Editoriais / Opiniões
Ajuste sem reforma
Folha de S. Paulo
Necessária, queda acentuada do gasto com
servidor foi obtida por meios precários
As três maiores despesas do governo federal
—Previdência Social, encargos da dívida pública e funcionalismo— foram alvo de
estratégias de ajuste muito diferentes sob Jair Bolsonaro (PL).
A mais virtuosa delas, sem dúvida, se deu com o sistema de aposentadorias e
pensões por morte. Após um debate amadurecido ao longo de mais de duas décadas,
uma reforma pactuada entre Legislativo e Executivo estabeleceu normas mais
sustentáveis para a concessão dos benefícios, contendo o gasto a longo prazo.
A conta dos juros da dívida não está sob
influência direta do governo, dado que as taxas dependem dos imperativos do
controle da inflação. O que se pode fazer é manter a credibilidade da política
econômica, de modo a evitar que a insegurança de investidores se transforme em
custo adicional.
Nesse caso houve claro retrocesso. Em
desespero eleitoral, Bolsonaro patrocinou a violação das normas de controle da
despesa e deu impulso à alta dos juros —já pressionados pela escalada
inflacionária global decorrente dos impactos da pandemia e da guerra na
Ucrânia.
Por fim, a folha de pessoal passou por contração acentuada, que o ministro Paulo Guedes, da Economia, destacou em apresentação ao mercado financeiro, conforme noticiou a Folha. A despesa com servidores ativos e inativos, que em anos anteriores rondava 4,2% do Produto Interno Bruto, aproxima-se dos 3,4% na projeção oficial.
Não resta dúvida de que tal ajuste foi
necessário e ajudou a evitar uma deterioração fiscal ainda pior na recessão
pandêmica e neste ano eleitoral. Entretanto ele se ampara em bases precárias,
tanto do ponto de vista da gestão pública como da realidade política.
O gasto com pessoal caiu principalmente
devido ao represamento de reajustes salariais, num contexto de inflação
acelerada —que eleva o valor do PIB e a arrecadação tributária. O governo
acrescenta que reduziu o número de funcionários, o que pode ser meritório mas
tem efeito imediato menor.
A economia assim conseguida tende a ser
efêmera, porque cedo ou tarde o funcionalismo conseguirá elevar seus
vencimentos. Recorde-se que, em 2014, o gasto com pessoal caíra a 3,8% do PIB;
em apenas três anos, após reposições concedidas por Michel Temer (MDB), a cifra
subiu a 4,3%.
Seja qual for o vencedor das eleições, a
próxima administração enfrentará pressões dos três Poderes por reajustes,
razoáveis ou não. O Supremo Tribunal Federal já se precipitou ao apresentar uma
proposta de aumento de 18% para o já caríssimo Judiciário brasileiro.
Por afinidades corporativistas, Bolsonaro
abandonou a reforma administrativa, que poderia propiciar uma racionalização
duradoura do gasto com servidores.
Providências como revisão de salários
iniciais exagerados, contratações temporárias e possibilidade de redução de
jornadas de trabalho ajudariam a tornar o serviço público mais barato e
eficiente.
Cela trancada
Folha de S.
Paulo
Projeto
que barra saída temporária de presos contraria estudos e evidências
A Câmara dos
Deputados abraçou uma espécie de populismo penal ao aprovar projeto que barra de forma drástica a saída
temporária de detentos nas superlotadas penitenciárias
brasileiras.
O texto, que voltará ao Senado, põe fim à
liberação provisória de presos em regime semiaberto, amplia a competência do
juiz da execução penal sobre o uso de tornozeleira eletrônica e inclui exame
criminológico como uma das condições para a progressão da pena.
O período
eleitoral parece dar impulso a mais uma medida que, embora aparente impor mais
rigor na segurança pública, contraria os estudos acerca da realidade prisional
do país. O governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), candidato à
reeleição, já se manifestou contra a "saidinha".
A saída
temporária, para visita à família ou estudos, está prevista na lei e serve à
ressocialização das pessoas privadas de liberdade.
