Lei é essencial para plataforma digital pagar por conteúdo
O Globo
Sem pressão do Congresso, as gigantes da
internet não se mexem para remunerar jornalismo, revela estudo
O modelo predatório de uso do conteúdo
jornalístico pelas grandes plataformas digitais, em especial Google e Facebook,
é um dos principais temas em discussão no Congresso Nacional no âmbito do
Projeto de Lei (PL) de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet,
popularizado como PL das Fake News. Nas últimas negociações, o relator,
deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), aceitou contemplar a questão num projeto
separado. Qualquer que seja a solução formal adotada, é fundamental haver
legislação obrigando as plataformas a sentar-se à mesa de negociação para que o
trabalho jornalístico seja remunerado de modo justo.
Essa é a principal conclusão que emerge de um estudo alentado comparando a experiência de vários países, divulgado na última semana pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Fica claro que, sem o poder de coerção da legislação aprovada no Congresso, com o apoio de atos administrativos baixados por órgãos de defesa da concorrência, as plataformas simplesmente não negociam com os veículos de imprensa em termos leais.
O estudo elenca as principais experiências
legislativas no mundo. A australiana, de 2021, tem servido de base a projetos
no Brasil, mas não é imune a críticas. Os autores consideram vaga a definição
de empresa noticiosa com direito a pagamento das plataformas, permitindo
remuneração a veículos que disseminam desinformação.
A Europa está, diz o estudo, mais avançada
na construção da base jurídica para negociação. O Parlamento Europeu incluiu o
tema na legislação sobre o Mercado Único Digital Europeu, e vários países
adotaram leis próprias. Na França, jornais como Le Monde, Le Figaro e a Aliança
da Imprensa de Informações Gerais (APIG) se entenderam com as plataformas em
2021, ano em que o governo francês multou o Google em € 593 milhões por
resistir a abrir negociações. No caso da APIG, que representa veículos
nacionais e de circulação regional, as conversas duraram dois anos. Em virtude
da pressão, o Google informou em novembro passado ter assinado mil acordos com
jornais em 11 países europeus.
Nos Estados Unidos, ainda há resistência a
legislar sobre o tema. Uma lei com apoio bipartidário não entrou em pauta nos
últimos dois anos, mas os partidos já decidiram apresentá-la na nova
legislatura. No Canadá, um projeto foi aprovado na Câmara e está em tramitação
no Senado.
As plataformas resistem a fazer acordos com
os veículos e ameaçam suspender acesso a conteúdos jornalísticos nos países em
que a legislação entra na pauta. Na Austrália, o Facebook chegou a bloquear por
um período até serviços de saúde e organizações de caridade. No Canadá, o
Google vetou acesso de parte dos usuários a notícias. A reação tem forçado o
recuo. As próprias plataformas dependem do conteúdo de qualidade fornecido pelo
jornalismo profissional para gerar tráfego.
As questões elencadas pelo estudo são
fundamentais: pelo que deve haver pagamento, quem deve ser beneficiado, quem
deve pagar, com base em que dados, qual deve ser o papel do Estado e como se
dará a decisão. Toda boa legislação tem de respondê-las de modo eficaz.
Qualquer que seja a formulação, está claro que, sem ajuda do Legislativo e, em
certos casos, também de órgãos do Executivo, será impossível as plataformas
digitais cederem e aceitarem pagar pelo que hoje usam de graça.
Risco de Trump voltar à Casa Branca deve
ser levado a sério
O Globo
Nenhum rival republicano parece ter chance
de derrotá-lo nas primárias — e contra Biden ele pode levar a melhor
O lançamento da candidatura Ron DeSantis à
Presidência dos Estados
Unidos esteve longe de ser o evento que o governador da Flórida
imaginava. A conversa pelo Twitter com o bilionário Elon Musk foi marcada por
falhas técnicas. O maior problema para DeSantis, porém, será político:
enfrentar nas primárias Donald Trump,
franco favorito. As pesquisas têm sido implacáveis com qualquer outro
republicano. Na média do site RealClearPolitics, Trump está 33 pontos à frente
de DeSantis (54% a 21%). Lidera com folga nos estados que abrirão as prévias
(Iowa e New Hampshire). Sites de apostas lhe dão um terço de chance de levar a
Presidência.
