Cabe ao presidente Michel Temer vetar o projeto de lei complementar aprovado pelo Congresso que exime de punição os prefeitos que ultrapassaram os limites legais de gastos com pessoal quando as receitas declinarem 10%, por isenções concedidas pela União ou pela redução dos ingressos decorrentes de royalties e participações especiais. Seria ao menos uma rejeição moral a uma mudança da Lei de Responsabilidade Fiscal, já desrespeitada por Estados e municípios e a caminho de se tornar letra morta.
As finanças de Estados e municípios estão fora de controle, mas boa parte dos desequilíbrios não pode ser debitada apenas à severa recessão que se estendeu de 2014 a 2016. Mesmo no período de crescimento anterior, as despesas dos entes federativos aumentavam, em especial as das folhas de salários. A lei de responsabilidade estabelece punições objetivas para quem ultrapassar os limites da prudência fiscal - proibição de contratação de novos créditos, suspensão dos repasses dos fundos de participação, cortes de pessoal, proibição de contratações etc.
Não houve interesse político, por mais de uma década, em manter as contas saudáveis, independentemente da orientação dos partidos que comandavam Estados e municípios, salvo honrosas exceções, como a do Espírito Santo. Os políticos sempre foram pródigos com dinheiro alheio, mas o descalabro financeiro chegou aonde chegou por vários motivos e um dos mais importantes foi a condescendência geral dos órgãos de fiscalização, como os Tribunais de Contas. No caso mais grave, o do Rio de Janeiro, quase todo o TCE - o presidente e 4 conselheiros - foi parar atrás das grades, não só porque nada fiscalizavam, mas porque participavam ativamente dos benefícios da bilionária rede de corrupção do então governador Sergio Cabral.
O perdão para a má gestão fiscal que o projeto que está nas mãos de Temer possibilita não para em pé. A suspensão de penas quando ocorrer a queda das receitas de 10% e o limite de 60% de despesas com pessoal for atingido significa que, antes da redução dos ingressos as despesas com pessoal já estavam no limite prudencial de 54% - ou os 90% do limite previstos pela LRF - e já não deveriam ter chegado a tanto. A situação é mais crítica nos municípios que dependem dos royalties do petróleo, cujas receitas foram do céu ao inferno em um par de anos, pela queda dos preços da commodity. Muitos deles fizeram o que os manuais não recomendam fazer: empilhar gastos permanentes sobre fontes de arrecadação variável. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, 25% dos 5.570 municípios do país dispendia mais com salários do que o permitido por lei.
Em tese, o aumento de gasto com pessoal pelo menos poderia ter como lado positivo o melhor atendimento ena maior oferta de serviços básicos vitais à população. Não é o que acontece. Segundo o ranking de eficiência dos municípios publicado pela Folha de S. Paulo, quanto maiores as despesas com a folha de pagamentos, menor a eficiência dos serviços prestados (9 de dezembro).
O desequilíbrio financeiro dos Estados também, é enorme. Contrariando a LRF, vários deles contabilizaram despesas com pessoal excluindo os gastos com inativos, e outros truques. Quando a conta foi posta na mesa, viu-se um rombo majestoso, de R$ 86,3 bilhões em 2017, aumento de 258% em relação a 2006 (O Globo, 9 de dezembro). As despesas com inativos cresceram, em termos reais, 93%.
Vários Estados ganharam o direito de pagar dívidas já renegociadas por mais 20 anos - meio século depois de repactuadas. Ainda assim sequer cumprem o ajuste fiscal exigido em contrapartida à extensão do pagamento. Isso depois de a LRF estender o prazo dos ajustes toda vez que a economia crescesse abaixo de 1% e estabelecer mecanismos para que, uma vez ultrapassados os limites das dívidas, eles pudessem ser reduzidos. No caso dos Estados, há a avalanche das despesas previdenciárias. Em 2017, somaram o dobro das despesas com saúde e educação - R% 93,9 bilhões ante R$ 41,7 bilhões (O Globo, 10 de dezembro).
O novo governo esteve perto de ser seduzido pelo apelo dos Estados por mais dinheiro, sem contrapartidas, de transferir 20% do dinheiro a ser obtido pela venda do petróleo da cessão onerosa da Petrobras. Mais do que dinheiro, o desafio do próximo presidente é fechar as lacunas da LRF e evitar seu fim. "A questão hoje é que não se sabe mais o que vale e o que não vale", diz José Roberto Afonso, um dos autores da lei. Na dúvida, gasta-se sempre mais.
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