Manter todos os
condenados em instalações insalubres é, além de desumano, ineficaz —para nem
falar de dúvidas constitucionais em debate no Supremo Tribunal Federal. Facções
criminosas que dominam os presídios terão mais mão de obra a seu dispor.
A saída não é
realizada sem critério, tampouco representa grave ameaça à ordem pública. Só
tem direito a ela o preso do regime semiaberto que já cumpriu ao menos um sexto
da pena, se primário, ou um quarto, se reincidente. Outro requisito é bom
comportamento.
A defesa da
proibição se ampara em temores compreensíveis, de quando em quando reforçados
por episódios de crimes cometidos por detentos beneficiados. Cumpre, porém,
considerar um quadro mais amplo.
Embora não
desprezível, a proporção de presos que não retornam da saída temporária é
relativamente baixa. Em São Paulo, por exemplo, cerca de 95% dos favorecidos no
Natal de 2020 voltaram à prisão. Condenados por crime hediondo com morte não
têm direito ao benefício desde 2019.
Políticas
públicas sempre podem ser aperfeiçoadas, mas com atenção a evidências e
resultados esperados —não ao apelo popular imediato das medidas.
Uma agenda para
o futuro do País
O Estado de S. Paulo
Pesquisadores e associações do setor produtivo, coordenados pelo Centro de Liderança Pública, se unem para qualificar o debate e buscar os consensos possíveis em torno de reformas
Ter um Congresso
comprometido com uma agenda de futuro é tão ou mais importante quanto escolher
um presidente da República. Se essa afirmação já era verdadeira no passado, ela
ganhou ainda mais força com a eleição de Jair Bolsonaro, que entregou o comando
do Orçamento e da própria pauta legislativa para o Centrão, desonrando os
milhões de votos que o alçaram ao mais alto cargo da República. Felizmente, o
País parece farto de tanto diversionismo e tem dado inúmeras demonstrações de
que quer recuperar o tempo perdido e retomar a rota da democracia e do
desenvolvimento econômico. Iniciativas como a coalizão Unidos pelo Brasil são
prova de que reconstruir o País é um projeto tão urgente quanto factível, que
passa pelo exercício pleno da cidadania e pela participação ativa da sociedade
civil na vida pública.
Sob a
coordenação do Centro de Liderança Pública (CLP), pesquisadores e associações
do setor produtivo se uniram para selecionar propostas que merecem ser tratadas
com atenção e celeridade pelo Legislativo a partir do ano que vem. São 14
projetos de lei que já estão em tramitação na Câmara e no Senado, focados em
temáticas que visam à modernização do setor público, à sustentabilidade
ambiental, ao crescimento econômico e à justiça social. O documento será entregue
aos parlamentares e aos candidatos que disputam a Presidência da República. Se
aprovados pelos deputados e senadores, eles têm o potencial de proporcionar um
crescimento de 7,3% do Produto Interno Bruto e uma economia de R$ 96 bilhões
para os cofres públicos até 2026.
No eixo
ambiental, as prioridades são as propostas para dar fim ao desmatamento ilegal,
regulamentar o mercado de carbono, destravar concessões florestais e
simplificar os processos de licenciamento ambiental. Na busca de um Estado
moderno e eficiente, as entidades defendem a aprovação de uma reforma
administrativa que combata privilégios, a regulamentação de um teto de salários
para servidores públicos, a atualização dos concursos públicos e uma lei de
governança para garantir mais eficiência nas empresas estatais. Na área de
crescimento econômico e justiça social, os projetos selecionados são a lei das
debêntures de infraestrutura, o novo marco do setor elétrico, a revisão do
marco do pré-sal e a reforma tributária.
Em comum a todas
as propostas estão a defesa de princípios liberais e uma visão que alia solução
de problemas do passado e a preparação para as oportunidades do futuro. O
Brasil já teve um papel de protagonismo na agenda de desenvolvimento
sustentável, e resgatar essa liderança será essencial para garantir espaço aos
produtos brasileiros nos mercados internacionais. Internamente, o País já
mostrou inúmeras vezes ser capaz de enfrentar desafios históricos. A despeito
do fisiologismo que marcou o Legislativo, a mobilização da sociedade garantiu a
aprovação de avanços como a reforma trabalhista, a reforma da Previdência, o
marco do saneamento básico, a autonomia do Banco Central e a Lei do Gás. A
degradação da administração federal, a instabilidade institucional e o desmonte
de políticas públicas, entre muitos outros legados da administração Bolsonaro,
não são irreversíveis.