A pergunta evidente é: como um político
sobre quem pesam diversos processos, com acusações que vão de fraude contábil a
estupro (por esta já foi civilmente condenado), ainda submetido a investigação
por apropriação ilegal de documentos do Estado, conhecido por mentir
compulsivamente (até hoje insiste que Biden roubou as eleições) e mentor de uma
tentativa violenta de golpe de Estado depois da derrota em 2020 consegue manter
as rédeas do Partido Republicano?
Trump estabeleceu laços estreitos com seu
eleitorado de extrema direita, para o qual nada disso importa. Não perdeu
prestígio nem apoio pelas derrotas republicanas em 2018 e 2020. E se beneficia
da gestão vacilante de Joe Biden na Presidência, que tem contribuído para a
alta da inflação sem resolver os dilemas econômicos responsáveis pela vitória
de Trump em 2016.
Naquela época, fazia sentido acusar Trump
de tentar tomar à força o Partido Republicano. Agora, nenhum republicano parece
ter chance de derrotá-lo. Faz seis anos que trumpistas controlam o comitê
nacional do partido. Mais da metade da bancada republicana na Câmara foi eleita
pela primeira vez e está sob a influência de Trump. Dos dez deputados
republicanos que votaram a favor de seu impeachment em 2021, apenas dois ainda
têm mandato. E são minoritários em seus distritos.
Proporção razoável dos republicanos — 58%
segundo pesquisa YouGov — gostaria de votar numa alternativa. Mas, com o
partido sob o controle de Trump, são imensas as dificuldades de alguém
despontar. É o que tentará De Santis, sem despertar muita esperança. Tão ou
mais à direita que Trump, o governador da Flórida não controla as alavancas do
poder no partido. Na primeira vez em que Trump venceu uma eleição primária, em
2016, ele era o outsider. Hoje se tornou o establishment contra o qual um dia
se insurgiu.
Isso não significa que não possa haver emoções nas primárias. O calendário promete solavancos. O julgamento de um processo por falsificação de registros em Nova York estará em andamento logo depois da Super Terça, no início de março, quando votam eleitores de mais de uma dezena de estados. Não se prevê que algum dos processos contra Trump esteja concluído até o fim das primárias. Mas há a possibilidade de que um réu concorra à Casa Branca e seja eleito. A volta de Trump seria péssima notícia não só para os americanos, mas para todo o mundo.
O ocaso de Collor
Folha de S. Paulo
Nos estertores da Lava Jato, STF condena
ex-presidente por corrupção
Prefeito e governador, deputado federal e
senador, além de primeiro presidente do Brasil desde a redemocratização. O
currículo político de Fernando Collor de Mello (PTB), ao qual se acrescenta o
estigma do impeachment, ganha agora nova linha desabonadora.
Por maioria de 8 a 2, o Supremo
Tribunal Federal condenou Collor pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de
dinheiro, num julgamento deslanchado a partir de investigações da
hoje agonizante Operação Lava Jato.
O relator do caso, ministro Edson Fachin,
restou convencido de que Collor recebeu propina num esquema da BR
Distribuidora, uma subsidiária da Petrobras. Segundo a acusação, o
ex-presidente amealhou R$ 20 milhões para influenciar a diretoria da empresa de
modo a direcionar licitações.
Em seu voto, o relator teve a prudência de
rebater duas críticas comuns, e nem sempre equivocadas, quando se trata da Lava
Jato: a de que o processo se baseia apenas em delações e a de que se estaria
criminalizando práticas normais do presidencialismo de coalizão.
