quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Cristiano Romero: As consequências nefastas do populismo

- Valor Econômico

É populista quem promete o que não pode e estoura orçamento

Quando alguém afirma que o Estado brasileiro quebrou, não se trata de exagero. Desde 2014, o setor público consolidado, isto é, as contas da União e dos Estados e municípios registram déficits pelo conceito primário (receitas menos despesas, excluídos os gastos com os juros da dívida pública). Isso significa que, no Brasil, há cinco anos as despesas do Estado superam o total arrecadado com a cobrança de impostos.

Para honrar os gastos, uma vez que a carga tributária equivalente a 33% do Produto Interno Bruto (PIB) não é suficiente, o governo federal é obrigado a ir ao mercado tomar dinheiro emprestado. Em 2014, após série de 15 anos de geração ininterrupta de superávits primários, o setor público fechou o ano com déficit primário de 0,35% do PIB.


Nos anos seguintes, o buraco aumentou para um déficit primário de 1,95% do PIB em 2015, 2,55% em 2016 e 1,81% do PIB em 2017. Neste ano, o rombo volta a crescer - para 2,17% do PIB (cerca de R$ 155,5 bilhões), segundo estimativa do Ministério do Planejamento. A previsão oficial é que, apenas no início da próxima década, o setor público volte a gerar saldo primário positivo em suas contas.

Se não consegue arrecadar o necessário para bancar as despesas previstas nos orçamentos públicos e, por isso, é obrigado a pegar dinheiro no mercado via emissão de títulos públicos, o Estado se endivida. O resultado de cinco anos consecutivos de irresponsabilidade fiscal - produzida pela gestão Dilma Rousseff (de 2011 a maio de 2016) - foi o brutal crescimento da dívida bruta, que saltou de 51,5% para 76,5% do PIB entre dezembro de 2013 e outubro de 2018.

A chamada dívida bruta do governo geral abrange o total dos débitos de responsabilidade do governo federal, dos governos estaduais e dos governos municipais, com o setor privado, o setor público financeiro e o restante do mundo. Como se sabe, a elevação crescente da dívida, além de encarecer o custo da própria dívida, uma vez que os investidores exigem ao longo do tempo prêmios (juros) mais altos para continuar financiando o governo, tem o efeito perverso de reduzir e encarecer o crédito disponível a quem precisa dele - empresas e consumidores.

Quanto maior é a fatia da poupança privada destinada ao financiamento da dívida pública, menor é a poupança que sobra para financiar investimento e, portanto, geração de renda e emprego. Está nessa equação parte da explicação dos juros escorchantes a que são submetidos cidadãos comuns, que necessitam de crédito para comprar imóvel e outros bens, e pequenas e médias empresas, que precisam de dinheiro para financiar o capital de giro e tocar seus negócios - no país das desigualdades, funciona assim: quem menos precisa de dinheiro a custo favorecido, notadamente as grandes empresas e as multinacionais, ambas com acesso a crédito barato no mercado de capitais, é quem mais tem acesso a recursos oficiais subsidiados (do BNDES e outras fontes).

O forte crescimento da dívida pública foi, sem dúvida, o maior retrocesso provocado pelo governo Dilma à política econômica que prevalecia no país desde o primeiro ano do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. O Brasil levou, grosso modo, 26 anos - de 1982 a 2008 - para superar a chamada "crise da dívida". Foram três décadas com baixíssimo investimento público, falta de recursos para combater a pobreza e outras mazelas sociais, inflação crônica e hiperinflação em boa parte do período, aumento das desigualdades sociais, moratória da dívida externa, calote na dívida interna etc.

Em 2008, depois de dez anos de razoável disciplina fiscal, o país foi sagrado com o selo de bom pagador de dívida (grau de investimento, na linguagem das agências de classificação de risco). Apenas sete anos depois, perdeu o selo, em meio à escalada de gastos que não couberam mais no orçamento - esta é, aliás, a melhor definição de populismo: um governante é populista quando promete à população algo que não possa cumprir ou quando realiza despesas que não cabem dentro do orçamento, para aumentar a popularidade e, assim, fazer prevalecer um projeto de poder.

O custo visível (porque a deterioração fiscal é teimosamente vista por alguns como uma abstração acadêmica) do populismo abraçado por Dilma Rousseff está aí: nos últimos cinco anos, a economia brasileira perdeu mais de 7% do PIB na recessão mais longa de sua história (2014-2016) e nos dois anos seguintes (2017 e 2018) cresce a passos de cágado. Com crise fiscal, não há dinheiro para melhorar a educação e a saúde públicas, enfrentar o grave problema da segurança pública, investir onde o setor privado não tem interesse em investir.

O próximo governo enfrentará o desafio de melhorar esse quadro. Em pouco mais de dois anos, a gestão Michel Temer trabalhou com uma das melhores equipes econômicas de que o país já dispôs, o que permitiu fazer as coisas andarem um bocado em Brasília. Não fosse a perda de força política do presidente em maio do ano passado, o PIB estaria crescendo neste momento a um ritmo mais acelerado.

Os desafios são imensos. Como descreve o documento "Reformas Microfiscais e Rigidez Orçamentária", elaborado pelo Ministério do Planejamento, além da crise fiscal, a explosão do gasto agravou outro problema - o grau de rigidez orçamentária (ver gráfico), que compromete a execução de políticas públicas discricionárias, especialmente, os investimentos e gastos sociais.

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