A publicação de trechos de conversas entre membros da Operação Lava Jato e o ex-juiz do caso, o atual ministro Sergio Moro, suscita debates sobre o papel de promotores, procuradores e juízes em investigações penais, a eventual quebra de imparcialidade quando se juntam contra uma das partes do processo e ao direito à informação e à transparência.
É fato que a origem nebulosa do material deve ser investigada e a punição à quebra da privacidade assegurada. É crime grave que viola direitos básicos do cidadão. No entanto, o direito à informação e a salutar transparência da coisa pública impõem a necessidade de apreciação de seu conteúdo.
A possibilidade de Moro ter orientado o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, sobre como agir em determinadas situações dos processos que julgou e a manipulação para que a competência da investigação sobre um dos réus permanecesse em Curitiba estão na essência do problema legal a ser enfrentado.
O Código de Processo Penal diz que o juiz é considerado sem a devida imparcialidade se houver aconselhado a acusação ou a defesa. Determina que devem ser anuladas as decisões tomadas por juízes suspeitos.
Tidas como reais — porque até agora não contestadas —, há conversas que sinalizam a intromissão de Moro na investigação, com a sugestão de como proceder e de quando agir, fazendo críticas à atuação de procuradores e até indicando como produzir provas.
A discussão técnico-jurídica não será dissociada da abordagem ético-política. Injustiças devem ser toleradas em nome do combate à corrupção? Tal postulação não fere os valores democráticos mais essenciais?
Entre os elogios possíveis ao trabalho de magistrado de Moro está a ação coerente com pensamentos que externou. Em análise que produziu em 2004 sobre a Operação Mãos Limpas, Moro antecipou com clareza o método que acabaria por adotar — não sem polêmica ou queixas das partes — na condução da Lava Jato.
Quinze anos atrás, Moro já acreditava que a presunção de inocência não era absoluta, sendo invocada no Brasil como obstáculo a prisões antes do julgamento. Expunha que, vencida a carga probatória necessária para a demonstração da culpa, não deveria existir maior óbice moral para a decretação da prisão, especialmente em casos de grande magnitude.
Reclamava de que a possibilidade de recursos de sentenças em liberdade nada mais seria do que “um excesso liberal com uma pitada de ingenuidade”. Pregava, com razão, que a corrupção tende a espalhar-se enquanto não encontrar barreiras eficazes e afirmava que o político corrupto tem vantagens competitivas no mercado político em relação ao honesto, por poder contar com recursos que este não tem.
No texto citado, Moro classificava a Mãos Limpas como “uma das mais exitosas cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa” ocorridas até então. Não seria cabotinismo de sua parte equipará-la agora à Operação Lava Jato.
Como as palavras não traem, a escolha do termo “cruzada judiciária” denota uma distorção de Sergio Moro na missão imputada a si próprio: o messianismo jurídico. Como se sabe, Cruzada foi a expedição militar-religiosa conduzida na Idade Média para fazer guerra denominada como santa. Tal messianismo de Moro pode ser observado em diversas das reações quando criticado — seja no episódio de divulgação ilegal de escutas envolvendo a Presidência da República, pela qual se desculpou candidamente perante a Suprema Corte, seja agora, ao afirmar “não ter nada ali”, nas conversas vazadas, além de matérias sensacionalistas
Usando Moro contra Moro, o juiz estava certo ao dizer na análise da Mãos Limpas que a ação judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da democracia. “É esta quem define os limites e as possibilidades da ação judicial”, escreveu. Sendo assim, o devido processo legal deve ser respeitado, como pilar que é da sustentação do regime democrático. Despido do papel de redentor, Moro deve, humanamente, reconhecer que errou e enfrentar as consequências jurídicas e políticas de seus atos.
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