O Estado de S. Paulo
A confusão entre o que é temporário e o que é permanente pode comprometer o ajuste de Estados
No afã de conseguir apoio à aprovação do
projeto que reduz permanentemente as alíquotas do ICMS, o governo federal
soltou uma nota técnica na qual contradiz pareceres do Tesouro que serviram de
base à aprovação do regime de recuperação fiscal de Goiás e do Rio Grande do
Sul.
A nota aponta que os Estados e os
municípios têm dinheiro sobrando em caixa e que, com essa folga, deveriam
devolver os recursos à sociedade – ou por transferências de renda, ou por
redução de tributos.
O mesmo texto foi citado pela
Advocacia-geral da União na resposta à proposta de acordo sobre a redução do
ICMS que as secretarias estaduais fizeram ao Supremo Tribunal Federal.
O governo rejeitou a proposta dizendo que o
nível da arrecadação já retornou à tendência de antes da pandemia e, por isso,
não seria necessária a compensação integral de perdas arrecadatórias como
propuseram os Estados.
A folga fiscal de Estados e municípios
mencionada na nota (R$ 204 bilhões ou 2,4% do PIB em 2021) diverge do indicador
semelhante estimado pelo Banco Central, que apontou superávit de R$ 62 bilhões
ou 0,7% do PIB.
O diagnóstico benigno sobre as finanças estaduais também diverge dos pareceres do Tesouro sobre a proposta de regime fiscal de Goiás e do Rio Grande do Sul. Nesses pareceres, espera-se que Goiás seja capaz de custear seu serviço da dívida com recursos próprios, de superávits primários, a partir de 2027. No caso do Rio Grande do Sul, o prazo é mais longo, de 2028.
Além de não levar em conta esse
diagnóstico, a nota técnica contém erros de contabilidade ao tratar as
estatísticas fiscais do Tesouro, alertaram especialistas ouvidos pela coluna.
Por exemplo, infla a receita conjunta de Estados e municípios (de 20,8% para
23,3% do PIB) ao esquecer de expurgar da soma os valores transferidos de uns
governos para outros. É como se o IBGE, ao computar a renda de uma família,
somasse a mesada dos filhos.
Outro equívoco apontado pelos especialistas
é desconsiderar que parte importante do crescimento recente de arrecadação é
temporária e está relacionada justamente à inflação e aos efeitos do aumento do
preço do petróleo e da taxa de câmbio sobre o preço dos combustíveis.
Essa confusão entre o que é temporário e
permanente pode comprometer a trajetória de ajustamento fiscal de alguns
Estados prevista nos acordos de dívida.
Com aprovação ampla dos deputados,
inclusive do PT, a redução do ICMS se tornou o novo Fla-flu nacional com uma
grande derrota para os governadores. Ao contrário do que muitos esperam, uma
reforma tributária justa e progressiva pode estar cada dia mais distante. A
reforma que o Congresso mostrou que quer é uma só: queda de tributos.
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