- O Estado de S.Paulo
A reforma do sistema financeiro pode ajudar a destravar o financiamento de médio e longo prazo
Na última semana, dúvidas que já haviam surgido durante a campanha presidencial voltaram à tona. Qual a reforma de Previdência apoiará Bolsonaro? A defendida por Paulo Guedes, que almejaria – corretamente – restaurar a sustentabilidade e combater as desigualdades e privilégios do sistema atual? Ou a reforma fatiada, começando pela idade mínima da aposentadoria, alinhada com o que Bolsonaro defendera durante a campanha? Quem fala pela área econômica do governo: o ministro da Economia, o presidente, membros de seu círculo íntimo? É natural que no início de um novo governo haja alguns problemas de coordenação. No entanto, dada a ausência de uma discussão mais aprofundada sobre a agenda econômica durante toda a campanha presidencial, é importante que o governo supere rapidamente problemas de coordenação e a sempre inevitável disputa por holofotes.
Confesso que tenho dúvidas quanto à capacidade imediata de dar a clareza necessária aos temas relativos ao ajuste fiscal de médio e curto prazo, incluindo os enormes desafios das contas públicas estaduais, até aqui ignoradas – inclusive no bom pronunciamento de Paulo Guedes na ocasião de sua posse. Dito isso, parece-me que uma área em que pode haver avanços imediatos é na necessária reforma do sistema financeiro sobre a qual tenho insistido há algum tempo. Essa semana foram empossados os novos dirigentes da tríade responsável por muitas distorções microeconômicas e macroeconômicas na economia brasileira durante governos anteriores, a saber, o BNDES, a Caixa Econômica Federal, e o Banco do Brasil.
Sobre o BNDES em particular, perdi a conta do número de artigos que escrevi para esse espaço sobre o tema. Embora reconheça a importância das reformas de Temer, há muito ainda por fazer. Com a introdução da TLP, Temer eliminou um dos principais canais de subsídios do Tesouro para o BNDES. Tal canal fora responsável por considerável opacidade nas contas públicas durante o final do segundo mandato de Lula e praticamente todo o governo Dilma, abrindo flanco não apenas para o aumento das vulnerabilidades fiscais, como também para práticas nebulosas no uso do dinheiro dos contribuintes. É importante destacar que, ao contrário da demonização constante que sofre o BNDES, a culpa não foi do banco – ao menos não do corpo técnico extremamente qualificado que lá está. A culpa foi dos governos que o utilizaram para atingir objetivos que nem sempre atenderam aos interesses do País. A TLP de Temer foi um bom começo para evitar recorrências dessas práticas, mas foi apenas um começo.
Em seu discurso de posse, Joaquim Levy destacou a necessidade de continuar ajustando o balanço do banco, mas, mais relevante foi a ênfase em repensar sua forma de atuação. Como tenho dito e escrito ao longo dos últimos anos, o BNDES precisa de um mandato claro, delineando o papel moderno de uma instituição de fomento que não apenas ocupe indevidamente o espaço das instituições privadas, mas que saiba ajudá-las a alavancar o financiamento para objetivos intrinsicamente complicados, como o desenvolvimento de infraestrutura. Há muito capital humano no corpo técnico do BNDES para ajudar Levy nessa empreitada, incluindo muita gente que passou anos discordando das diretrizes adotadas por líderes indicados pelo PT para presidir a instituição.
Como demonstrei em pesquisa publicada em 2015 pelo Peterson Institute for International Economics, parte relevante das distorções causadas pelos bancos públicos resulta na segmentação dos mercados de crédito, na imensa discrepância dos spreads bancários, nas taxas de juros anômalas para os tomadores de crédito. Com base nessas evidências, argumentei que uma profunda reforma do sistema financeiro deveria estar entre as prioridades de qualquer governo realmente reformista. Ao que parece, essa reforma ganhou maiores chances de se concretizar se capitaneada for pelos novos dirigentes das três instituições financeiras públicas, que reúnem competência e experiência para tanto. A reforma do sistema financeiro pode ajudar a destravar o financiamento de médio e longo prazo, a produtividade, o crescimento, ainda que o bate-cabeça da reforma da Previdência persista.
Há enorme oportunidade para avançar a agenda dos bancos públicos, sobretudo sob novas lideranças e com o apoio incondicional do ministro da Economia. Que o governo Bolsonaro não a desperdice.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins Universit
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