- Valor Econômico
Não se deve governar com raiva, nem pendurado no Twitter
O que importa saber, hoje, é se e como o governo Bolsonaro conseguirá formar maioria de votos no Congresso Nacional para aprovar as reformas, sejam elas quais forem. Nada se sabe sobre isso, e há pré-requisitos a serem vencidos. A dúvida é pertinente, entre outras razões, porque não se tem notícia sobre em que bases estão sendo construídas as relações entre as autoridades responsáveis pela elaboração da reforma prioritária, a da Previdência, e os parlamentares que vão votá-la. O que vazou nos revela apenas que o governo espera pressão da sociedade, de fora para dentro, o que obrigaria os parlamentares a aderirem à vontade do governo eleito pelo povo. Provavelmente será difícil reunir gente suficiente na rampa do Congresso clamando por reforma da Previdência, mas desenhar estratégia não faz mal.
O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, um dos encarregados dessa intermediação, está ainda perdido em polêmicas e em tentativas de encontrar uma rotina de trabalho no emaranhado de funções que abraçou: coordenar ações do governo, presidir reunião ministerial, definir textos de reforma, receber parlamentares, sugerir lances de marquetagem ao presidente, ter um olho no governo atual e outro na reeleição, falar com a imprensa.
Essa última tarefa ele detesta mas precisou ceder umas duas vezes porque o governo não tem quem o faça. Comunicação, na administração Bolsonaro, é o Twitter e ponto final. No máximo o re-twitter até que todas as opiniões da família presidencial sejam divulgadas.
Se são 57, 62 ou 65 anos de trabalho para mulheres e homens se aposentarem deveria ser uma discussão posterior à definição sobre como se dará a articulação com o Congresso, em nome de quem, como disse ontem, indiretamente, o general Augusto Heleno, será fixada a idade viável para aprovação. Já se falou mais de uma vez, uma delas pelo próprio presidente: será escrita uma reforma que o Congresso possa aprovar.
A estratégia de esperar a pressão popular é tão inútil quanto discutir com a oposição que a campanha acabou, agora é governar. Nem o governo se convenceu disso. As divergências internas, embora tenham feito a reforma da Previdência tornar-se proeminente, mostraram que o governo está perdido entre os vários carros que colocou à frente dos bois. Além da interlocução com o Congresso, há outra preliminar mais importante ainda, a da eleição dos novos presidentes da Câmara e do Senado.
Deles depende o sucesso dos pleitos do governo no Parlamento. O candidato à presidência da Câmara que recebeu o apoio do partido de Jair Bolsonaro foi Rodrigo Maia, mas a adesão do PSL a ele provocou um início de rebelião entre outros partidos do Centrão, ameaçando sua eleição. No Senado, caminha célere para o pódio, numa campanha tão disfarçada quanto firme, Renan Calheiros, ferrenho cabo eleitoral do PT.
De mal com os dois e sem maioria, o governo pode dar adeus às reformas. Os parlamentares estão se sentindo descompromissados com o sucesso do governo, de que não participam. A aposta de Bolsonaro é em um sentimento renovado de salvação do país que surja em um Congresso também renovado.
Impermeável à realidade, o governo se consome, nesse início, em desorganização, conflitos e divisões provocados por seus próprios pares. Não é exclusividade deste governo um começo como tal, em que os fatos periféricos atropelamos essenciais. Quem não se lembra da celeuma sobre o transporte da cachorrinha de Marisa Letícia, mulher do ex-presidente Lula, na Kombi da Presidência da República? E a polêmica do canteiro construído no Palácio da Alvorada em forma de estrela do PT desenhada com flores vermelhas?
No governo Fernando Henrique Cardoso, o superministro Sérgio Motta causou furor ao definir como masturbação sociológica as divergências de dona Ruth Cardoso com o restante do governo e alguns políticos da base de apoio no Congresso, entre eles Antonio Carlos Magalhães. No governo Collor a balbúrdia inicial assemelhava-se à de agora: o presidente confiscou o dinheiro da poupança e não tinha ninguém escalado com capacidade para explicar a violência do bote. Tudo provocado pelo tiroteio interno.
O governo Bolsonaro, já se sabia, seria um pandemônio, desde que ficaram delineados os grupos estanques de poder com que trabalharia. Ainda mais sem coordenação entre eles.
Os militares têm três pés fortes na Presidência, o do vice Hamilton Mourão e dos ministros Augusto Heleno e Santos Cruz. Difícil levarem bola nas costas, num metáfora de preferência do grupo. Os políticos, sob comando de Onyx, ainda procuram seu lugar e sua força, e têm atirado por todos os lados. O grupo da economia é o mais desprovido até agora, ainda não encontrou uma rotina para reunir-se com o presidente, explicar a ele os detalhes dos estudos, dizer o que está preparando e mostrar o que é possível fazer. Não tem cadeira no Planalto. Pairando acima de todos não o Brasil, como o slogan, mas a família, os filhos que funcionam como alter ego do pai-presidente, que falam a sua linguagem e que podem dar uma rasteira a qualquer um dos grupos, a qualquer momento.
O país saiu da república sindical para a república da caserna, o traço bolsonarista mais forte que, tanto quanto a família, molda a personalidade e o humor do presidente. Suas características são a disciplina, o amor à pátria, o hino, a bandeira, o verde e amarelo, e um pouco de austeridade. Os generais, almirantes e brigadeiros fecham-se no seu ninho e pouco dão bola para a briga que veem na rinha. Mas ainda é governo versus governo, o eleitorado, os empresários, as ONGs, os parlamentares, os governadores, não entraram em consideração nesse cenário nebuloso.
O governo não precisa só de um porta-voz para falar para fora, precisa de um coordenador para seus grupos de poder. Onyx não tem charme nem paciência para falar com a sociedade através da imprensa, fica discutindo com jornalistas. Mas precisa também de alguém para compatibilizar os discursos, coordenar as ações.
O chefe da Casa Civil está tendo mil e uma obrigações, o que, já se sabia, não daria certo. Como se sabe, também, que não darão certo os ministros Damares, Ernesto e Vélez-Rodríguez, mas por razões diversas que não cabe aqui discutir. Bolsonaro não deveria governar com raiva nem dando a impressão que está sentado numa cadeira de balanço, de bermuda e chinelo, tuitando. Gordura de poder se queima rápido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário