Editoriais
O ecossistema do crime na Amazônia
O Estado de S. Paulo
Enquanto o presidente combate fantasmas, cresce a verdadeira ameaça à soberania da Amazônia: um narcoestado paralelo entrelaçado aos crimes ambientais
O desaparecimento do indigenista Bruno
Araújo e do jornalista Dom Philips despertou o mundo para um mal que atinge a
região do Alto Solimões, na fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, mas que se
alastra cronicamente por toda a Amazônia. A escalada do narcotráfico está cada
vez mais entrelaçada a uma velha rede de ilicitudes, como o garimpo e a
extração de madeira, formando um ecossistema do crime. A Amazônia é hoje um
barril de pólvora onde se misturam três mazelas que destroem a reputação do
Brasil no mundo: a violência, a miséria e a devastação ambiental.
Na última década, o Brasil passou de um mercado consumidor da cocaína latino-americana para um dos principais fornecedores do planeta. Organizações como o PCC, o Comando Vermelho e a Família do Norte passaram a orquestrar o transporte transatlântico de cocaína, seja a da Colômbia e do Peru, passando pela rota amazônica até os portos do Nordeste, seja a da Bolívia, passando pelo interior do Centro-Oeste aos portos do Sudeste. A média de apreensões, que entre 1995 e 2004 era de 6 toneladas ao ano, explodiu nos últimos seis anos para 50 toneladas.
Segundo a ONU, o País responde por 7% das
apreensões globais, atrás apenas de Colômbia (34%) e EUA (18%). O Brasil é a
quarta maior origem para a Oceania e a primeira para a Ásia e a África, e está
se tornando para a Europa o que o México é para os EUA.
Na Amazônia, o narcotráfico se entrelaça
com os crimes ambientais. As facções se valem dos carregamentos clandestinos de
madeira e manganês para escoar as drogas, e também estão envolvidas na
mineração ilegal de ouro e invasão de terras indígenas. “Esses grupos criam
empresas, lavam dinheiro e tomam parte no contrabando e no tráfico de armas e
drogas”, diagnosticou Aiala Couto, um dos coordenadores da pesquisa Cartografias
das Violências na Região Amazônica, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O estudo constata que, entre 1980 e 2019,
enquanto no Sudeste os homicídios caíram 19%, no Norte aumentaram 260%. A
dinâmica também se diferencia pela acentuada interiorização: enquanto nos
municípios rurais do País a violência cai, nos amazônicos, cresce. Para não
deixar dúvidas sobre a imbricação entre crimes ambientais, grilagem e as
dinâmicas das facções, nos municípios sob pressão do desmatamento, as taxas de
homicídios são bem superiores à da Amazônia Legal.
No Alto Solimões, os cartéis de Miami, Medellín
e Sinaloa mantêm um grande esquema de transporte de armas e drogas, pistolagem,
lavagem de dinheiro e pesca e caça ilegais, que se mescla aos negócios de
comerciantes, pescadores, caçadores e políticos locais. A polícia trabalha com
a hipótese de que atravessadores tenham assassinado Araújo e Philips por causa
dos prejuízos que suas investigações causavam à pesca ilegal.
“A criminalidade à frente das ilicitudes
ambientais tem efeitos brutais, incluindo mais insegurança e corrosão da
autoridade”, disseram R. Muggah e M. Margolis, do Instituto Igarapé, em artigo
para a Reuters. “O Brasil megalopolitano conhece esse roteiro bem demais.
Os municípios no caminho da onda de crimes amazônicos devem agora escrever o
seu.”
O mero envio de forças militares é caro e
pouco efetivo para enfrentar o ecossistema do crime. “É preciso investir no
fortalecimento de mecanismos integrados de comando e controle, que conectem
esferas federal e estadual, e, em especial, diferentes órgãos e Poderes
(Polícias, MP, Defensorias, IBAMA, ICMBio, Judiciário, entre outros)”, aponta o
Fórum.
Mas é precisamente essa tessitura de uma
rede institucional que tem sido explicitamente desconstruída pela agenda
antiambientalista de Jair Bolsonaro. O mesmo presidente que nutre paranoias
conspiratórias sobre ameaças à soberania da Amazônia por parte de Estados e
ONGs e gosta de desafiar autoridades que poderiam auxiliar o Brasil no combate
a organizações criminosas cada vez mais sofisticadas e internacionalizadas faz
vista grossa à real e crescente ameaça às vidas, ao desenvolvimento e à
soberania da região: o sequestro da Amazônia por um narcoestado paralelo.
A boa decisão sobre o rol da ANS
O Estado de S. Paulo
Ao aplicar a lei e reconhecer o caráter taxativo do rol de procedimentos, o STJ protegeu a função regulatória eforneceu critérios para o sistema de Justiça
Cumprindo o seu papel constitucional de
uniformizar a jurisprudência sobre lei federal, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) entendeu que, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido
pela Agência Nacional de Saúde (ANS) é taxativo. Ou seja, as operadoras de
saúde não estão obrigadas a cobrir tratamentos não previstos na lista. Trata-se
de um tema importante, que envolve a saúde das pessoas, a viabilidade econômica
do sistema de saúde complementar e os próprios limites da Justiça.
A respeito das exceções da taxatividade, a
Segunda Seção do STJ fixou que as operadoras de plano não são obrigadas a arcar
com tratamento não constante do rol da ANS se já houver previsão, no rol, de
outro procedimento eficaz, efetivo e seguro. No entanto, em caso de não haver
substituto terapêutico, a Corte entendeu que a Justiça pode determinar, a
título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico desde que
(i) a incorporação da tecnologia demandada não tenha sido indeferida após
análise técnica da ANS; (ii) exista comprovação da eficácia do tratamento à luz
da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos
de renome nacionais e estrangeiros; e, sendo possível, (iv) o magistrado tenha
um assessoramento técnico sobre a questão médica debatida.
No julgamento, o STJ lembrou que é possível
a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para
a cobertura de procedimento não contemplado no rol de procedimentos. Na ação, o
que estava em discussão era o mínimo de cobertura obrigatório do
plano-referência de assistência à saúde.
Segundo o relator, ministro Luis Felipe
Salomão, a taxatividade do rol da ANS, ao ser fundamental para o funcionamento
e a viabilidade do sistema de saúde suplementar, protege o próprio beneficiário.
Lembrou-se ainda que o respeito à lista garante que a introdução de novos
fármacos seja precedida de avaliação criteriosa da ANS, especialmente em
relação à eficácia dos tratamentos e à adoção de novas tecnologias em saúde. De
toda forma, o relator defendeu que, em situações excepcionais, a Justiça pode,
seguindo critérios técnicos, determinar que o plano garanta ao beneficiário a
cobertura de procedimento não previsto pela agência reguladora.
Foi lembrado, no julgamento, que o
Congresso alterou recentemente a Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde),
fixando o prazo de 180 dias para a conclusão do processo administrativo para
atualização do rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar pela ANS.
Trata-se de um ponto fundamental. Se o rol é taxativo, a ANS deve atualizá-lo
regularmente, sem atrasos.
A decisão do STJ é correta, em conformidade
com o que dispõe a lei e com a experiência internacional. Não há país no mundo
em que a lista de procedimentos de cobertura obrigatória seja aberta, meramente
exemplificativa. A função do rol é precisamente definir, para todos os
envolvidos, a cobertura mínima necessária.
Tão importante quanto o reconhecimento da
taxatividade do rol foi a definição de critérios técnicos e rigorosos para as
situações excepcionais. As exceções devem ser exceções. Se todos os que entram
com ações na Justiça conseguem a cobertura pleiteada – como frequentemente
ocorria –, o rol da ANS torna-se, na prática, exemplificativo. Além disso, os
parâmetros técnicos fixados pelo STJ contribuem para uma prestação
jurisdicional mais equânime, menos discricionária. Se a ANS, para elaborar e
atualizar o rol de procedimentos, deve realizar antes um profundo estudo
técnico, a Justiça, ao conceder uma exceção, deve ser também extremamente técnica.
Por fim, ao assegurar o caráter taxativo do
rol de procedimentos, o STJ protegeu a função regulatória da ANS. O papel do
Judiciário é aplicar a lei, não criar regulamentação médica. Ou seja, ao
contrário do que às vezes apontam algumas vozes, a Justiça – no caso, o STJ –
lembrou os limites da própria Justiça. Nem tudo é ativismo no Judiciário.
Falta
combinar com o frentista
O
Estado de S. Paulo
Governo pressiona Petrobras a segurar aumento para não anular efeito do teto de ICMS, aposta eleitoreira de Bolsonaro
O Estadão/Broadcast apurou
que emissários do governo voltaram a pressionar a diretoria da Petrobras para
tentar impedir um novo reajuste dos preços dos combustíveis. A empresa planeja
para os próximos dias um aumento de 9% no preço da gasolina e de 11% no do
diesel para reduzir a defasagem entre os valores dos derivados praticados no
mercado internacional e no mercado interno.
