Aos amigos, tudo – Editorial | Folha de S. Paulo
Só índios, quilombolas e sem-terra ficam fora da distribuição de áreas públicas
Criticam-se amiúde os governantes por descumprirem promessas de campanha, porém há ocasião melhor para reprová-los, quando concretizam propostas que ficariam melhor varridas com o entulho da refrega eleitoral. Assim ocorre com a política fundiária do presidente Jair Bolsonaro, que só agrada aos ruralistas mais retrógrados.
Em 10 de dezembro sancionou-se no Planalto a medida provisória 910, à primeira vista voltada para o objetivo louvável de regularizar terras da União em posse de particulares. A situação aí é de caos que merece ser disciplinado, com efeito, mas cabe lembrar que o demônio se oculta nos detalhes.
O governo Michel Temer já havia dado um presente para os tomadores de patrimônio público —entre os quais incluem-se de pequenos posseiros a grandes grileiros— ao ampliar de 2004 para 2011 o prazo da ocupação. Depois que assumiu, Bolsonaro esticou-o para 2018 e dispensou a obrigatoriedade de vistoria prévia.
Fez mais: aumentou a extensão máxima da área por titular de 4 para 15 módulos fiscais. Em certas partes do país, isso pode chegar a 16,5 km2 (o mesmo que um bloco de 40 x 40 quarteirões).
Comemorou a franja mais atrasada do ruralismo, em geral pecuaristas mancomunados com grileiros e madeireiros ilegais na ponta da cadeia de devastação ambiental e do esbulho fundiário. Sem nenhum motivo para festejar ficaram aqueles que mais fariam jus à regularização de suas terras, até por previsão constitucional.
É o caso dos povos indígenas e quilombolas que ainda não viram demarcadas e homologadas áreas que tradicionalmente ocupam, como mandam o artigo 231 da Constituição e o de número 68 das Disposições Transitórias.
Bolsonaro, entretanto, cumpre a promessa de não lhes reconhecer legalmente nem um centímetro quadrado de terreno. Não por acaso, reduziu ainda o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em ações federais para conter conflitos resultantes de invasões de garimpeiros e madeireiros nessas áreas.
O governo alega que a MP 910 beneficiará 300 mil famílias instaladas em terras da União, muitas delas de pequenos agricultores em assentamentos ainda não regularizados. De reforma agrária, propriamente dita, fez nada, embora contasse no final de 2018 com vagas para assentados em 66 projetos.
O resumo do primeiro ano sob Bolsonaro no campo é óbvio: aos amigos e apoiadores do agronegócio, tudo, mesmo ao custo de chegar a premiar, em muitos casos, quadrilhas usurpadoras de terras públicas; aos movimentos sociais, nem mesmo o cumprimento da Constituição Federal.
Já se sabe que é um erro subsidiar combustíveis – Editorial | O Globo
Brasília se depara com outra forte alta do petróleo, mas a experiência mostra o caminho a seguir
Devido à importância que o petróleo tem na matriz energética do mundo, variações bruscas de seus preços se propagam como abalo sísmico nos sistemas produtivos. Logo, na vida das pessoas. Durante muito tempo grande importador de petróleo, o Brasil passou por várias dessas situações.
Mesmo agora, quando exporta parte da produção, não pode ficar livre delas. Porém, com a enorme vantagem de que não corre riscos como no passado de crises sérias de abastecimento.
Estratégicos, os combustíveis são tratados com especial cuidado pelos políticos, sem que haja nada de mau nisso. Só há quando seus preços passam a ser administrados de forma populista. Há inúmeros exemplos deste erro na história do Brasil. Na ditadura militar, por exemplo, havia subsídios nada transparentes cujo valor efetivo não era divulgado. Sabia-se apenas que os rombos eram despachados para o Tesouro. E a inflação ajudava a disfarçar tudo.
Agora, com a crise provocada pela decisão do presidente Trump de ordenar o assassinato do general iraniano Qassem Soleimani, o preço do barril chegou aos US$ 70. Já vinha em elevação devido à deterioração do panorama geopolítico no Oriente Médio. Mais uma vez, o governo brasileiro precisa administrar o impacto da alta.
O discurso do presidente Bolsonaro tem sido de que não haverá retenção artificial de preços, coerente com o pensamento do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco. É tranquilizador.
Perigosas são as pressões políticas que costumam surgir nessa hora e que podem sensibilizar Bolsonaro, autodenominado ignorante em economia. Ele já demonstrou excessiva sensibilidade a demandas irrealistas da corporação de caminhoneiros, de sua base eleitoral. Que se sentiu autoconfiante ao fazer greve no final do governo Temer, o qual cedeu na reivindicação de tabelar fretes, algo impossível em um mercado com milhares de agentes econômicos. O assunto está pendente no Supremo. Podem tentar outra vez, a depender da firmeza do imprevisível Bolsonaro.