Indicações políticas, diz Fachin, são
inerentes ao sistema de governo brasileiro; o que contraria o ordenamento
jurídico é o uso indevido dessa teia de relações.
E, no caso de Collor, o uso indevido se
comprovou, aos olhos de Fachin, não por meros depoimentos, mas por uma chusma
de documentos juntados aos autos.
De celulares apreendidos colheram-se
mensagens incriminatórias; no escritório do famigerado doleito Alberto Yousseff
encontraram-se comprovantes de depósitos; a quebra de sigilo bancário revelou
que, só em dezembro de 2012, entraram nas contas de Collor R$ 357 mil em
espécie; na garagem do ex-presidente estavam carros como Lamborghini, Porsche e
Ferrari.
Se tocasse apenas a Fachin, a pena de
Collor montaria a quase 34 anos de prisão, mas a quantia exata depende de
deliberação da corte. A detenção em si, por sua vez, depende
de se esgotarem as generosas possibilidades de recursos.
O desfecho do processo não impediu a
ministra Cármen Lúcia de confessar uma amargura cívica ao notar que os crimes
atribuídos a Collor tenham sido cometidos de 2010 a 2014. Não lhe incomodou, em
particular, que fossem gestões do PT, e sim que, àquela época, o STF julgasse a
ação penal do mensalão.
"Nada disso causou qualquer temor para
pessoas que estavam a praticar atos denunciados depois pelo Ministério
Público", disse a ministra. "Espero que esse julgamento e todos os
outros venham para reparar isso", completou.
É, de fato, o que se espera: que as
investigações avancem dentro dos limites legais e que condenações sirvam também
de exemplo.
Complexa e irrealista
Folha de S. Paulo
Nova regra fiscal dá margem para que
governo explore brechas para expandir gasto
Aprovado por larga margem na Câmara dos
Deputados, o projeto que
instaura a nova regra para o controle do gasto do governo e da dívida pública deve
tramitar no Senado sem grandes modificações.
Já é possível, portanto, um veredicto sobre
o desenho quase final: o Congresso melhorou em algo a proposta do Executivo,
mas as normas ficaram complexas, o que sempre dá margem a subterfúgios.
A estabilização da dívida, além disso,
dependerá de aumentos exorbitantes na arrecadação, que não parecem realistas,
como mostram as simulações mais recentes da Instituição Fiscal Independente
(IFI), órgão de monitoramento vinculado ao Senado.
Para a IFI, essas duas características
aumentam os riscos de descumprimento das novas metas mais flexíveis no médio
prazo.
O aspecto positivo do novo desenho que
substituirá o teto de gastos, não há dúvida, foi afastar cenários mais adversos
que poderiam advir de uma licença para gastar sem limites, como queriam parte
do governo e o PT.
A combinação de restrições não deixa de ser
um fator disciplinador. De essencial, há limites para o crescimento das
despesas (entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação), metas de um saldo
positivo de 1% do PIB até 2026 e gatilhos de ajuste no caso de seu
descumprimento.
Entretanto fica claro que os objetivos de
elevação do gasto, sobre a base já aumentada do ano passado, não levarão a uma
queda do endividamento em proporção do PIB nos próximos anos.
Quase a totalidade do ajuste necessário
para estabilizar a dívida, algo em torno de R$ 150 bilhões de forma permanente,
dependerá de mais receitas, que devem ter evolução menos favorável do que
pretende o governo petista.
Enquanto o Ministério da Fazenda projeta
arrecadar R$ 135,2 bilhões neste ano com medidas adotadas até agora, a IFI
enxerga apenas R$ 63,4 bilhões. A diferença
fica muito maior em prazos mais alongados —R$ 645 bilhões ante R$ 305 bilhões
no triênio 2023-2025.
Resta evidente que há imprudente otimismo
do Executivo com o potencial de coleta com as alterações legais que alteram
bases de cálculo de impostos e contribuições. O mais provável é que haja
dificuldades jurídicas, que devem levar a resultados mais modestos.
