O Estado de S. Paulo
Apesar dos elementos positivos conquistados
na Câmara, arcabouço ainda pode ser melhorado. Ouso, aqui, elaborar três
sugestões
A Câmara dos Deputados fez um bom trabalho
no arcabouço fiscal. Na quarta-feira passada, encerrou-se a votação do projeto,
que seguiu para o Senado. Lá, será relatado pelo senador Omar Aziz, um veterano
que é capaz de tricotar com quatro agulhas. Vou ousar, no entanto, elaborar
três sugestões. Antes, vamos entender o que se tem até aqui.
O deputado Cláudio Cajado, relator na Câmara, conseguiu: 1) inserir o Fundeb no novo limite de gastos (preservando os aumentos constitucionais até 2026); 2) trazer um conjunto de gatilhos para o caso de rompimento da meta de resultado primário; 3) obrigar o governo a contingenciar gastos; e 4) obrigá-lo à apresentação de uma trajetória sustentável para a dívida em horizonte de dez anos; entre outros pontos.
No caso do item 2, se o governo romper a
meta de resultado primário fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), as
seguintes proibições serão acionadas: criação de cargos ou alteração de estrutura
de carreira; criação de auxílios e outros benefícios; nova despesa obrigatória
ou seu aumento acima da inflação; novos financiamentos, subsídios, subvenções e
renegociações de dívidas em geral; e concessão de benefício tributário. (Ver
incisos II, III e VI a X do artigo 167-A da Constituição.)
Se a meta de resultado primário for rompida
pelo segundo ano consecutivo, serão acionadas mais três proibições: contratação
de pessoal, a não ser para reposições; realização de concurso público; e
concessão de aumentos a servidores públicos em geral. (Ver incisos I, IV e V do
mesmo artigo.)
Se o governo descumprir a meta da LDO em
2024, por exemplo, as primeiras sete restrições serão acionadas em 2025. Caso
descumpra também em 2025, então as outras três passariam a valer em pleno ano
eleitoral (2026). Para mudar isso, seria preciso alterar a lei complementar.
Não é pouco.
Essas amarras impedem quase qualquer tipo
de aumento real de gastos. A esse arsenal se soma o redutor sobre o crescimento
do limite de gastos, que já constava da proposta original da Fazenda. A saber,
quando a meta de primário for rompida, o limite de gastos crescerá pela
variação real da receita líquida acumulada em 12 meses até junho do ano de
elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA) multiplicada por 50% (e não por 70%,
regra geral).
Por sua vez, o contingenciamento será
mandatório. Se não for feito até o limite do possível e a meta de resultado
primário for descumprida, a Lei de Responsabilidade Fiscal será infringida.
Apesar desses elementos positivos, o
arcabouço ainda pode ser melhorado. Primeiro, obrigando a que a redução de 70%
para 50% incida já no ano seguinte ao do rompimento da meta de primário (e não
dois anos após). Segundo, retirando a fixação de um porcentual mínimo para as
despesas discricionárias. Terceiro, excluindo a regra de exceção para o limite
de gasto em 2024. Tudo isso aperta a regra no início e preserva o equilíbrio
fiscal intertemporal.
Sobre a primeira, vale dizer, a aplicação
dos 50% só se dará dois anos após o exercício em que a meta de primário houver
sido descumprida. É que o momento de verificação da meta será o da elaboração
do Orçamento. Exemplo: se, na elaboração do Orçamento de 2025, em agosto de
2024, constatarse que a meta de primário havia sido descumprida em 2023, então
o limite de gastos para 2025 crescerá pelo fator de 50%. O ideal é aplicar os
50% já em 2024. Basta condicionar, na elaboração do Orçamento, a dotação
equivalente à diferença entre 70% e 50% à verificação do cumprimento da meta de
primário em janeiro próximo.
Sobre a segunda sugestão, o porcentual
mínimo de execução de despesas discricionárias fixado em 75% da previsão para
esses gastos no Orçamento reduz o grau de liberdade para cumprir a meta de
primário. A preservação de serviços essenciais deveria ser feita, ano a ano,
avaliando-se as despesas, e não carimbando a lei.
A terceira sugestão é corrigir a regra de
exceção de 2024. A saber, da forma como está, o limite de gastos crescerá pela
regra geral, mas esta poderá ser substituída pela aplicação de 70% da projeção
de crescimento da receita líquida apresentada pelo próprio governo no segundo
bimestre de 2024 para o próprio ano. Por exemplo, se a regra geral indicar
crescimento real de 1,1%, mas a regra de exceção indicar 1,5%, o limite de
gastos crescerá por essa segunda taxa. Na prática, o governo estará autorizado
a suplementar o Orçamento de 2024 em 0,4% (1,5% menos 1,1%) da base inicial.
Se, ao término do ano, a projeção de receita não se confirmar, a diferença entre
a projeção e a variação efetiva será abatida no limite para 2025.
Esse espaço fiscal adicional de 2024
afetaria permanentemente o limite de gastos a partir de 2025, já que apenas o
erro de projeção seria expurgado. Sem contar o problema matemático de usar duas
vezes a receita de 2024 (ou parte dela) para calcular o limite de 2025. A
sugestão é suprimir o artigo 15 como aprovado pela Câmara.
O senador Omar Aziz não precisa de
palpites. Entretanto, sei que ele apreciará a possibilidade de debater esses
pontos, dado seu espírito público – pude constatá-lo quando apoiou fortemente a
Instituição Fiscal Independente (IFI) nos seus anos iniciais.
*Economista-chefe e sócio da Warren Rena,
foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro
diretor executivo da IFI
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