A
novidade não é essa pressão sobre a Petrobras. O País inteiro tem assistido há
meses aos persistentes ataques do presidente Jair Bolsonaro à autonomia da
estatal para definir sua política de preços, baseada no Preço de Paridade
Internacional (PPI) desde o governo de Michel Temer. Bolsonaro tenta baixar na
marra o preço dos combustíveis para reduzir a inflação e, assim, reduzir o alto
risco de não ser reeleito em outubro.
Na
verdade, o que chamou a atenção nessa nova investida foi o argumento dos
emissários do Palácio do Planalto para sensibilizar os diretores da Petrobras.
Um novo aumento, segundo esses emissários, anularia os esforços que o governo
tem empreendido no Congresso para limitar o teto do ICMS em 17% para uma série
de itens essenciais, entre os quais os combustíveis.
Ora,
isso significa que o governo Bolsonaro involuntariamente reconhece que o foco
quase obsessivo sobre o ICMS e a responsabilização dos governadores pela
escalada dos preços não passa de uma retórica eleitoreira. Em que pese sua
relevância para a composição final do preço do diesel e da gasolina, a alíquota
do imposto estadual não é a causa dos eventuais aumentos.
Mantidas
as regras de governança da Petrobras e a lógica de mercado, um novo reajuste
dos preços dos combustíveis é inevitável. Atualmente, os preços do diesel e da
gasolina acumulam uma defasagem de 16% em relação ao mercado internacional.
Além disso, o dólar voltou a subir. São fatores que não têm relação direta com
a obsessão de Bolsonaro e de seus sócios do Centrão no Congresso com o ICMS e
as finanças dos entes subnacionais.
Na condição de acionista controlador da Petrobras, não é ilegal que o governo da União pressione a diretoria da estatal sobre questões de seu interesse. Mas há limites muito claros para esse tipo de gestão. Eles são dados pela Lei 6.404/1976, a chamada Lei das S.A., que em seu artigo 117 dispõe que “o acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder”. Sobre as formas em que esse abuso pode ser exercido, é particularmente esclarecedora a alínea “e” do parágrafo primeiro do referido artigo, que define como abuso de poder “induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembleia-geral”. Interferir na gestão da Petrobras a fim de impedir que a estatal ajuste seus preços às cotações do petróleo no mercado internacional é agir claramente “contra o interesse da companhia”. Nada disso, obviamente, está sendo levado em conta por Bolsonaro.
Anticorpos eleitorais
Folha de S. Paulo
TSE terá o desfio de combater a
desinformação sem recair em abusos judiciais
Ao ser confirmado como presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o pleito deste ano, o ministro Alexandre
de Moraes afirmou que a Justiça não vai
tolerar milícias pessoais ou digitais que desrespeitem a
vontade do eleitor e atentem contra a democracia.
No começo do mês, ao discursar no 8º
Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, Moraes sustentou que o aparato
judicial, hoje, dispõe de muito mais anticorpos para se defender das diversas
modalidades de desinformação.
Argumentou que devem ser cassados
candidatos que, por exemplo, façam uso de notícias fraudulentas ou discursos
mentirosos ao longo da campanha.
Ele sabia do que estava falando. Alguns
dias depois, o Supremo Tribunal Federal validou decisões do TSE que haviam
cassado os mandatos do deputado
estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR) e do deputado
federal José Valdevan de Jesus Santos (PL-SE).
Aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL),
o primeiro foi condenado por disseminação de informações falsas, e o segundo,
por abuso de poder econômico.
O recado está dado, mas seria ingenuidade
supor que o problema tenha sido resolvido. Por mais bem-vindos que se mostrem
os esforços normativos do TSE, eles não constituem fórmula capaz de antecipar e
solucionar todos os problemas.
Tome-se o caso da veiculação de notícias
falsas, sobretudo por
meio das redes sociais. A legislação vigente estatui que a livre
manifestação do pensamento encontra limites, entre outras hipóteses, na
divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados
que atinjam a integridade do processo eleitoral.
A lei ainda prescreve que, por ação do
Ministério Público, tais ilícitos devem ser interrompidos, sem prejuízo de
apuração da responsabilidade penal, do abuso de poder e do uso indevido dos
meios de comunicação. Nos dois últimos casos, a pena pode ser a cassação.
Faz sentido que seja assim. O recurso à
desinformação tem por objetivo tumultuar a eleição a ponto de provocar graves
distorções na vontade do eleitor.
Como quase sempre no direito, porém, a
dificuldade reside em passar da teoria à prática. O que define um fato
sabidamente inverídico? O que caracteriza uma descontextualização grave? Nem
todos os casos serão cristalinos.