O risco, portanto, é que o governo explore os espaços abertos por regras mais complexas para descumprir os compromissos.
Uma cidadania incompleta e degradada
O Estado de S. Paulo
Enquanto a sociedade não abandonar as
esperanças no Estado paternalista e não desprivatizar o Estado patrimonialista,
a Nação continuará a agonizar na inanição e na ignorância
“Ohomem é o problema da sociedade
brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto, sem
cidadania. A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o
País”, disse o presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães, ao
promulgar a nova “Constituição Cidadã”.
Mais de três décadas depois, que vergonha!
O Brasil é uma das nações mais desiguais do mundo. Uma das mais violentas
também. O País voltou ao mapa da fome. Os jovens que chegam a completar o
ensino médio mal sabem escrever ou realizar operações aritméticas elementares.
Metade da população não tem esgoto.
A vergonha cala tanto mais fundo ante as
potencialidades congênitas de um País preservado de catástrofes naturais, farto
em recursos alimentares e energéticos, sem histórico de guerras ou conflitos
civis, povoado por imigrantes de todo o mundo que compartilham de uma cultura
plural e tolerante. Somem-se a isso as oportunidades da economia verde e as
necessidades geopolíticas da Europa e EUA de realocarem negócios em países
geográfica e culturalmente próximos.
O abismo entre a utopia inclusivista da
Constituição e uma realidade socioeconômica brutalmente desigual e estagnada
espelha o abismo entre as elites políticas e econômicas extrativistas e uma
massa de excluídos desnutridos e iletrados. A Carta confere um vasto catálogo
de direitos. Mas como reivindicá-los quando mal se consegue vencer a luta
cotidiana pela sobrevivência?
O abismo social é causa e consequência de
uma cidadania totalmente incompleta. Antes, da renitente perversão da cidadania
por uma cultura classificada pelo historiador José Murilo de Carvalho como
“estadania”. A cidadania, escreve Carvalho no artigo Cidadania, estadania e
apatia, publicado em junho de 2001 no Jornal do Brasil, é “a integração das
pessoas no governo via participação política, na sociedade, via garantia de
direitos individuais, e no patrimônio coletivo, via justiça social”. Nosso
Estado, porém, “não é um poder público garantidor dos direitos de todos, mas
uma presa de grupos econômicos e cidadãos que com ele tecem uma complexa rede
clientelista de distribuição particularista de bens públicos”.
Uma das consequências é a excessiva
valorização do Poder Executivo, o encanto do líder messiânico, sebastianista, o
grande dispensador de empregos e favores. Outra é a visão privatista dos
interesses coletivos. “Não há uma construção social do político”, escreve
Carvalho. “Quando a virtude privada estabelece contato com o Estado, gera o
aborto do fisiologismo e do clientelismo, quando a virtude do Estado se
comunica com a sociedade, gera o aborto do paternalismo e do corporativismo.”
No mercado prevalecem os oligopólios e a
falta de competição. As grandes corporações exigem do Estado subsídios e
barreiras protecionistas. Os sindicatos exigem a calcificação de leis
trabalhistas que tornam as contratações proibitivas. O resultado é um déficit
geral de produtividade e inovação.
A contraface do Estado paternalista, o
Estado patrimonialista, é o grande promotor de privilégios e impunidade. “Sobre
a sociedade, acima das classes, o aparelhamento político – uma camada social
comunitária embora nem sempre articulada, amorfa muitas vezes – impera, rege e
governa, em nome próprio, num círculo impermeável de comando”, resumiu Raymundo
Faoro no livro Os Donos do Poder (1958).
A espiral viciosa se perpetua. A estagnação
econômica acentua a frustração. A ira popular se volta não só contra os
incumbentes políticos, mas contra a própria política. Inflama-se a esperança em
salvacionistas autoritários. E assim os donos do poder concentram mais poder.
