sexta-feira, 14 de junho de 2019

Flávia Oliveira: Ajustes bem-vindos

- O Globo

O relatório do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) —certamente desagradável aos olhos do ministro da Economia, Paulo Guedes — trouxe um punhado de bem-vindas alterações à reforma da Previdência (PEC 06/2019). A mais justa delas foi a revogação da mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC). A equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro propôs pagar R$ 400 a partir dos 60 anos a idosos em situação de miséria; salário mínimo, só a partir dos 70. De quebra, o benefício não seria liberado a quem tivesse patrimônio superior a R$ 98 mil, Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida). Isso inviabilizaria o pagamento a qualquer dono de imóvel simples numa grande capital do país. Era medida cruel, porque o benefício representa quase 80% do orçamento dos lares a que chega; e seis em cada dez assistidos são mulheres. Segundo dados da bancada feminina do Congresso, brasileiros de 65 anos vivem até os 83; entre os que recebem o BPC, pela vulnerabilidade ao longo da existência, a idade média de falecimento é de 74 anos. Acertou o relator ao propor a manutenção da regra atual, de um mínimo a partir dos 65 anos —e assegurar nove anos de dignidade na velhice.

Na aposentadoria rural, outro acerto. Em vez de equiparar a idade mínima em 60 anos e tempo de contribuição de 20 para homens e mulheres, o relator propôs manter o limite atual, de 55 para elas e 60 para eles, e elevar somente o tempo de contribuição masculina, mantendo 15 para as trabalhadoras. Preservar a diferença de idade faz sentido, porque o governo fez isso com contribuintes das áreas urbanas e servidores. Já a percepção de que o trabalho no campo é mais penoso, tanto para homens quanto para mulheres, recomendaria não mexer no tempo de contribuição. Autoridades gostam de apontar abusos na concessão de aposentadorias no campo, em razão do número de beneficiários superior ao de habitantes aptos. O assunto preocupa, é verdade, mas deve ser resolvido com ações de combate a fraudes, não dificultando o acesso por quem precisa.

O relatório também restaurou o hiato de idade mínima de aposentadoria entre os professores da educação infantil ao ensino médio. Hoje, não há piso etário, e o tempo de contribuição é de 25 anos para mulheres e 30 para homens. O governo propôs fixar 60 anos de idade e 30 de contribuição para ambos os sexos, numa medida claramente negativa para as professoras, que representam 80% da categoria, segundo o IBGE. O deputado Samuel apresentou no relatório idade mínima de 57 para elas e 60 para eles. Noutra alteração, propôs que, nas pensões por morte, nenhum beneficiário sem outra fonte de renda receba menos de um salário mínimo.

Mudança relevante também foi a manutenção em 15 anos do tempo de contribuição ao INSS para aposentadoria de mulheres. Na proposta original, o governo sugeriu elevação para 20 anos em ambos os sexos e instituiu idade mínima de 62 anos para elas, 65 eles. Na prática, a medida obrigaria mulheres a trabalhar sete anos mais e homens, cinco. Também tornaria muito mais difícil a aposentadoria feminina, porque assimetrias do mercado de trabalho impõem a elas maiores taxas de desemprego e informalidade, sinônimo de longos períodos sem recolhimento previdenciário.

Em 2014, quando a idade mínima para aposentadoria já era de 60 anos, 57% das mulheres se aposentavam com mais de 61, pela dificuldade de comprovar a década e meia de contribuição. Na área urbana, a média passava de 63 anos. Outro estudo mostrou que, em 2015, 15% das mulheres e 7% dos homens se aposentaram com idade cinco anos além da mínima.

Vale lembrar que, em razão do excesso de trabalho sem carteira assinada na base da pirâmide, é raríssima a aposentadoria precoce dos trabalhadores de baixa renda, grupo formado basicamente por mulheres, negros e nordestinos. Numa reforma que se propõe justa, governo e parlamentares devem privilegiar os mais pobres e exigir mais de quem ocupa funções bem remuneradas. Nas principais intervenções, o relator tocou em pontos relevantes para atacar desigualdades fundamentais da sociedade brasileira. Nos próximos dias, análises mais apuradas revelarão se e qual grupo manteve nacos de privilégio sob a forma de emendas jabutis.

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