Fossem os
programas de governo dos candidatos à Presidência da República mais do que
meras cartas de intenção, a lista de projetos selecionados pela coalizão certamente
deveria integrá-los. É evidente que os temas são complexos e, em alguns casos,
contrapõem interesses mesmo entre as entidades que compõem o grupo. São,
afinal, os detalhes que definem a qualidade de uma proposta legislativa. Mas,
ao reunir instituições como o Centro de Cidadania Fiscal, a Fundação Dom
Cabral, o Instituto Millenium, a Sociedade Brasileira de Direito Público, o
Movimento Brasil Competitivo, a Associação Brasileira da Infraestrutura e
Indústrias de Base (Abdib) e a Associação dos Grandes Consumidores Industriais
de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), a coalizão mostra disposição para
qualificar o debate e construir os consensos possíveis.
País não cresce
sem ensino profissional
O Estado de S. Paulo
A valorização da educação profissional técnica é essencial para elevar a produtividade e a competitividade da economia, ajudando a superar o apagão de mão de obra qualificada
A despeito de
uma melhora contínua dos indicadores do mercado de trabalho, a existência de
mais de 10 milhões de trabalhadores que não têm ocupação, constatada pela
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, mostra um
quadro ainda marcado por dificuldades para boa parte da população. Nesse
cenário, parece paradoxal que muitas empresas tenham vagas abertas e encontrem
dificuldades para preenchê-las. É um paradoxo apenas aparente.
Há tempos
especialistas em formação profissional falam em um “apagão de mão de obra
qualificada”. Para se manterem competitivas ou alcançarem novos mercados, as
empresas modernizam-se e buscam aumento de eficiência, o que exige
profissionais preparados para desempenhar funções mais complexas. Mas muitas vezes
não encontram profissionais com as qualificações necessárias, a despeito da
abundante oferta de mão de obra.
As novas
configurações do sistema produtivo mundial e a rápida transição para o que vem
sendo chamado de economia do conhecimento tornaram mais aguda uma deficiência
histórica do sistema de ensino do Brasil. Por um longo período, predominou no
País uma visão estigmatizada da educação profissional técnica. Essa modalidade
de ensino era “percebida como um tipo de formação inferior e objeto de política
pública direcionada às camadas sociais desfavorecidas, que encontravam nesse
tipo de formação uma alternativa para fugir da pobreza”, resume o manifesto
sobre educação profissional técnica preparado pelo Movimento Brasil Competitivo
(MBC). Com o manifesto, o MBC pretende mostrar a urgência de mudar
essa visão e preparar o País para os desafios que as rápidas transformações do
sistema produtivo em todo o mundo lhe impuseram.
A iniciativa
merece atenção dos que procuram pensar o futuro do País. Além de trazer um
diagnóstico da situação da educação profissional técnica, o documento propõe
uma agenda mínima para promover a formação de mão de obra qualificada. Será
decisivo o papel da empresa privada para o êxito de boa parte das iniciativas
sugeridas.
A educação
profissional técnica continua oferecendo oportunidades para jovens de famílias
de baixa renda, o que, por si só, lhe dá relevância social, mas é muito mais do
que isso. Ela é também determinante para dar mais eficiência à economia
brasileira. A baixa produtividade do trabalho tem várias causas, mas está
relacionada também à falta de qualificação dos trabalhadores.
Houve esforços
do setor público e da iniciativa privada para melhorar e expandir a rede de
ensino profissional técnico nas últimas décadas. Mas os resultados foram
insuficientes para melhorar a classificação do Brasil entre as cerca de 30
principais economias do mundo nessa questão. Relatório da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que, enquanto os países
vinculados a ela registraram que 38,4% dos formandos no ensino médio estavam
matriculados em cursos técnicos ou profissionais em 2019, no Brasil o índice
foi de apenas 8,6%.