Um círculo virtuoso depende de educação
para garantir igualdade de oportunidades; segurança jurídica para garantir
isonomia; meritocracia e produtividade para garantir competitividade,
prosperidade e mobilidade social. Mas a ativação desse ciclo depende da capacidade
de romper o vício de origem da cultura política brasileira. Enquanto a
sociedade civil não encontrar modos de desprivatizar o Estado e democratizar o
poder, a “Constituição Cidadã” seguirá brilhando no céu das ideias utópicas,
enquanto na terra agreste da realidade a Nação agoniza na inanição e na
ignorância.
Assim fica difícil atrair investimentos
O Estado de S. Paulo
Não se pode condenar o investidor que fica
confuso diante de casos como o da exploração de petróleo na Margem Equatorial,
avalizado por um governo petista e demonizado por outro
Enquanto os ministros de Minas e Energia,
Alexandre Silveira, e do Meio Ambiente, Marina Silva, se engalfinham em razão
da possibilidade de exploração de petróleo na Margem Equatorial, que inclui a
bacia da Foz do Amazonas, chama a atenção uma questão bem mais prosaica: como
um governo leva a leilão público blocos para exploração de petróleo, atrai para
a disputa grandes petroleiras internacionais, arrecada milhões de reais com a
assinatura dos contratos e, ao longo de dez anos, não autoriza nenhuma operação
na área?
É uma situação que ilustra à perfeição a
insegurança que afugenta investidores privados no momento em que o País mais
precisa de recursos para impulsionar seu desenvolvimento. Recorde-se que a
rodada de leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP) que incluiu a bacia da
foz do Amazonas foi realizada em 2013 – na gestão da petista Dilma Rousseff,
portanto.
Para desmerecer os projetos da Petrobras, o
atual presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, chegou a dizer que dezenas de
poços já foram perfurados na região sem que se tenha encontrado quantidade
significativa de petróleo. Ou seja, não haveria razão para perfurar um novo
poço. Há aí uma meia-verdade: esses primeiros poços foram feitos em águas
rasas, e a Petrobras quer perfurar em águas profundas – onde, a julgar pela
descoberta de petróleo em países vizinhos na região, as reservas são
promissoras.
Essa sinalização negativa do governo,
sugerindo desarticulação e intransigência, não traz prejuízos apenas ao setor
de petróleo. Pode contaminar outras áreas de investimento. Afinal, como
garantir a atração do capital em licitações de transmissão de energia, de
abertura de novas rodovias e de obras de infraestrutura sem uma atuação coesa e
transparente que assegure o planejamento privado? A tarefa básica do Estado,
antes de colocar a concorrência nos editais, é pesquisar minimamente a
viabilidade de cada projeto, identificar gargalos e verificar soluções para
eventuais impasses.
Antes de ir a leilão, os blocos de petróleo
passam pelo crivo antecipado do Conselho Nacional de Pesquisa Energética, são
avaliados preliminarmente por um comitê de trabalho interinstitucional – do
qual participam, inclusive, o Ministério de Meio Ambiente e o Ibama – e, por fim,
são submetidos a uma manifestação conjunta da ANP e Ibama. Todo este rito foi
cumprido na Margem Equatorial – debalde, como agora se vê.
A ANP mantém em oferta pública permanente
mais de 40 blocos na região que inclui a foz do Amazonas. Quem vai se aventurar?
Se os riscos reais são tão elevados, como o Ibama e o Ministério do Meio
Ambiente fazem crer com tanto estardalhaço, por que, ao longo de uma década, o
Ibama não indeferiu definitivamente a exploração da área? A confusa atuação de
todos os órgãos envolvidos deixa a impressão de que há muito mais do que
questões técnicas ou políticas em jogo. De uma hora para outra, uma área
considerada por um governo petista como promissora fronteira de exploração de
petróleo, capaz de atrair investimentos estrangeiros, é tratada por outro
governo petista, dez anos depois, como um “presente de Deus” (palavras da
ministra Marina Silva), cuja exploração equivaleria a uma heresia.
