segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Memória | Primavera de Praga - Manifesto de Intelectuais Brasileiros*

Os abaixo-assinados democratas que acreditam no socialismo como forma digna de viver em sociedade, querem manifestar de público sua mais viva repulsa contra à invasão da Tchecoslováquia por cinco potências do pacto de Varsóvia.

Convencidos que estão do acerto e da oportunidade das transformações estruturais e administrativas que se processavam na vida desse país, em busca de uma aplicação correta dos princípios fundamentais do socialismo, causa-lhes indignação e sofrimento que aquelas Repúblicas lideradas pela URSS – a primeira nação socialista do mundo – estejam desrespeitando o princípio da autodeterminação dos povos, que alegam defender.

Socialismo é liberdade. O socialismo, que por sua essência não admite a exploração do homem pelo homem, por isso mesmo não pode admitir quaisquer razões políticas e econômicas que justifiquem a dominação de um povo.

Viva a liberdade!

Viva o socialismo!

Viva o povo tchecoslovaco!

              Rio de Janeiro, GB, 22 de agosto de 1968

Affonso Romano de Sant’Anna – Alex Vianny – Almir de Castro – Álvaro Lins – Anísio Teixeira, Antônio Aragão, Antônio Houaiss, Bolivar Lamounier, Assis Brasil, Carlos Heitor Cony, Célia Neves, César Guimarães, Cid Silveira, Claudio Santoro, Dias Gomes, Djanira, Doutel de Andrade, Edson Carneiro, Edmar Morel, Edmundo Muniz, Eduardo Portela, Eli Diniz, Ênio Silveira, Fausto Ricca, Felix de Athayde, Fernando Segismundo, Ferreira Gullar, Flávio Rangel, Flora Abreu Henrique, Geir Campos, Helena Ignez, Hélio Silva, Irineu Garcia, James Amado, João das Neves, Joel Silveira, José Paulo Moreira da Fonseca, Josefa Magalhães Dauster, Júlio Bressane, Leon Hirchmann, Lúcio Urubatan de Abreu, Luis Fernando Cardoso, Marcelo Cerqueira, Margarida Boneli, Maria Yedda Linhares, Mário da Silva Brito, Miguel Borges, Miguel Faria, Moacyr Felix, Otavio Ianni, Oto Maria Carpeaux, Paulo Alberto, Paulo Francis, Pedrívio Guimarães Ferreia, Poty, Roberto Pontual, Rodolfo Konder, Roland Corbisier, Sebastião Neri, Sinval Palmeira, Susana de Moraes, Tati Moraes, Vamireh Chacon.

*Revista Civilização Brasileira – Caderno Especial 3, p. 387.

Em 1968: Soviéticos invadem Tchecoslováquia e reprimem Primavera de Praga

Soldados e tanques do Pacto de Varsóvia chegam à capital do país na madrugada do dia 21

Naief Haddad / Folha de S. Paulo (21/8/2018)

AGOSTO DE 1968

A celebrada Primavera de Praga se aproxima do fim. Às 23h de 20 de agosto, cerca de 165 mil soldados da União Soviética e de nações aliadas deram início à invasão da Tchecoslováquia |1|, país localizado na Europa Central.

A operação é conduzida pelo Pacto de Varsóvia, liderado pelo Partido Comunista da União Soviética. Integram o grupo países como Alemanha Oriental, Polônia, Hungria, Bulgária e Romênia.

Nos últimos meses, a cúpula soviética, sob a liderança de Leonid Brejnev, vinha demonstrando irritação com as reformas promovidas por Alexander Dubcek, primeiro-secretário do Partido Comunista da Tchecoslováquia.

Sob o mote "socialismo com uma face humana", assim batizado por Dubcek, seu governo ampliou os direitos civis e a liberdade de imprensa, restringiu a ação da polícia secreta, começou a limitar o poder dos burocratas, entre outras medidas. Esse período de liberalização passou a ser chamado de Primavera de Praga.

Embora enfatizasse a lealdade a Moscou, Dubcek rejeitou as pressões soviéticas para recuar no movimento de democratização da Tchecoslováquia.

A resposta das tropas do Pacto de Varsóvia veio em uma ação colossal. Cerca de 4.600 tanques entraram no país por meio das fronteiras com a Alemanha Oriental (ao noroeste), Polônia (ao norte), União Soviética (ao leste) e Hungria (ao sudeste).

Neste dia 21, por volta de 4h da madrugada, as tropas chegaram à capital, Praga. Além de Dubcek |2|, foram presos o presidente do Conselho de Ministros, Oldrich Cernic, e o presidente da Assembleia Nacional, Joseph Smrskovsky.

Poupado pelos soldados soviéticos, o presidente da Tchecoslováquia, Ludvík Svoboda, fez um pronunciamento em defesa das mudanças recentemente promovidas pelo governo e recomendou ao povo que resistisse sem violência.