Para reverter
esse quadro é preciso, primeiro, valorizar a educação profissional técnica como
alternativa real de qualificação profissional e de inserção competitiva no
mercado de trabalho, propõe o estudo do MBC. Outra sugestão é a organização do
ensino focada em duas vertentes, uma voltada à preparação acadêmica e centrada
na promoção da reflexão crítica, entre outros atributos, e outra voltada à
preparação vocacional e à qualificação para o mundo do trabalho. A adequação da
oferta de ensino profissional técnico às demandas empresariais e às vocações e
potencialidades regionais é outro item proposto pelo MBC. Será indispensável
também integrar a política de valorização do ensino profissional técnico às
políticas de desenvolvimento e, sobretudo, às de inclusão e de combate à
pobreza.
Nenhuma
organização, pública ou privada, terá êxito pleno se atuar isoladamente. A
mudança precisa envolver diferentes organizações e contar com a colaboração e o
estímulo da sociedade, observa com razão o MBC. É tarefa de todos.
Apoiar a
educação na periferia
O Estado de S. Paulo
Prefeitura de SP acerta ao pagar adicional para professores de escolas que atendem os mais pobres
A educação é
chave para o desenvolvimento e para a mobilidade social, e é exatamente por
isso que o maior investimento público na área da educação deve ser feito nas
regiões mais pobres. O que se observa, sobretudo nas periferias das grandes
cidades, no entanto, é que a educação, em vez de ser redentora, reproduz
fielmente as desigualdades que prejudicam a parcela mais vulnerável da
sociedade. Lá, onde a renda das famílias é mais baixa e os índices de
violência, mais altos, as escolas públicas enfrentam dificuldades para atrair e
manter professores.
Por esse motivo,
é digno de nota o decreto recentemente baixado pela Prefeitura de São Paulo
para instituir o pagamento de um bônus para professores e profissionais de
apoio que atuem em 529 escolas na periferia da cidade. O objetivo é reduzir a
alta rotatividade de pessoal nesses estabelecimentos, algo que prejudica a
formação de vínculos entre o corpo docente e a escola − e acaba gerando
consequências negativas sobre o que mais importa: a aprendizagem dos estudantes.
Pesquisadores da
área da educação já constataram que o desempenho escolar em língua portuguesa,
matemática e outros componentes curriculares reflete, acima de tudo, o nível
socioeconômico das famílias e a escolaridade dos pais, especialmente a da mãe.
Esse ponto de partida, por assim dizer, não é determinante de quão longe cada
aluno pode chegar, mas o fato é que, quanto maior a vulnerabilidade social dos
estudantes fora da escola, maior também será o desafio do corpo docente.
Do ponto de
vista da redução das desigualdades educacionais, o ideal seria que as escolas
da periferia contassem com os melhores professores de cada rede. Afinal, é lá
que estudam as crianças e os adolescentes cujos pais ou responsáveis têm menor
renda e escolaridade mais baixa. O sistema educacional teria, assim, melhores
condições para contrabalançar fatores externos que prejudicam o desenvolvimento
escolar.
No dia a dia de
tantas redes públicas do País, no entanto, o que se vê é exatamente o
contrário: as escolas têm dificuldade até mesmo para atrair e, mais ainda, para
manter professores. Resultado: convivem com alta rotatividade de pessoal, o que
só prejudica a qualidade do ensino e a implementação do respectivo projeto
pedagógico, afetando negativamente também a continuidade de outros programas.
Diante de tal
realidade, a decisão da Prefeitura é acertada e responde a um problema capaz de
corroer toda a agenda de melhoria da aprendizagem. A nova Gratificação por
Local de Trabalho (GLT) vai pagar de R$ 300 a R$ 1.500 mensais para docentes e
de R$ 200 a R$ 500 mensais para os demais profissionais. As escolas foram
selecionadas justamente por apresentar altos índices de rotatividade. Por
óbvio, o bônus deve ser acompanhado de ações que garantam, entre outros
aspectos, a segurança e boas condições de funcionamento das unidades. Em futuro
próximo, fará bem a Prefeitura se avaliar os resultados obtidos com o novo
mecanismo − de resto, uma iniciativa que caminha na direção certa.
