quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Pagamento da Caixa ao Tesouro desfaz contabilidade criativa: Editorial | Valor Econômico

A Caixa Econômica Federal vai quitar junto ao Tesouro Nacional, ao longo dos próximos quatro anos, perto de R$ 40 bilhões em instrumentos híbridos de capital e dívida. A informação foi fornecida pelo novo presidente do banco, Pedro Guimarães, em entrevista ao Valor.

Embora a operação não faça grande diferença nos valores que transitam entre a Caixa e o Tesouro, ela representará um passo importante na governança da instituição federal e na transparência das contas públicas. Na prática, significa desmontar umas das facetas da chamada contabilidade criativa, usada com maior frequência no governo Dilma Rousseff, que permitiu inflar os superávits primários para cumprir as metas fiscais.

O pagamento antecipado dos IHCD não terá efeito financeiro relevante porque a Caixa é uma empresa 100% controlada pela União. A contrapartida do pagamento dos IHCD será a redução do volume de dividendos distribuídos pelo banco federal ao próprio Tesouro, assumindo como premissa que o banco federal não planeja acumular capital em excesso para aumentar o seu volume de negócios.

Dessa forma, portanto, trata-se de uma escolha entre o banco distribuir dividendos ou quitar os IHCD. Essa escolha, como se verá, tem algumas implicações relevantes para as estatísticas fiscais.

Tanto a distribuição de dividendos quanto a quitação dos IHCDs permite, em tese, reduzir a dívida bruta do governo geral. Uma diferença importante, porém, é que, se a Caixa optasse por pagar dividendos em vez de quitar os IHCDs, os recursos fortaleceriam o resultado primário, já que os lucros distribuídos por empresas estatais são consideradas receitas primárias. O pagamento dos IHCD não afeta o resultado primário.

É isso mesmo que se espera, já que o pagamento antecipado dos IHCD representa desfazer uma pedaço importante da contabilidade criativa do governo Dilma. Esse foi um expediente que permitiu aumentar artificialmente os superávits primários, então o principal indicador de solvência do setor público, à custa do aumento da dívida bruta.

Sobretudo a partir de 2012, o Tesouro Nacional, então chefiado pelo economista Arno Augustin, passou a exigir uma distribuição mais forte de dividendos da Caixa, que em alguns exercícios equivaleram a mais de 100% dos lucros apurados, superando a capacidade financeira do banco federal. Esses recursos ajudaram a cumprir as metas de superávit primário.

De 2007 a 2014, a Caixa distribuiu em valores históricos quase R$ 30 bilhões em dividendos ao Tesouro, o que representa, em média, 73% do lucro líquido anual apurado. Nesse período, bancos privados retiveram lucros e fizeram captações no mercado e junto aos seus acionistas para fortalecer a sua base de capital para cumprir as regras prudenciais de Basileia 3.

Ao mesmo tempo em que produzia uma sangria nos resultados da Caixa, o Tesouro fez a injeção de títulos públicos no banco, sob a forma de IHCD, para evitar a erosão da base de capital do banco federal. Essas operações, que somam perto de R$ 40 bilhões, provocaram alta na dívida mobiliária. Num segundo momento, esses IHCD foram transformados em instrumentos perpétuos, ou seja, sem vencimento.

Guimarães informou, na entrevista ao Valor, que pretende levantar recursos para pagar os IHCD por meio da abertura de capital de algumas áreas do banco, como parte dos ramos de seguridade, cartões de crédito, administração de recursos de terceiros e loterias. São estudos que já vinham sendo feitos dentro do banco, mas que o governo Bolsonaro afirma que pretende aprofundar.

Os ganhos de abrir o capital dessas novas subsidiárias não se restringem a resgatar parte da transparência perdida nas contas públicas. A atração de sócios privados poderá trazer expertise para ampliar negócios, hoje subexplorados. Uma boa parcela da base de clientes da Caixa apenas mantém recursos na caderneta de poupança ou toma crédito, duas atividades que contribuem pouco para a margem financeira da indústria bancária. De quebra, um eventual controle privado das subsidiárias poderá dar maior flexibilidade na tomada de decisões, pois essas empresas sairiam da alçada da lei de licitações.

Será necessário, porém, um bom equilíbrio entre os objetivos de levantar recursos nas ofertas iniciais de ações e de assegurar rentabilidade que perpetue as atividades principais do banco no longo prazo. No caso da empresa de seguridade do BB, por exemplo, as ofertas de ações foram um grande sucesso, mas hoje as receitas mais baixas com esse ramo de negócio coloca o banco federal em posição de desvantagem em relação aos concorrentes privados.

Nenhum comentário: