convença Freire e Marina a desistir de seus novos partidos e criar uma ONG.
Fonte: Valor Econômico
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