Há fórmulas técnicas de atenuação do impacto das variações de preços do petróleo nas bombas dos postos de combustíveis. O ministro de Minas e Energia, Bento Costa Lima, tem dado declarações sobre um fundo a ser formado na fase de aumento da arrecadação, na alta das cotações, que compensaria os efeitos de grandes elevações nos preços. A proposta não é nova. Vem do governo Temer, falta executar.
Diante de choques como este é um erro o Estado intervir no mercado como se pudesse domá-lo. É preciso manter o Tesouro fora deste circuito. Congelamentos de combustíveis já criaram rombos bilionários na estatal.
Há, ainda, a questão de que a Petrobras deseja, acertadamente, privatizar refinarias, também para injetar concorrência neste mercado. A qualquer risco de intervenção no setor, os investidores se retrairão.
A privatização nos Estados – Editorial | O Estado de S. Paulo
A disposição de governadores de diversos Estados de transformar 2020 no ano de grandes privatizações, concessões e estabelecimento de Parcerias Público-Privadas (PPP) é salutar por uma série de motivos. O mais óbvio deles é que, caso tenha êxito, a iniciativa desses governadores contribuirá para reduzir o peso do setor público na atividade econômica e na vida das pessoas, abrindo espaço para quem pode exercer essas funções com maior eficiência e menor custo. Nesse sentido, é mais do que tardia a ação que, como informou o Estado, está prestes a ser iniciada por vários governos estaduais. Há muitas atividades pelas quais esses governos ainda são responsáveis, mas que não são exercidas com a qualidade, a presteza e o custo devidos à sociedade, o que exige sua reformulação urgente.
Há, porém, diversos aspectos nos planos estaduais de privatização que merecem observação especial.
A lista de ativos relacionados entre os que podem ser oferecidos à iniciativa privada é um retrato da fúria estatizante que caracterizou parte da segunda metade do século passado e da avidez com que governantes interessados em conquistar apoio popular ou favorecer determinados segmentos usaram dinheiro público para criar serviços e empresas que nenhuma ligação deveriam ter com as tarefas do setor público.
A quantidade de empresas estaduais de energia elétrica é consequência do forte papel que os planos de desenvolvimento elaborados na década de 1950 e, depois, durante o regime militar atribuíram ao setor público. Um quarto de século depois dos planos de privatização executados durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, ainda há pelo menos quatro companhias de energia elétrica entre os ativos mais valiosos que podem ser oferecidos à iniciativa privada pelos governos estaduais. Há também empresas estaduais de saneamento e até mesmo uma estatal estadual de telecomunicações.
Mas a presença na lista de ativos privatizáveis de hotéis, zoológicos e de shopping centers mostra que alguns governos estaduais foram longe demais na expansão de suas atividades.
Alguns governadores têm consciência da necessidade de privatização para concentrar as ações do setor público, e dar-lhes maior eficiência, naquilo que é efetivamente de sua responsabilidade. “Tenho dito que o Estado já tem muito o que fazer na parte de saúde, educação, segurança e infraestrutura”, disse ao Estado o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Além disso, “as empresas do Estado, notoriamente no último governo, serviram para interesses políticos e cabides de emprego”.
Outros, porém, estão se vendo forçados a se desfazer de ativos para equilibrar as finanças estaduais, ou pelo menos para aliviar a grave crise fiscal provocada pela combinação de queda de receita e expansão contínua de despesas, especialmente com a folha de pessoal. No caso do Rio de Janeiro, a venda da empresa de saneamento Cedae foi exigência do governo federal para que o Estado pudesse aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, que facilitou a rolagem da dívida estadual com a União.
Tanto na privatização por razões programáticas, com vistas a retirar o setor público de áreas onde é ineficiente e sua presença é desnecessária, como por motivos financeiros, a receita será contabilizada apenas uma vez. Essa receita deverá aliviar problemas imediatos. Outro benefício é retirar do setor público o ônus com os salários dos empregados das estatais privatizadas.
Problemas preexistentes, de desequilíbrio estrutural das finanças estaduais decorrente do aumento sistemático das despesas em velocidade maior do que o da arrecadação das receitas, persistirão e continuarão a exigir decisões corajosas dos governadores. Boa parte dos Estados enfrenta dificuldades para cumprir os limites fixados pela Lei de Responsabilidade Fiscal para os gastos com pessoal. Também tem dívidas cujo custo reduz dramaticamente sua capacidade de investimentos. Além de transferir ativos para o setor privado, Estados nessa situação precisam reduzir estruturalmente suas despesas.
