Folha de S. Paulo
Bolsonaro é incapaz de entender o mundo
para além do seu condomínio na Barra
Uma certeza, de saída: a Cúpula das
Américas, reunida em Los Angeles na semana passada, não honrará nenhuma
eventual lista de êxitos da política externa do presidente John Biden.
Expôs uma "diplomacia interamericana
flácida", como disse Richard Feinberg, membro do Conselho Nacional de
Segurança no governo Clinton e responsável por conceber a iniciativa, além de
organizar a sua reunião inaugural, em 1994.
Imaginado para afirmar a liderança
americana em face da ascensão da China e da guerra russa ao Ocidente —como a
invasão da Ucrânia impede ignorar—, o encontro fez triste figura, a ponto de
ser considerado por alguns analistas como indício a mais da perda de gás dos
EUA no mundo.
Não faltavam temas para uma agenda ambiciosa de cooperação hemisférica que explorasse oportunidades —comércio e investimentos; proteção ambiental e energias limpas; infraestrutura sustentável; saúde— ou que lidassem com prementes problemas comuns: imigração, ilícitos internacionais, consequências duradouras da pandemia.
Faltaram (e muito) liderança e capacidade
de costurar, em iniciativas concretas, os interesses compartilhados. Propostas
vagas, objetivos imprecisos e muita indecisão concorreram para reduzir o evento
a uma nonada.
O Brasil é sócio
desse fiasco. A sua importância nas Américas faz do país participante
obrigatório de qualquer iniciativa bem-sucedida de cooperação regional. Seja
qual for o presidente de turno, haverá sempre uma cadeira a ele reservada para
essas horas. Outro que não o atual teria ao menos aproveitado a ensancha para
afirmar as expectativas e demandas nacionais em relação a um diálogo tão
necessário quanto difícil, reduzindo talvez o visível vazio de coordenação.
Mas quem se assenta hoje no Planalto,
incapaz de entender o mundo para além do seu condomínio na Barra da Tijuca,
sequestrou o país para expô-lo ao ridículo. Tirou fotos para o Twitter —com as
rechonchudas "vovós bolsonaristas", como se autodenominam, e com um
contrafeito Biden; desfilou
de moto em Orlando; falou bem de Trump; e assumiu compromissos que não
pretende cumprir com o meio ambiente e a democracia.
Terminou cometendo a gafe das gafes para um
chefe de Estado que se dê ao mínimo respeito: pediu ao homólogo americano ajuda
contra Lula nas próximas eleições. Biden fez cara de paisagem, mas vazou o
vexame que lhe deve ter ferido os tímpanos —um a mais no interminável rol de
impropriedades, insultos e incontinências verbais indissociáveis da figura do
ex-capitão. Presente em Los Angeles, só escancarou a ausência do país.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Um comentário:
Bolsonaro pedindo socorro a Biden é ridículo.
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