quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Luiz Gonzaga Belluzzo: Poderes e mercados

- Valor Econômico

A crescente centralização do poder corporativo-financeiro acelerou a concentração da riqueza e da renda

Em artigo escrito com o professor Davi Antunes, tratamos das transformações do capitalismo ocorridas desde os anos 70 do século XX. Essa reestruturação do capitalismo envolveu mudanças profundas na operação das empresas, na integração dos mercados e na soberania do Estado.

Em primeiro lugar, a grande empresa oligopolista, outrora "conglomerada" e "verticalizada", desmontou a velha estrutura e concentrou-se na "atividade principal". A nova empresa assumiu a função "integradora" no comando de uma rede de fornecedores. Em segundo lugar, as decisões empresariais estratégicas foram submetidas ao "comando sistêmico" de poucas instituições financeiras. Em terceiro lugar, sob os auspícios do capital financeiro, ocorreu a centralização do capital à escala mundial, o que envolveu a vitória do "valor do acionista" sobre as "ultrapassadas" estratégias de crescimento da firma apoiada no investimento produtivo via lucros retidos.

A "desconglomeração" e a centralização da estrutura produtiva ocorreu em conjunto com profunda reorganização empresarial, levando a uma redução drástica do número de empresas. Toda a economia mundial passou a ser dominada por pouquíssimas empresas, em geral, de países desenvolvidos. O setor de equipamentos de telefonia móvel, por exemplo, é dominado por 5 empresas, o farmacêutico por 10 empresas e o de aviões comerciais de grande porte por apenas duas. Em termos do gasto com pesquisa & desenvolvimento, a concentração é semelhante: apenas 100 grandes empresas concentram 60% do gasto em P&D, sendo 2/3 dos gastos realizados em apenas 3 setores (informática, farmacêutico e automotivo).

A nova concorrência engendrou simultaneamente: 1. A centralização do controle, mediante as ondas de fusões e aquisições observadas desde os anos 80. 2. A nova distribuição espacial da produção, ou seja, a internacionalização das cadeias de geração de valor. Centralização do controle e descentralização da produção: esse movimento de dupla face afetou a natureza e a direção do investimento direto em nova capacidade, reconfigurou a divisão do trabalho entre produtores de peças e componentes e os "montadores" de bens finais.

Os ganhos de produtividade gerados pelas novas tecnologias estão escondidos nos calabouços construídos pelo poder de mercado das grandes empresas que se apropriam do valor criado: as poderosas sobem as margens de lucro e destinam seus ganhos parrudos à recompra das próprias ações e ao pagamento de dividendos. Os salários modorrentos, a letargia do investimento empresarial, a "geração de valor" para os acionistas e a aflitiva concorrência pela busca de resultados a curto prazo espelham o poder de monopólio das grandes empresas.

Em 2018, no encontro patrocinado pelo Federal Reserve em Jackson Hole, o economista da Sloan Management School, John Van Reenen observou que muitas indústrias tornaram-se litigantes em busca do prêmio " o vencedor leva tudo ou quase tudo", devido à globalização e às novas tecnologias.

O nobelizado Joseph Stiglitz publicou na revista "The Nation" um artigo a respeito dos mercados na economia norte-americana. Stiglitz vai direto ao ponto: "Nas últimas quatro décadas, a teoria econômica gastou argumentos para difundir a crença que alguma variante do modelo competitivo de equilíbrio geral fornecia uma boa, ou pelo menos adequada, descrição de nosso sistema econômico. Mas, se começamos com o óbvio, aquilo que observamos em nosso cotidiano, a realidade mostra que nossa economia é marcada, em todos os setores da indústria, por grandes concentrações de poder de mercado".

A crescente centralização do poder em grandes blocos corporativo-financeiros impulsionou a concentração da riqueza e da renda, tal como revelam os estudos da Oxfam e até mesmo do FMI. Stiglitz admite que seus trabalhos anteriores subestimaram a importância das transformações ocorridas nos últimos 40 anos. Entre elas sobressai a progressiva desproporção entre o avanço das rendas da propriedade e o desenvolvimento do capital produtivo. A celebração da capacidade de inovação e de empreendedorismo da economia americana esconde o apodrecimento dos "espíritos animais inovadores" sob a pátina dos monopólios da propriedade intelectual e da acumulação de riqueza financeira.

"A riqueza originada da apropriação rentista, que vou chamar de renda-riqueza, constrange e expulsa a formação de capital (produtivo). A fraqueza da formação de capital no período recente está relacionada com o crescimento do rentismo da renda-riqueza, o que levou à estagnação econômica. Ainda mais grave, o poder de mercado foi utilizado para prejudicar a inovação: há evidencia de um declínio acentuado no ritmo de criação de novas firmas inovadoras".

As mudanças na composição da riqueza e a transformações nas estratégias das empresas explicam o festival de fusões e aquisições e a sanha das privatizações de bens públicos. O rentismo exercita seus propósitos ao se beneficiar de um ativo já existente e gerador de renda monopolista, criado com dinheiro público. A onda de fusões e aquisições também obedece à lógica patrimonialista e rentista do moderno capital financeiro, em seu furor de fruir o que já está feito.
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Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp.

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