Investimento chinês no país manteve ritmo acelerado – Editorial | Valor Econômico
O protagonismo chinês como investidor no Brasil também se manifesta nas relações comerciais
Há pouco mais de um ano, em outubro de 2018, Jair Bolsonaro, ainda candidato à Presidência da República, foi bastante enfático nas suas declarações sobre o relacionamento entre o país e nosso principal parceiro comercial em muitos anos: “A China não compra no Brasil. A China está comprando o Brasil”. Cinco meses depois, em aula a formandos do Itamaraty, o chanceler Ernesto Araújo disse que o Brasil não iria “vender sua alma” para “exportar minério de ferro e soja” para a China comunista.
Essas afirmações - apenas uma pequena amostra do que vários governantes expressaram sobre a ‘invasão’ econômica e comercial da China - não foram suficientes para interromper o fluxo de capital vindo do país asiático para o Brasil.
Como mostrou a repórter Marta Watanabe, na edição do dia 23, no Valor, os investimentos chineses no Brasil devem ter terminado o ano passado com avanço em relação a 2018 e as perspectivas são de crescimento ainda maior para o futuro. A retomada do programa de privatizações e concessões a partir deste ano e a esperada melhora no ritmo de recuperação econômica devem garantir a participação dos chineses não somente em grandes projetos de infraestrutura como também viabilizar diversificação e investimentos em projetos novos. Como pano de fundo, há a percepção de esforço do governo dos dois países para superar divergências políticas.
Dados da Câmara de Comércio Exterior (Camex), ligada ao Ministério da Economia, mostram que os investimentos chineses no Brasil somaram até setembro US$ 1,87 bilhão, praticamente o mesmo valor registrado no mesmo período do ano anterior, de US$ 1,8 bilhão.
Segundo Renato Baumann, da secretaria-executiva da Camex, no último trimestre foram fechados negócios importantes que devem ter engordado o valor do ano. Entre eles, o investimento do consórcio formado pelos grupos chineses CCCC e CR20 para a construção da ponte Salvador-Itaparica. O investimento total previsto é de R$ 5,3 bilhões, mas o governo da Bahia contribuirá com aporte de R$ 1,5 bilhão. Com as operações do último trimestre, os investimentos devem superar os US$ 3,5 bilhões em 2018.
Levantamento da PwC Brasil também mostra crescimento no número de operações de fusões e aquisições. Até novembro, foram anotadas dez operações em investimentos chineses, com a previsão de que até o dia 31 de dezembro tenha se chegado a 12. Em 2018 foram sete ao todo. A consultoria britânica Dealogic, que contabiliza também operações de fusões e aquisições, mostra que os investimentos chineses cresceram de US$ 195,5 milhões em 2018 para US$ 784,5 milhões até o início de dezembro.
Ironicamente diante do antagonismo diplomático do início do governo Jair Bolsonaro, um problema chinês acabou afetando positivamente e de uma maneira muito firme um dos principais setores da economia brasileira, o agronegócio. Reportagem publicada pelo Valor na edição do dia 30 informa que as 14 empresas do agronegócio com ações negociadas na bolsa de São Paulo tiveram valorização de 86% no ano passado e encerram o exercício com um valor de mercado conjunto de R$ 163,5 bilhões. Trata-se de um aumento de quase R$ 76 bilhões na comparação com 2018.
Grande parte das companhias que compõem o grupo se valorizou acima do Ibovespa, que subiu 32,6% no período. Com um faturamento combinado de quase R$ 300 bilhões, as quatro indústrias de carnes - JBS, BRF, Marfrig e Minerva - foram beneficiadas pela epidemia de peste suína africana na China, que dizimou metade do plantel do país asiático, fez os preços internacionais da carne dispararem e animou os investidores dos frigoríficos. Para 2020, espera-se a continuidade da tendência, reportaram os jornalistas Luiz Henrique Mendes e Camila Souza Ramos.
O protagonismo chinês como investidor no Brasil - e não apenas no Brasil, obviamente - também se manifesta nas relações comerciais. Como acontece há vários anos, também em 2019 a China foi o principal parceiro comercial brasileiro. Dados divulgados na quinta-feira pelo governo mostram que apesar da queda de 3,1% nas exportações as vendas para a China representaram quase 30% do total embarcado pelas empresas brasileiras no ano passado, um novo recorde. A queda na exportação de soja para os chineses foi parcialmente compensada pelo envio de carnes.
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