- Folha de S. Paulo
O voto secreto pode ser usado para conluios, mas o aberto nem sempre é bom
O voto secreto nos trabalhos legislativos pode viabilizar conluios. Salvo quando esses adquirem grande visibilidade. A malograda aliança em torno de Renan Calheiros —protagonizado por setores do MDB e o bloco de esquerda— mostra como ele, em tese, permitiria reduzir os custos políticos junto à opinião pública.
"Não se deixem enganar se uma assembleia opta pelo regime secreto de votação citando a necessidade de se evitar a vigilância do chefe de governo: isto é apenas um pretexto. A motivação real para este comportamento pode muito bem ser o desejo de se submeter a sua influência sem se expor muito à sanção pública."
O alerta é de Alexis de Tocqueville (1805-1859), lembrado por Jon Elster em "Secrets and Publicity in Votes and Debates" (Segredo e publicidade em votações e debates, Cambridge University Press, 2015).
Mas o juízo que se pode ter em relação ao regime de publicidade do voto —se secreto, semissecreto (quando o voto é aberto no âmbito de um colegiado, mas secreto fora dele) ou público— depende de vários fatores. Seu caráter democrático ou não depende do contexto. A autonomia do representante é sempre desejável em relação aos governantes, mas não ao eleitorado.
Não há evidências que o voto público nos trabalhos legislativos produza resultados mais democráticos. Há baixa correlação entre regime político e tipo de voto adotado. Na maioria de regimes autoritários o voto é público. Nas democracias, em geral, adota-se o secreto para eleições dentro do Legislativo, mas aberto para emendas constitucionais etc. A votação nominal nas mãos dos líderes pode solucionar problemas de ação coletiva e disciplina, como mostra Daniela Giannetti para o caso italiano na coletânea editada por Elster.
O voto secreto no âmbito do eleitorado, no entanto, é incontroverso. Se em todas os países em que há eleições regulares o voto era inicialmente aberto, gradualmente tornou-se secreto. Das 2.626 eleições nacionais ocorridas no mundo entre 1788 e 2000, 483 foram abertas e 2.143 secretas segundo Adam Przeworski, em seu capítulo.
As demais contribuições nesse estudo mostram a enorme diversidade de regimes de publicidade utilizados em vários contextos (democracia grega, assembleias constituintes e parlamentos ordinários, bancos centrais, júris e supremas cortes). Não há conclusão robusta sobre o efeito de regras de votação sobre os resultados alcançados.
Nas democracias modernas o voto secreto foi justificado para eliminar a dependência pessoal e a corrupção; e nos parlamentos, como garantia de independência de parlamentares. Mas o que importa é a estrutura de incentivos em cada caso específico.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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