Não foi apenas o pacifismo que guiou Svoboda. O presidente do país sabe que as Forças Armadas da Tchecoslováquia não têm uma linha de comando independente e, portanto, não saberiam agir sem a liderança soviética.

Muito popular no país, a rádio Praga também pediu serenidade aos habitantes.

Parte dos tchecoslovacos, de fato, reagiram sem atos violentos, colocando-se à frente dos tanques ou discutindo com os jovens soldados. Outros, no entanto, jogaram coquetéis Molotov e pedras nos militares invasores.

Já entre as tropas do Pacto de Varsóvia, a truculência tem prevalecido. Há registros de tiros disparados pelos soldados em direção à multidão e tanques que abriram fogo para atingir manifestantes que rasgavam folhetos distribuídos pelos russos.

Ao final deste primeiro dia de invasão, contam-se pelo menos 23 tchecoslovacos mortos |3|.

Caso tenha mesmo chegado ao seu fim, o que neste momento parece muito provável, a Primavera de Praga terá durado apenas oito meses.

Nascido no vilarejo de Uhrovec, na região da Eslováquia, Dubcek atuou na resistência às forças nazistas durante a Segunda Guerra, período em que passou a integrar o Partido Comunista do país. Teve uma carreira política de destaque e assumiu, aos 47 anos, o cargo máximo da Tchecoslováquia em 5 de janeiro de 1968.

Àquela altura, o país vivia uma fase de estagnação econômica e censura severa aos meios de comunicação.

Poucos foram os sinais de reforma nas primeiras semanas de gestão. Em abril, no entanto, Dubcek respondeu às expectativas da população.

Lançou o Programa de Ação do Partido Comunista Tchecoslovaco, que preconizava "um novo modelo de democracia socialista". Jornais, rádios e TVs ganharam uma autonomia incomum, inclusive para criticar o governo Dubcek, a polícia secreta perdeu poder para investigar crenças políticas e religiosas, o mercado iniciou uma abertura para produtos trazidos do Ocidente, entre outras iniciativas de liberalização.

O 1º de Maio, Dia do Trabalho, mostrou ao mundo uma nova Tchecoslováquia. Enquanto as demais capitais de países comunistas promoviam solenes paradas militares, Praga viu os jovens tomarem as ruas com música e cartazes. Havia dizeres como "Menos Monumentos e Mais Pensamentos", "Democracia, Custe o que Custar" e "Deixem Israel Viver".

Para a satisfação dos taxistas e dos donos de hotéis da capital do país, a vida cultural se renovou rapidamente. Em texto recente sobre a cidade, o jornal The New York Times escreveu: "Para as pessoas com menos de 30 anos, Praga parece o lugar certo para se estar neste verão".

Casas de espetáculo e bares promoviam shows de rock e jazz, e os 22 teatros da cidade passaram a oferecer programação intensa. Entre as peças em cartaz, estava "Quem Tem Medo de Franz Kafka?"|4|, proibida durante a gestão do linha-dura Antonín Novotný, antecessor de Dubcek como primeiro-secretário do PC.

Outra montagem bem-sucedida foi "Last Stop". Os autores Jiri Sextr e Jiri Suchy imaginaram uma Tchecoslováquia sob o efeito do cancelamento das reformas, ou seja, de volta à era de rigidez comunista.

Neste 21 de agosto, com Praga completamente tomada pelos militares do Pacto de Varsóvia, "Last Stop" ganha ares de profecia |5|.

FOLHA PUBLICA SÉRIE SOBRE 1968

Reportagens relatam, como se tivessem ocorrido nos dias de hoje, fatos que marcaram ano de mudanças

|1|  Após um longo processo histórico, a República Tcheca e a Eslováquia se dividiram em 1º de janeiro de 1993

|2|  Depois de deixar a prisão, Alexander Dubcek retomou o posto de primeiro-secretário do PC da Tchecoslováquia, mas muito enfraquecido politicamente. Foi retirado do cargo em abril de 1969. Três décadas depois, com o fim do comando comunista, elegeu-se líder da Assembleia Federal. Morreu em 7 de novembro de 1992 em um acidente de carro

|3|  Até 2 de setembro de 1968, 72 tchecoslovacos tinham sido mortos pelas tropas do Pacto de Varsóvia, segundo o livro "1968 - O Ano que Abalou o Mundo", de Mark Kurlansky

|4|   Proibidos sob o comando comunista, os livros do tcheco Franz Kafka foram liberados durante a Primavera de Praga

|5| Acuado pelo bloco soviético, Dubcek assinou novas medidas, que reduziam de forma expressiva as iniciativas postas em prática nos meses anteriores. O processo de democratização refluiu substancialmente, e milhares de pessoas deixaram a Tchecoslováquia. Definitivamente, era o fim da Primavera de Praga

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O ser humano sempre cometendo atrocidades em nome da ideologia,tanto à direita,quanto à esquerda,uma pena!