O fracasso do governo de Maurício Macri, após a derrocada de Cristina Kirchner, lançou os políticos argentinos no estado de confusão. Os passos dados pelas principais forças políticas vão de surpresa em surpresa. Cristina Kirchner, que nas pesquisas supera Macri no segundo turno, disse que concorrerá à vice-presidência, tendo à frente na chapa Alberto Férnandez, um peronista conciliador, sem expressão eleitoral. A jogada seguinte coube a Macri, velho inimigo do peronismo, que escolheu como seu vice o senador peronista Miguel Picchetto, hábil negociador e líder da maioria no Senado. Por último, a "terceira via" será representada por Roberto Lavagna, ex-ministro de Néstor Kirchner, tendo como vice outro peronista, Juan Manuel Urtubey, governador da província de Salta.
Das sete frentes eleitorais constituídas, as três com chances de vitória têm em seu nome palavras que sugerem união e entendimento. Macri arrasta a União Cívica Radical e a Coalizão Cívica em novo movimento, batizado de Juntos pela Mudança. Cristina obteve apoio da Central dos Trabalhadores Argentinos e de 16 partidos ou movimentos políticos, a maioria peronistas, para sua Frente de Todos, Lavagna, com socialistas e democratas cristãos, criou o Consenso Federal 2030.
Ironicamente, a iniciativa que até a pouco congraçava, com cacife eleitoral, moderados e peronistas não kirchneristas, contando com a presença de governadores importantes, a Alternativa Federal - 21% dos votos nas últimas eleições, com o peronista dissidente Sergio Massa à frente - praticamente se dissolveu, sucumbindo a polos políticos de maior peso. Urtubey apoia Lavagna, Massa abrigou-se com Cristina e Picchetto, com o liberal Macri.
A perspectiva de poder é talvez a única coisa capaz de trazer à mesma órbita a infinidade de satélites peronistas que giram em torno do Partido Justicialista. Ao lançar-se para vice e chamar um moderado para concorrer a seu lado, Cristina fez um óbvio apelo à união dos peronistas, meta que, se cumprida, lhe daria certamente a vitória, ainda mais diante de um governo com perda aguda de popularidade e da enorme crise econômica. Desta forma se entende que Macri, esperança de renovação e que sempre fustigou os peronistas, tenha chamado o experiente e conciliador Piccheto para uma dobradinha para tentar manter-se na Casa Rosada. A ideia é que haja alguma revoada de peronistas moderados em sua direção.
Esse também é o desejo e a intenção da "terceira via" de Roberto Lavagna, ao formar dupla com Urtubey. Ambos cortejam o politicamente relevante governador reeleito de Córdoba, Juan Schiaretti e outros mandatários que fizeram parte da Alternativa Federal. As esperanças desta frente se concentram em ser "alternativa superadora" e opção "possível à pretendida polarização entre Macri e Cristina", nas palavras de Urtubey. A rejeição de ambos abre espaço para Lavagna, caso os argentinos evitem a polarização. Mas essa opção moderada pode ser esmagada se os eleitores escolherem o voto útil para evitar o candidato que não querem - ou Macri ou Cristina - votando em um ou outro. Não é possível prever o futuro.
Os mercados tiveram um rali com a escolha feita por Macri. O risco país caiu a 849 diante do pico de 1014 dois meses atrás, a bolsa subiu mais de 5% e o dólar recuou para menos de 45 pesos. As chances de Macri aumentam se a economia der alguns sinais de melhora. A inflação é em qualquer lugar um grande cabo eleitoral e mais ainda na Argentina. Ela vem caindo, mas não o suficiente, nem com tanta rapidez. O IPC, após atingir 4,7% em março, foi de 3,1% em maio. Ainda assim, em doze meses acumula 57,3%. Os analistas financeiros esperam que feche o ano em 40%.
A política de Macri contribuirá para acalmar um pouco os preços, já que congelou as tarifas públicas, que vinha reajustando com força para eliminar os subsídios, e no inverno subsidiará os gastos de energia. Isto reduz o peso sobre o consumidor, mas o aumenta sobre as contas públicas, submetidas a duro ajuste por Macri ao FMI, que fez à Argentina o maior empréstimo da instituição até hoje, de US$ 56,3 bilhões. Essa política contradiz o que Macri sempre pregou, mas a inflação estava fora de controle e o principal é ganhar as eleições.
Cristina aposta nas críticas e na ideia de que em seu governo as coisas eram um pouco melhores. Lavagna tem a credencial, que sempre exibe, de ter sido o economista que retirou a Argentina de sua maior crise, no início do governo de Néstor Kirchner. O legado econômico de Kirchner e Macri é desolador. Levará muito tempo para deixar de ser.
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