O Estado de S. Paulo
Lula e Alckmin decidem dar destaque à
reconstrução da indústria, um setor em retrocesso há mais de uma década
Sem sucesso, até agora, na missão de
pacificador internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode
empenhar-se, enfim, na tarefa mais prosaica, mas indispensável, de cuidar do Brasil
e de reconduzi-lo ao crescimento e à modernização de sua economia. O plano de
reindustrialização – ou “neoindustrialização” – anunciado por ele e explicado
por Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, parece marcar o início de um
governo efetivo, depois de quase cinco meses de mandato, de muito palavrório
improdutivo e de lances populistas. Com o programa econômico recém-lançado, o
presidente parece disposto a finalmente descer do palanque. Sem isso, também o
esforço de redistribuição de renda será inútil, no médio e no longo prazos.
Empregos decentes e melhora sustentável das condições de vida só são possíveis
com crescimento econômico mais veloz e mais duradouro.
A novidade é animadora, porque o governo pouco fez, em quase cinco meses, para gerar maior dinamismo, ou para cuidar do problema, especialmente importante, de reindustrializar o País. Não basta oferecer dinheiro. No primeiro trimestre, os R$ 6,1 bilhões emprestados ao setor industrial foram a maior fatia (32%) dos financiamentos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas isso seria insuficiente para caracterizar uma política de reindustrialização.
Uma política desse tipo envolve a
elaboração de um diagnóstico, a fixação de metas, a análise do mercado e das
condições de competição, a avaliação dos desafios tecnológicos, as necessidades
de mão de obra e, naturalmente, a análise dos custos e das formas de
financiamento. O plano exposto pelo vice-presidente parece ter envolvido todas
essas tarefas e, além disso, dá ênfase a questões como critérios de
diversificação, interiorização de processos e seleção de setores com maior
potencial de competitividade. A racionalização tributária será fundamental, mas
a reforma ainda tramita no Congresso e o resultado final depende, portanto, de
uma capacidade negociadora maior que aquela demonstrada recentemente pelo
presidente Lula.
Não há, obviamente, como cuidar de uma
política de reindustrialização sem levar em conta a importância da economia
chinesa, como competidora e possível colaboradora. A visita do presidente
brasileiro à China pode ter aberto uma nova fase de colaboração, mas falta ver
como os dois lados poderão articular seus interesses. Por enquanto, a
reaproximação com os chineses parece representar, para o presidente brasileiro,
principalmente uma oportunidade a mais de mostrar a língua aos Estados Unidos e
à Europa ocidental. Governar e promover desenvolvimento envolvem muito mais do
que isso e requerem talentos diferentes da oratória sindical.
Enquanto o presidente, aparentemente
estimulado por seu vice, começa enfim a cuidar da política econômica, as
projeções ainda apontam resultados pífios. O Produto Interno Bruto (PIB)
crescerá apenas 1,2% neste ano, segundo a estimativa incluída no boletim Focus
divulgado no dia 22. Em 2026 a expansão econômica ainda será de apenas 1,8%, de
acordo com esse relatório, elaborado semanalmente com base em projeções do
mercado.
Mostrando algum otimismo, o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, anunciou há poucos dias a expectativa de 1,9% de
aumento do PIB em 2023. Em março, a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) atualizou para 2,6% a previsão de avanço da
economia mundial e para 1% a projeção para o Brasil. O desempenho brasileiro
tem sido há anos inferior à média global e nada parecia indicar, antes do novo
plano, um quadro diferente até o fim deste mandato.
Nem o dinamismo do agronegócio tem
resgatado o País da estagnação. O PIB segue em marcha lenta, enquanto o setor
industrial encolhe e perde o papel de principal motor da modernização econômica
e de criação de empregos decentes.
A retomada desse papel foi um dos objetivos
citados pelo vice-presidente ao prometer a “neoindustrialização”.
O desastre setorial, ainda sem interrupção,
é indisfarçável. Em março, a produção da indústria teve crescimento mensal de
1,1%, mas o resultado foi negativo nos dois meses anteriores, assim como no
trimestre. Em 12 meses o avanço foi nulo e os últimos dados mostraram uma
produção 17,9% abaixo do pico da série histórica, em maio de 2011, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Fatores conjunturais, como juros altos e
baixo poder de consumo das famílias, podem explicar em parte a crise da
indústria. Mas, apesar desses entraves, as vendas do comércio varejista
cresceram 0,8% em março e no primeiro trimestre foram 2,4% maiores que as de um
ano antes. As dificuldades do consumidor podem afetar o quadro industrial, mas
os problemas setoriais vão muito além disso e incluem o chamado custo Brasil e
a escassez de mão de obra bem formada. Agora, pela primeira vez em muitos anos,
surge em Brasília um projeto de reconstrução da indústria. É uma das melhores
notícias no front econômico.
Nenhum comentário:
Postar um comentário