Contencioso reforça a urgência da reforma
tributária
O Globo
Só no Carf, as disputas entre os
contribuintes e a Receita passaram de R$ 1 trilhão no primeiro semestre
A complexidade impenetrável do sistema
tributário brasileiro tem como consequência a infinidade de reclamações dos
contribuintes contra o recolhimento de impostos. Um estudo do Insper estimou
que, em 2019, o contencioso tributário em todas as esferas da Justiça equivalia
a 75% do PIB. Apenas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf),
organismo da Receita Federal que julga queixas dos contribuintes, a média
histórica dos casos à espera de decisão gira em torno de escandalosos R$ 600
bilhões. No primeiro semestre deste ano, com a greve de auditores fiscais e os
efeitos da pandemia na Receita, a pilha cresceu: ficaram acumulados no Carf
processos envolvendo pouco mais de R$ 1 trilhão, ou 11% do PIB.
Fosse a legislação brasileira clara,
funcional e compacta, a situação seria diferente. É patente a enorme
insegurança criada pela profusão de regras que resulta nas divergências entre
contribuintes e governo na interpretação da legislação. Os grandes contribuintes
têm pendências no Carf proporcionais ao tamanho. A Petrobras acumula um
contencioso de R$ 30 bilhões. A Ambev, R$ 50 bilhões. O Itaú, cerca de R$ 60
bilhões, metade ainda relativa à fusão com o Unibanco. Julgados por 180
conselheiros — 90 representantes dos contribuintes e 90 da Receita —, os
processos levam em média três anos e meio para ser decididos, tempo em que as
empresas precisam manter provisões no balanço para o caso de derrota. Na
Justiça comum, a situação é ainda mais desesperadora. Uma divergência
tributária leva de sete a dez anos para ser julgada.
Em razão do emaranhado tributário, o Banco
Mundial calculou que no ano passado as empresas brasileiras gastavam entre
1.101 e 1.483 horas por ano para se manter em dia com o Fisco, mais do que em
qualquer outro país. Mais da metade de um ano de trabalho dedicada apenas a
cumprir normas tributárias. A Receita contesta os dados. Afirma que 474 horas
anuais são suficientes para enfrentar a burocracia. Mesmo assim, seriam 60 dias
de trabalho, deixando o Brasil em 151º lugar na avaliação do Banco Mundial
sobre a facilidade para pagar impostos.
Há soluções ao alcance de qualquer governo
que não necessariamente passam pelo Congresso. Bastaria esclarecer as
controvérsias mais comuns no Carf e obrigar a Receita a publicar opiniões
mediante questionamentos prévios dos contribuintes. Isso evitaria práticas que
resultassem em autos de infração e no acúmulo de processos.
Outra resposta necessária e urgente é a
reforma tributária. Há dois projetos no Congresso que promovem a fusão e
simplificação de impostos. O governo em nenhum momento trabalhou pela
tramitação, nem contribuiu para fazer avançar um texto único. Preferiu fazer
uma reforma fatiada que, além de insuficiente para resolver as distorções
existentes, criava outras novas. Felizmente não prosperou.
O presidente que assumir o Planalto em 1º
de janeiro terá o dever de dar à reforma tributária a prioridade exigida pela
sociedade. É essencial aprová-la logo no primeiro ano de governo. Não se pode
perder mais tempo para dar mais competitividade à economia brasileira. Enquanto
houver uma confusão que resulta em centenas de bilhões de contencioso
tributário apenas no Carf, investir no Brasil continuará sendo um risco que
apenas aqueles com recursos em abundância ou os mais aventureiros se disporão a
enfrentar.