O desafio da Justiça Eleitoral será
combater os abusos sem recair em abusos durante o combate, garantindo que a
livre circulação de ideias e a privacidade pessoal não terminem comprometidas
em vão.
Ondas da Covid
Folha de S. Paulo
Menos letal, doença tem expansão no país e
evidencia necessidade de vacinação
Infecções, internações e mortes por
Covid-19 voltaram a crescer de
modo expressivo no Brasil nas últimas semanas. A julgar pelo
que se viu em outras partes do mundo, podemos esperar novas ondas a cada dois
ou três meses. A capacidade mutagênica do vírus é grande.
A boa notícia é que, graças principalmente
à vacinação, a doença se tornou muito menos letal do que era no início da
pandemia.
Isso não significa que tenha deixado de ser
problemática. As ondas de infecção ainda são capazes de superlotar hospitais,
desorganizando o sistema de saúde, tanto o público como o privado.
Cerca de 25% dos pacientes desenvolvem a
chamada Covid longa, isto é, experimentam sintomas debilitantes por vários
meses e talvez até pela vida toda. Para alguns indivíduos, em geral idosos e
portadores de certas moléstias, o Sars-CoV-2 permanecerá mortal.
Não se pode, portanto, tratar de forma
ligeira a doença, que, pelos cômputos oficiais, já custou quase 700 mil vidas
de brasileiros.
Embora a retomada da obrigatoriedade das
máscaras e de algumas formas de distanciamento social nessas fases de
recrudescimento faça sentido teórico, é irrealista esperar que venha a ser
adotada em larga escala. Foram dois anos de restrições, e a população se cansou
delas —políticos dificilmente contrariarão esse sentimento.
Daí não se segue que só nos reste cruzar os
braços e torcer pelo melhor. Cabe, em especial, avançar bastante na vacinação.
Embora a população brasileira tenha
aceitado bem o imunizante, dado que 78% completaram o esquema vacinal primário,
a primeira dose de reforço foi tomada por apenas 45%. A situação é ainda pior
com as crianças de 5 a 11 anos, das quais só 37% receberam as duas doses ou a
dose única.
As novas cepas em circulação apresentam
escape vacinal. Isso significa que as vacinas ficaram menos eficazes em evitar
a infecção, mas elas ainda são excelentes para prevenir internações e óbitos.
Ao reduzir a carga viral dos infectados e
seu período de doença, elas também contribuem para baixar os níveis de
contaminação e diminuem o risco de o vírus sofrer novas mutações.
Um governo responsável, o que não é o caso
do atual, estaria centrando fogo em campanhas para que mais pessoas tomem os
reforços e vacinem seus filhos.
Também é importante adquirir para o SUS os
medicamentos antivirais com ação comprovada. Por fim, especialmente a população
sob maior risco deve manter o uso de máscaras de boa qualidade.
Teto de ICMS é demagogia eleitoreira
O Globo
As 72 horas entre segunda e quarta-feira
proporcionaram uma aula aos brasileiros sobre os efeitos do populismo
econômico. Na segunda à noite, o Senado, sob o comando da base governista, aprovou o projeto que limita em 17% o ICMS sobre combustíveis,
energia elétrica, serviços de telecomunicações e transporte público. A
medida, na visão dos que votaram a favor dela, imporá um freio na inflação. No
dia seguinte, com agilidade prodigiosa, a Câmara chancelou o texto vindo do
Senado. O choque de realidade foi quase imediato. Veio ontem, com a reação
sensata e óbvia do Banco Central (BC), ao elevar a taxa básica de juros de
12,75% para 13,25%.
Juros maiores por mais tempo que o previsto
são sinônimo de menos atividade econômica no futuro, com as conhecidas
consequências no mercado de trabalho e na renda. Os fatos desta semana mostram
a incapacidade do Planalto e do Congresso para enfrentar os desafios econômicos
reais do país.
De olho na reeleição, o presidente Jair
Bolsonaro, senadores e deputados que votaram pelo teto do ICMS querem dar uma
resposta à alta dos preços de combustíveis e energia elétrica. Se tudo ocorrer
como planejaram, é possível que a medida reduza a inflação deste ano em 3
pontos percentuais. Caso a previsão se confirme, o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) ainda fechará 2022 acima da meta do BC. O aparente
refresco terá vida curta. Poderá ajudar Bolsonaro a enganar eleitores, mas o
preço virá em 2023 — na forma de mais inflação e, sobretudo, na deterioração
das já combalidas contas públicas.
