O Globo
Dizem em Brasília que, como jabuti não sobe
em árvore, se o bicho aparecer pendurado numa, é porque alguém o colocou ali. O
último jabuti a surgir sobre um galho na capital da República passou a circular
no Congresso nesta semana.
É a Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
que dá aos parlamentares o poder de desfazer decisões do Supremo Tribunal
Federal que não tenham sido tomadas por unanimidade entre os ministros.
A iniciativa é de um deputado ruralista,
Domingos Sávio, que também é do PL, o partido de Jair Bolsonaro. Sávio deu ao
documento o curioso título de “PEC do Equilíbrio entre os Poderes”, embora, na
verdade, ela estabeleça exatamente o oposto, a subordinação do Supremo ao
Congresso. O que, por ferir a independência entre os Poderes, a torna
flagrantemente inconstitucional.
A ideia foi imediatamente encampada por integrantes da bancada evangélica e bolsonaristas ferrenhos — como o deputado Bibo Nunes (PL-RS). "Assim como eles querem fazer constantemente com a gente, nós também queremos colocar um freio", disse.
A declaração é música para os ouvidos de
Bolsonaro. Quem conhece o Congresso sabe que nem Sávio e nem Nunes têm força
para bancar uma medida desse calibre. Por isso, a PEC foi recebida no Congresso
como obra da cúpula do Centrão, mais especificamente do presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), do líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), e dos
deputados Wellington Roberto (PL-PB) e Marcos Pereira (Republicanos-SP).
Eles, sim, têm o poder de fazer uma
proposta andar ou parar no Congresso. O apoio de eminentes membros do Centrão,
como o vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Darci de
Matos (PSD-SC), e o vice-líder do Republicanos, Lafayette de Andrada
(Republicanos-MG), só demonstra que, se não inventou a proposta, a cúpula
tampouco se moveu para impedir que ela nascesse.
Diante do espanto geral, tanto Lira como
Pereira correram para dizer que não tinham nada a ver com a história — tanto
publicamente como nos bastidores, mandando recados apaziguadores ao Supremo.
Ato contínuo, parlamentares garantiram aos jornalistas que a proposta não tem
chance de prosperar no Congresso. Tudo certo, portanto? Mais ou menos.
Difícil acreditar que se tratou apenas de
um arroubo sem consequências, prestes a ser contido. Um exemplo recente sugere
bem o contrário.
Depois de dez anos sem o Congresso avaliar
nenhuma prestação de contas do Tribunal de Contas da União (TCU), o presidente
da Comissão Mista de Orçamento, Celso Sabino, anunciou que olhará com lupa os
gastos do órgão em 2021.
Sabino, aliado fiel de Lira, disse ainda
que cogita entrar no Supremo ou mesmo apresentar outra PEC para garantir que o
TCU se atenha à função de órgão auxiliar do Congrestso e pare com essa mania de
querer tolher o Legislativo. Em outras palavras, quer pôr um freio no TCU.
Os ministros do tribunal vêm sendo
questionados pelo alto volume de despesas com diárias de viagens no exterior, o
que merece mesmo verificação mais atenta.
Contudo a razão da medida de Sabino foi
outra. Segundo ele mesmo, o fato de o tribunal ter mandado parar, em maio, as
obras de pavimentação de estradas bancadas pela Codevasf com emendas
parlamentares.
Na decisão, o TCU considerou que a estatal,
comandada pelo Centrão, fazia contratações sem critérios técnicos, dando chance
a licitações dirigidas e permitindo até que os parlamentares escolhessem o tipo
de asfalto usado. Uma vez criado o furdunço, os bombeiros da Câmara entraram em
ação nos bastidores para apaziguar os ânimos — desde que, é claro, o TCU também
baixasse a guarda.
Na segunda-feira, o tribunal anunciou que
aceitou as explicações da Codevasf e liberou as obras.
Os dois casos podem até não dar em nada, mas
servem para enfraquecer os controles institucionais que formam o sistema de
freios e contrapesos tão caros à democracia. Se há na PEC do Supremo um
componente flagrantemente golpista, há também oportunismo de quem está
acostumado a sentir o cheiro de sangue para atacar alvos frágeis.
É prova de que no Brasil, hoje, o golpismo
e a chantagem cada vez mais andam juntos. Quando isso acontece, o resultado é
imprevisível. Mas não tem nenhuma chance de ser bom.
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