Governo é omisso diante das 1.500 pistas de
pouso ilegais na Amazônia
O Globo
Centenas delas estão localizadas em terras
indígenas, pondo em risco o meio ambiente e a saúde
Em maio, O GLOBO noticiou que o
Ibama mapeou 277 pistas de pouso irregulares no território ianomâmi, área
equivalente a Portugal. Agora, reportagem
do New York Times contou, além dessas, 1.269 outras pistas clandestinas em toda
a Amazônia, ativas pelo menos até o ano passado, todas localizadas em
áreas ricas em ouro e estanho. Centenas delas também em terras indígenas. Do
total, 362 estavam dentro do raio de 20 quilômetros de algum garimpo.
Há na reserva ianomâmi três bases do
Exército para monitorar a fronteira com a Venezuela. O Times mapeou 35 pistas
clandestinas num raio de 80 quilômetros de uma dessas bases. Relatou o fato ao
Exército e recebeu uma resposta protocolar: “O Exército reconhece que a
integridade de suas fronteiras representa um desafio para o Estado brasileiro,
e em particular para as forças de segurança”. Para justificar o imobilismo,
informou que o Brasil tem mais de 16 mil quilômetros de fronteira com dez
países para vigiar. A Força Aérea também foi procurada com insistência, mas não
deu resposta.
Nos anos 1980, sob pressão internacional, a
Força Aérea destruiu várias pistas na região e fechou o espaço aéreo sobre o
território durante meses. Isso é o que deveria ter sido feito já há algum
tempo. Antes de Bolsonaro e sua política de incentivo ao garimpo e à exploração
da madeira na Amazônia, ainda havia operações militares semelhantes. Agora, o
sinal verde do Planalto à ocupação de terras produz uma destruição ambiental
sem paralelo.
A invasão da terra ianomâmi por 30 mil
garimpeiros em Roraima segue um padrão. Definida a área a explorar, geralmente
às margens de um rio, abrem-se pistas clandestinas para estabelecer a logística
do transporte de garimpeiros, alimento, combustível, equipamentos e do próprio
ouro.
Enquanto
o crime organizado se alastra na Amazônia, sua representatividade no
Congresso poderá crescer se vingar a pré-candidatura a deputado federal pelo PL
de Roraima do empresário Rodrigo Martins, sob investigação da PF por apoiar a
mineração ilegal na terra ianomâmi. As empresas dele em Boa Vista, uma de
táxi-aéreo e outra de perfuração de poços artesianos, são acusadas de ter
movimentado mais de R$ 200 milhões em dois anos. A cifra, segundo a PF, só pode
ser explicada se, entre os negócios, estiverem o ouro e a cassiterita da
reserva indígena.
O Times usou uma ferramenta especial para
analisar milhares de fotos de satélite, a fim de encontrar sinais de mineração
próximos às pistas, como as piscinas usadas pelos garimpeiros para fazer a
separação do ouro com o mercúrio, que depois polui os rios e contamina os
peixes consumidos em povoados e cidades. Segundo laudo da PF, o mercúrio
encontrado nos quatro rios que correm no território ianomâmi (Couto de
Magalhães, Catrimani, Parima e Uraricoera) está 8.600% acima do seguro para
consumo humano. Quem quer que seja o vencedor das eleições de outubro, terá de
enfrentar intensa pressão internacional para lidar com esse tipo de devastação
que aflige a Amazônia e as populações indígenas.
Risco de destruição e muitas dúvidas na
licença à BR-319
Valor Econômico
Nenhuma das recomendações feitas por um
grupo de trabalho estabelecido em 2008 foi cumprida integralmente
Há quase nove anos, reportagem do Valor descrevia da
seguinte forma o estado de precariedade da BR-319, a estrada que deveria ligar
Manaus e Porto Velho, duas capitais com população total de 2,8 milhões de
habitantes: “Sem qualquer manutenção, o trecho central da rodovia, um traçado
de 405 km, foi totalmente invadido pela mata. O clima úmido e as chuvas
ajudaram a transformar a camada fina do asfalto em um farelo escuro e pedras
que se misturaram ao barro. Crateras surgiram por todos os lados, pontes
apodreceram”. De lá para cá, nada mudou. Esse trecho continua intransitável,
privando enorme contingente de brasileiros do deslocamento barato e seguro. Há
uma dívida social do país com a região Norte, que ainda carece do básico em
serviços públicos e ostenta indicadores vergonhosos - só 13% de cobertura da
rede de esgoto em aglomerados urbanos e mais de 800 mil pessoas sem acesso à
energia elétrica, vivendo em condições não muito diferentes daquelas no século
XIX.
