- Valor Econômico
É perigoso acreditar em transformações radicais de pessoas que detêm o poder
“A história está repleta de exemplos de homens que chegaram ao poder empregando métodos duros, severos e até assustadores, mas, quando examinada sua vida toda, foram avaliados como grandes vultos, cujas vidas enriqueceram a história da humanidade. Que assim seja com Hitler.” Sabemos que não foi assim.
O primeiro parágrafo deste texto, entre aspas, foi escrito em 1935, ipsis litteris, por Winston Churchill. Está no livro “Grandes Homens do Meu Tempo” (Nova Fronteira).
Antes do início da Segunda Guerra Mundial, Churchill tinha esperanças em relação a Adolf Hitler. Imaginava que ele poderia ser o homem que iria “restaurar a honra e a paz de espírito da grande nação germânica, trazendo-a de volta, serena, prestativa e forte, para a vanguarda do círculo familiar europeu”. Também sabemos que não foi assim.
Nos anos 1930, os alemães lançaram planos para recuperar seu poder militar, as fábricas foram adaptadas para produzir material bélico, aeroclubes e a aviação comercial viraram organizações voltadas para a guerra. Toda a Alemanha estava mobilizada para o confronto: fuzis, canhões, submarinos, esquadras aéreas.
Mesmo assim, em 1935, Churchill acreditava que “o mundo ainda poderia ver em Hitler uma figura mais moderada”. Imaginava que ele pudesse ser apenas o produto da revolta e da dor de uma raça e de um império poderoso que sofreram a esmagadora derrota da Primeira Guerra. Restaurada a honra do império alemão, o cabo Hitler pararia por aí. Sabemos que ele não parou e levou o mundo uma guerra sangrenta, com 60 milhões de mortos.
Essa minibiografia do grande tirano, escrita quando Hitler estava em ascensão, mostra quanto é perigoso acreditar em transformações radicais de pessoas que detêm o poder. Elas podem ocorrer, mas não são a regra. Em geral, essas pessoas tendem a ser o que parecem ser e, mais cedo ou mais tarde, a fazer o que dizem pretender fazer, a menos que sejam contidas. Eis uma boa reflexão para o momento autoritário em que vivemos, no Brasil e lá fora.
Bolha de otimismo
Mudando de assunto, há uma bolha de otimismo nesta passagem de ano. A inflação (IPCA-15) deu um pequeno salto em dezembro, mas todos acham que seja um ponto fora da curva, por conta das altas da carne e de combustíveis. O IPCA deve ter terminado o ano em 4%, abaixo da meta de 4,5%. Ninguém teme mais o famoso dragão da inflação, protagonista nas charges dos jornais nos anos 1980 e 1990.
O otimismo se espalhou também para o comércio, a construção de imóveis e para outros setores. O emprego ainda patina. Embora tenham sido criadas cerca de 900 mil vagas com carteira assinada durante o ano, houve precarização do trabalho, com as contratações temporárias e informais. Além disso, diminuiu pouco o número de desempregados, para cerca de 12 milhões. Muita gente que estava no desalento voltou a procurar colocação e, com isso, voltou também às estatísticas como desempregada.
Apesar das ameaças de guerras comerciais e militares, é inegável que o ano começa com um certo otimismo na economia. É boa hora, portanto, para refletir sobre as causas da ligeira reativação da atividade.
Segundo o discurso de início de governo, toda força seria dedicada à reforma da Previdência e à contenção de gastos, manobras que fariam o “milagre” de ressuscitar a economia. Elas reduziriam a incerteza sobre as contas públicas e isso criaria um clima de confiança que estimularia os investimentos e reativaria a economia.
Não foram os investimentos, porém, que provocaram essa ainda tênue reativação. Eles ainda não vieram, nem públicos nem privados. Foi o consumo das famílias. E por que aumentou o consumo das famílias?
Depois de uns sete meses de governo, a equipe econômica rendeu-se às evidências de que seria preciso colocar um pouco de heterodoxia em sua receita para que a retomada da economia se iniciasse. Numa batelada, liberou recursos do FGTS e do PIS/Pasep e começou a injetar R$ 42 bilhões na economia. Grande parte desse dinheiro foi para compras.
O Banco Central também atenuou a ortodoxia monetária. A partir de setembro, passou a reduzir a taxa de juro, depois de mantê-la teimosamente em 6,5% ao ano durante 16 meses. Nesse período, ignorou a inflação baixa e a estagnação econômica, que explicitamente recomendavam a redução da taxa. Observa-se no gráfico abaixo o vacilo do BC na linha reta que começa em março de 2018. Com a inflação controlada, a taxa Selic permaneceu inalterada até setembro de 2019. Já em janeiro de 2019, mostra o gráfico, havia espaço para uma redução.
Quando o BC começou a baixar a taxa, os bancos permaneceram impassíveis. Praticamente mantiveram sua taxas de juros no crédito, como se nada tivesse acontecido. Aí entrou em ação a Caixa, cortando agressivamente suas taxas no cheque especial, no cartão e no crédito imobiliário. E os juros caíram, mas ainda estão em níveis estratosféricos, o que levou o BC a tabelar, por exemplo, os juros do cheque especial em 8% ao mês, medida que entrou em vigor ontem. Outro soluço heterodoxo.
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