A francesa TotalEnergies, que, junto com BP
e Petrobras, fez o lance mais alto daquele leilão de 2013, entregou os pontos
depois de oito anos tentando obter uma licença. Até mesmo para os trabalhos de
sísmica, que não requerem nenhuma perfuração, a empresa encontrou dificuldades.
Acabou desistindo de cinco blocos e foi investir em outro lugar. Como ela,
outras empresas seguiram o mesmo caminho.
O que estamos assistindo neste momento é
mais do que um bate-cabeça eventual em torno da concessão de uma licença ambiental
específica. É o retrato da falta de rumo do Estado brasileiro, com grande
potencial de deixar um prejuízo de imagem difícil de superar. É possível que o
martelo acabe sendo batido pelo presidente Lula da Silva em favor da
exploração. Seja qual for o desfecho, no entanto, esse é um caso que deve
servir de exemplo do que não se deve fazer na condução de licitações públicas.
Os ‘multidevedores’
O Estado de S. Paulo
Enquanto o governo incentiva compra de
carros, inadimplentes acumulam dívidas em 11 lugares diferentes, em média
O recorde de mais de 70 milhões de brasileiros
inadimplentes, 43,43% da população acima de 18 anos, já havia sido revelado
pela Serasa nos dados coletados em março. Agora, um estudo da MGC Holding,
empresa especializada na recuperação de créditos vencidos, mostra que esse
imenso contingente é formado por “multidevedores”, pessoas que acumulam, em
média, débitos não pagos em 11 locais diferentes, um salto na média histórica
de três calotes por devedor, como mostrou a Coluna do Broadcast.
São números que assustam, porque sugerem
impossibilidade de colocar as contas em dia. Mais do que isso, reforçam a total
inversão de prioridades do governo, que corre para tentar impor a volta do
carro popular – medida polêmica e com grande potencial de elevar ainda mais o
endividamento do consumidor – enquanto o Desenrola Brasil, lançado no primeiro
mês da gestão Lula da Silva, continua enrolado. O programa, uma promessa de
campanha para aliviar o peso da inadimplência de pessoas físicas, especialmente
na faixa de baixa renda, deveria estar rodando há três meses, conforme
estimativas iniciais.
É impressionante a miopia populista que faz
o governo investir energia política no barateamento dos carros e do crédito
para financiá-los a prestações a perder de vista (sem falar na briga para
reduzir artificialmente os preços dos combustíveis), como se a ilusória
condição de dono de carro mudasse a realidade de quem tem renda insuficiente
para necessidades básicas e para honrar compromissos.
O pacote do carro popular, que foi
anunciado na quinta-feira passada, 25, não por acaso Dia da Indústria, parece
fadado ao fracasso. Como salientou o economista José Roberto Mendonça de
Barros, em entrevista ao Estadão, o Brasil não vive um momento no qual seja
possível vislumbrar uma solução no curto prazo para a crescente limitação de renda
dos consumidores. Além disso, a aposta das montadoras tem recaído sobre modelos
mais sofisticados, como os SUVs, líderes de venda de um mercado para poucos.
Já a medida provisória (MP) para a criação
do Desenrola, que prevê a renegociação de R$ 50 bilhões em dívidas, nem sequer
foi enviada ao Congresso. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a MP
está pronta, mas o software para rodar o programa ainda não foi desenvolvido.
Para isso não há qualquer data estipulada. Pressionado a indicar um prazo, o
ministro respondeu que não é programador.
Sem entrar no mérito da discutível
concepção do projeto de retorno do carro popular, o governo deveria programar
melhor sua lista de urgências. A adequação das condições para a efetivação do
consumo antecede o próprio consumo – como, aliás, era o que o governo deveria
observar na administração das próprias contas públicas. Pesquisa que a Febraban
acaba de concluir mostra que a expectativa de inadimplência para este ano segue
em alta: aumentou de 4,7% no levantamento de março para 4,8% este mês. É
urgente reverter essa tendência.
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