O Globo
Os EUA já tiveram política externa, hoje têm
eventos
O secretário do Tesouro dos Estados Unidos posou
ao lado de Eduardo
Bolsonaro no dia em que deveria ter mantido uma reunião virtual com o
ministro Fernando
Haddad. Não foi uma simples descortesia, foi uma presepada. Scott Bessent
ocupa uma cadeira onde estiveram titãs das finanças americanas. Não há registro
de episódios semelhantes.
Deve-se mandar ao arquivo qualquer ideia de
negociação pública com o governo Donald Trump.
Seu Salão Oval e seus ministros tornaram-se radioativos. O melhor a fazer é
seguir o exemplo da China: poucas palavras e muita conversa reservada.
No caso do Brasil, Trump conseguiu um inimigo ideal. Lula fala dele dia sim, dia não. Ministros maravilhavam-se com a ideia de conduzir negociações até que Bessent fritou Haddad. Com o gosto trumpista pelo teatro, tiveram o reforço de Eduardo Bolsonaro, oferecendo-se para fotos e para o papel de irradiador de ameaças.
Os estrategistas de Lula deveriam estudar o
que aconteceu entre o dia 9 de julho, quando foram anunciadas as sanções, e o
dia 30, quando o suco de laranja entrou na lista de exceções. Alguém conhecia
um caminho das pedras. Esse era fácil, outros serão intransponíveis.
Quando o Departamento de Estado usa a
cassação de vistos como arma de política externa, transforma-se numa lojinha da
Disney. Mais: sinaliza a falta de instrumentos para pressionar brasileiros.
Começaram cassando o visto de ministros do Supremo. Um mês depois, cassaram o
visto de técnicos do Ministério
da Saúde. Pelo andar da carruagem, Marco Rubio ameaçará suspender o visto
de quem comprar carros elétricos chineses.
O trumpismo baixou o nível de seus
interlocutores brasileiros. Em 1964, quem pedia a Washington que garantisse
combustível para os dias da revolta era o empresário Alberto Byington Jr., com
sólidas relações no andar de cima de Washington.
Hoje, o capitão do time é Eduardo Bolsonaro,
que sabe usar seu trânsito. Sua fotografia ao lado de Bessent qualifica-o, ao
mesmo tempo que desqualifica o secretário do Tesouro caso ele não seja capaz de
escrever 20 linhas sobre o parceiro da foto.
As sanções impostas ao ministro Alexandre
de Moraes serviram para fazer barulho, mas não desviarão em “um
milímetro” sua conduta no julgamento de Jair Bolsonaro, cujo final está
previsto para o dia 12 de setembro.
No início de julho, Trump exigiu que o
processo contra Bolsonaro seja suspenso “IMEDIATAMENTE” (ênfase dele). De lá
para cá, o governo americano suspendeu vistos e impôs sanções adicionais a
Moraes, mas a única novidade foi a colocação de Bolsonaro num regime de
silenciosa prisão domiciliar. Trump e seus porta-vozes parecem disputar o
noticiário do dia seguinte.
Moraes, com seu passado de promotor e
secretário de Segurança, gosta de lembrar que um valentão pode fazer escarcéu
ao ser preso numa quinta-feira, mas no domingo estará na cela, sentado na cama,
chorando.
Trump pode ter acreditado que suas sanções
contra o Brasil favoreceriam o futuro político dos Bolsonaros. Passado mais de
um mês de tensões, parece ter acontecido o contrário. Lula ganhou musculatura,
e os Bolsonaros firmaram-se no próprio nicho.
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