Pelos cálculos do Banco Itaú, a medida terá
um impacto fiscal permanente de, no mínimo, R$ 96 bilhões por ano. Esse valor
poderá aumentar se dois subsídios com data de validade até 31 de dezembro forem
prorrogados. A eliminação de impostos federais sobre gasolina e etanol custará
R$ 17 bilhões, e a compensação para estados que zerarem o ICMS mais R$ 22
bilhões.
Ao todo, o Itaú estima em 1% do PIB o
efeito permanente da demagogia eleitoreira nas contas públicas. É fundamental
lembrar que, para a dívida pública entrar em trajetória sustentável, seria
necessário um ajuste fiscal entre 2,5% e 3,3% do PIB. O esforço, portanto,
teria de aumentar praticamente em um terço diante da insanidade do Executivo e
do Legislativo.
Não é à toa que as mudanças no ICMS também
tenham deteriorado as projeções de inflação para o ano que vem (de 4,2% para
5,6%, no caso do Itaú). O último boletim com estimativas de analistas ouvidos
pelo BC foi publicado no dia 6, prevendo alta de 4,39% em 2023. Diante da
lambança do governo, mais instituições financeiras deverão ajustar seus números
para cima. É isso que explica a nova alta da Selic.
Na reta final do atual mandato, Bolsonaro e
o Congresso conseguiram comprometer a saúde financeira de estados, municípios e
da União. Prometem uma vantagem ilusória nas bombas de combustíveis e na conta
de luz com uma mão e, com a outra, tiram dinheiro do bolso dos consumidores na
forma de mais inflação futura, menos crescimento econômico, menos emprego e
menos renda. A farsa custará caro.
País precisa de políticas públicas para
erradicar trabalho infantil
O Globo
São desalentadores os números que mostram aumento do trabalho infantil no Brasil durante a pandemia. Segundo pesquisa da Fundação Abrinq, no último trimestre de 2021 havia 2,36 milhões de adolescentes de 14 a 17 anos trabalhando ou procurando emprego, e 1,2 milhão estavam em desacordo com a legislação, numa situação considerada trabalho infantil. Como mostrou O GLOBO, o estudo contou 317.385 jovens a mais nessas condições em relação ao mesmo período de 2020.
Pela legislação brasileira, adolescentes só
podem trabalhar a partir dos 16 anos, mesmo assim com restrições. Entre 14 e 15
anos, podem exercer apenas atividades como aprendizes. Entre a lei e a
realidade, existe um abismo que abarca crianças enfrentando o trabalho duro no
campo, vendendo doces em sinais de trânsito, lavando carros, trabalhando como
ajudantes em vans e assim por diante. Não poderiam e não deveriam estar ali. A
pandemia e todas as crises a ela associadas ampliaram o desemprego e a miséria,
sem dúvida empurrando crianças e adolescentes para as ruas. As escolas fechadas
por quase dois anos agravaram o problema. A situação ruim ficou ainda pior.
Os números são mais preocupantes quando se
constata que 640.720 adolescentes de 14 a 17 anos estão em ocupações que
integram o tenebroso rol das piores formas de trabalho infantil, reunindo
atividades que trazem riscos à saúde, ao desenvolvimento e à segurança de
crianças e adolescentes. É o caso de serviço doméstico, construção civil,
agropecuária, silvicultura, direção de tratores e máquinas agrícolas, tecelagem
e exploração florestal.
Os dados da pesquisa foram coletados de
acordo com os critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) para identificar crianças e adolescentes em situação de trabalho
infantil. Representam apenas parte da tragédia, já que o levantamento não
considera o contingente de crianças e adolescentes que trabalham para o tráfico
de drogas e outras organizações criminosas. Não inclui também os menores
vítimas de exploração sexual, outra aberração que avilta o país.
O Brasil deveria se envergonhar dos
números. O governo não pode ficar inerte diante da calamidade. Programas de
renda mínima existem — ou deveriam existir — para amparar as famílias mais
necessitadas e, como contrapartida, manter as crianças na escola. Infelizmente,
o mais abrangente, o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, está mais
voltado para atender ao projeto eleitoral do presidente Jair Bolsonaro que aos
brasileiros carentes.
Estados e prefeituras também têm
responsabilidade, pois deveriam desenvolver políticas públicas para tirar
meninos e meninas da rua e levá-los para a sala de aula. Além de ser desumano
permitir que crianças trabalhem em ocupações precárias, isso perpetua a pobreza
e a miséria. As crianças deveriam estar na escola, buscando um caminho para
sair de onde estão.
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