Em mais uma iniciativa destinada a impedir que juízes utilizem seus cargos e suas prerrogativas para fazer política partidária e assumir funções no Executivo e no Legislativo, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reiterou a proibição de que magistrados atuem em conselhos, comitês ou comissões estranhas ao Poder Judiciário.
O que levou o órgão a determinar essa proibição foi a decisão do novo governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, de extinguir a Secretaria da Segurança Pública, de conceder o status de secretaria à Polícia Civil e à Polícia Militar e de atribuir a responsabilidade pela coordenação entre elas a um conselho de segurança pública integrado por procuradores do Ministério Público e por desembargadores da Justiça fluminense, além de delegados de polícia e de representantes das Secretarias de Administração Penitenciária, Desenvolvimento Social e Direitos Humanos.
O decreto de Witzel define esse conselho como um órgão de natureza propositiva, consultiva e deliberativa, atribuindo-lhe a função de formular e propor diretrizes para políticas voltadas para a promoção da segurança, prevenção, política criminal e controle da violência. O decreto também conferiu ao conselho poderes para acompanhar a aplicação de recursos na área da segurança pública, orientar o trabalho conjunto das forças federais, estaduais e municipais e fiscalizar denúncias de abusos.
Ao justificar o decreto, Witzel – que é juiz federal aposentado – enfatizou a importância de uma ação conjunta de órgãos de Estado no combate à violência criminal.
Com receio de que essa colaboração seja pretexto para diluir a responsabilidade do chefe do Executivo numa área politicamente delicada e de que membros do Judiciário possam se desgastar no exercício de funções administrativas e perder a isenção no julgamento de ações envolvendo atos e programas do Executivo em matéria de segurança pública, a Corregedoria do CNJ fez o que lhe cabia.
Ao justificar a decisão de proibir magistrados fluminenses de participar da gestão de Witzel, o colegiado afirmou, em nota, que a Constituição, a Lei Orgânica da Magistratura e o Código de Ética só permitem que os membros da corporação exerçam, fora da carreira, a função de professor.
“A confiança do público na autoridade moral do Judiciário é de suma importância numa sociedade democrática e sua independência e imparcialidade pressupõem o total desprendimento dos magistrados, de fato e na aparência, de embaraços políticos e a abstenção do envolvimento em conflitos de forças políticas, dentro de estabelecimentos políticos ou governamentais próprio das atividades do Executivo e do Legislativo”, afirmou o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins.
Apesar da clareza da legislação e da sensatez desses argumentos, o governador Wilson Witzel alegou que existem vários conselhos com a presença de membros do Judiciário na administração pública e manifestou a esperança de que o plenário do Conselho Nacional de Justiça derrube a decisão do corregedor. É muito pouco provável, contudo, que o órgão volte atrás. Entre outros motivos, porque a decisão da Corregedoria foi muito bem recebida nos meios jurídicos e forenses.
“O Judiciário não pode se envolver na formulação e implementação de políticas públicas, pois com isso perderá a imparcialidade para apreciá-las. No campo da segurança pública, que afeta as ações penais, isso é especialmente grave e constitucionalmente inaceitável”, diz Daniel Sarmento, ex-procurador da República e professor titular de direito constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Juiz exerce função de Estado e não função de governo, lembra Gilson Dipp, ex-corregedor do CNJ e ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça.
Ambos têm razão. Afinal, se magistrados da ativa passarem a exercer funções governamentais, será impossível reverter o problema da politização da Justiça, que há tempos vem pondo em risco a segurança jurídica e corroendo a democracia.
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