- Folha de S. Paulo
No caso do Irã, alinhamento imediato ao americano é novamente alvo de resistência
Nos primeiros de seus dez anos como primeiro-ministro britânico, Tony Blair era o xodó da centro-esquerda mundial. Expoente da tal Terceira Via, personificava um novo político, gente boa, nem tão socialista, nem tão conservador.
Apesar do oba-oba e de sua inconsistência, no poder Blair deixou algum legado, como o acordo de paz na Irlanda do Norte. Em 2007, ao renunciar, carregava contudo o epíteto de poodle de George W. Bush.
A imagem de cachorrinho dócil do presidente americano decorria de seu apoio automático à guerra ilegal que derrubou o desprezível Saddam Hussein no Iraque, em 2003.
Tal subserviência foi o erro central de seu mandato, punido por um eleitorado que soube identificá-lo como tal.
Jair Bolsonaro tem se esforçado para macaquear Blair com seu amor, “hétero, claro”, por Donald Trump. Quando se considera que o atual líder republicano dos EUA faz a gestão Bush parecer racional, temos a noção do buraco em que o Brasil está metido na área.
Assim, não foi com surpresa que se viu o Itamaraty emitir uma nota endossando o assassinato do general Qassim Suleimani pelos americanos.
Qualquer um pode julgar o sangue nas mãos do militar iraniano, farto, mas isso precisa ser feito com mais responsabilidade se envolve relações internacionais que não dizem respeito a seus interesses diretos.
Na dúvida, vale a máxima do “Dicionário Oxford de Política”: “Aquele que é terrorista para um é guerreiro da liberdade para outro”. É hipócrita? Sim, mas faz parte do equilíbrio desejável na prática política.
A nota é exemplar do comportamento da hidra da área externa, que tem o chanceler, um filho do presidente e um assessor obscuro como cabeças coroadas por um fanático radicado numa fazenda.
A depender deles, o Brasil teria participado de uma intervenção militar na Venezuela, mudado a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém e aberto uma base americana por aqui.
Todas ideias que têm Trump como fiador. Em troca, nada de palpável e uma série de pequenas humilhações. Felizmente, em todos os casos houve instâncias racionais a sussurrar nos ouvidos presidenciais.
Aparentemente, o mesmo se dá agora, com a modulação retórica sugerida por militares que sabem o quão “soft” são os “targets” brasileiros e pelo agronegócio. O Irã é, afinal, o quarto maior comprador do setor que a cada dia se vê menos representado pelo presidente que ajudou a eleger.
Bolsonaro conta com a indiferença popular a temas externos para continuar sendo o poodle tropicalizado de Trump. O padrão terá mais três anos para ser testado, num mundo cada dia mais perigoso.
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