Com sua pavimentação concluída em 1973, a
BR-319 foi concebida como um dos principais eixos rodoviários da Amazônia.
Veículos de passeio percorriam facilmente seus 877 km em até 12 horas. Havia
linhas regulares de ônibus entre Manaus e Porto Velho. Menos de duas décadas
depois de inaugurada, porém, ela já se encontrava em decomposição. Hoje só se
trafega na rodovia em seus quilômetros iniciais, partindo de cada extremidade.
O miolo da estrada está tão deplorável que exigirá o reasfaltamento completo. É
quase como construir do zero.
No fim de julho, ignorando alertas da
sociedade civil e de seus próprios servidores, o Ibama emitiu licença prévia ao
projeto de repavimentação da BR-319. Em teoria, isso significa que o
empreendimento é viável do ponto de vista socioambiental. E que, se forem
cumpridas certas condicionantes, passa-se à etapa seguinte: a licença de
instalação e o início efetivo das obras. Na prática, o processo fica muito
longe de transmitir o mínimo de segurança em matéria de sustentabilidade. Nas
circunstâncias atuais, está mais para aventura, com sinais de destruição à
vista.
Há indícios de fragilidade na decisão tomada
pelo presidente do Ibama, Eduardo Bim, que recentemente classificou a si mesmo
como um “psicopata” e disse não estar “nem aí” para críticas. Ao assinar a
licença, Bim relevou apontamentos que constavam de pareceres técnicos do
próprio órgão e dos estudos de impacto ambiental (EIA-Rima). Os documentos
indicam o risco de mais grilagem em terras públicas e de ampliação do
desmatamento ilegal - ainda que medidas de mitigação sejam adotadas.
Nenhuma das recomendações feitas por um
grupo de trabalho estabelecido em 2008 - com representantes do Ministério do
Meio Ambiente, do Ibama, do Instituto Chico Mendes e do órgão ambiental do
Amazonas - foi cumprida integralmente. O relatório do grupo propunha dez
iniciativas anteriores à emissão da licença prévia. Uma delas era a formação de
um arco com 16 unidades de conservação (UCs), de um lado e de outro da rodovia,
a fim de dificultar o avanço do desmatamento. Como se sabe, o presidente Jair
Bolsonaro não criou novas UCs no país.
A mera especulação sobre o começo das obras
já tem provocado estragos. Lábrea e Apuí, dois municípios localizados no sul do
Amazonas e na área de influência da BR-319, são os campeões em alertas de
desmatamento em 2022. O Estado, sempre citado como um exemplo de preservação,
foi responsável por 31% de toda a perda de florestas durante o primeiro
semestre e vê sua divisa meridional como nova fronteira de atividades ilícitas.
Some-se a isso, além de tudo, o arrocho a
que têm sido submetidos os diversos órgãos ambientais no governo Bolsonaro. Em
2019, o orçamento destinado à gestão do meio ambiente era de R$ 5 bilhões,
menor valor desde 2005. Os anos seguintes foram de queda contínua, e 2022 é o
quarto exercício consecutivo de menor dotação em 17 anos - apenas R$ 3,4
bilhões. À luz de tais números, soa irrisória uma das condicionantes da licença
recém-emitida: a instalação de três postos de segurança na BR-319, antes ou
concomitantemente com as obras, a fim de fiscalizar 885 km de rodovia e seu
entorno.
Da forma como foi dado, o aval do Ibama convida o Ministério Público e o Judiciário a atuar contra. Mais uma vez, provavelmente haverá gritaria sobre a demora no processo de licenciamento ambiental, bem como sobre a necessidade de desburocratização. A culpa não é (apenas) do tempo ou da burocracia, mas da fragilidade de decisões da inação do Estado em implementar soluções.
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