domingo, 28 de maio de 2023

Rolf Kuntz - Enfim, um rumo para o governo

O Estado de S. Paulo

Lula e Alckmin decidem dar destaque à reconstrução da indústria, um setor em retrocesso há mais de uma década

Sem sucesso, até agora, na missão de pacificador internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode empenhar-se, enfim, na tarefa mais prosaica, mas indispensável, de cuidar do Brasil e de reconduzi-lo ao crescimento e à modernização de sua economia. O plano de reindustrialização – ou “neoindustrialização” – anunciado por ele e explicado por Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, parece marcar o início de um governo efetivo, depois de quase cinco meses de mandato, de muito palavrório improdutivo e de lances populistas. Com o programa econômico recém-lançado, o presidente parece disposto a finalmente descer do palanque. Sem isso, também o esforço de redistribuição de renda será inútil, no médio e no longo prazos. Empregos decentes e melhora sustentável das condições de vida só são possíveis com crescimento econômico mais veloz e mais duradouro.

A novidade é animadora, porque o governo pouco fez, em quase cinco meses, para gerar maior dinamismo, ou para cuidar do problema, especialmente importante, de reindustrializar o País. Não basta oferecer dinheiro. No primeiro trimestre, os R$ 6,1 bilhões emprestados ao setor industrial foram a maior fatia (32%) dos financiamentos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas isso seria insuficiente para caracterizar uma política de reindustrialização.

Uma política desse tipo envolve a elaboração de um diagnóstico, a fixação de metas, a análise do mercado e das condições de competição, a avaliação dos desafios tecnológicos, as necessidades de mão de obra e, naturalmente, a análise dos custos e das formas de financiamento. O plano exposto pelo vice-presidente parece ter envolvido todas essas tarefas e, além disso, dá ênfase a questões como critérios de diversificação, interiorização de processos e seleção de setores com maior potencial de competitividade. A racionalização tributária será fundamental, mas a reforma ainda tramita no Congresso e o resultado final depende, portanto, de uma capacidade negociadora maior que aquela demonstrada recentemente pelo presidente Lula.

Não há, obviamente, como cuidar de uma política de reindustrialização sem levar em conta a importância da economia chinesa, como competidora e possível colaboradora. A visita do presidente brasileiro à China pode ter aberto uma nova fase de colaboração, mas falta ver como os dois lados poderão articular seus interesses. Por enquanto, a reaproximação com os chineses parece representar, para o presidente brasileiro, principalmente uma oportunidade a mais de mostrar a língua aos Estados Unidos e à Europa ocidental. Governar e promover desenvolvimento envolvem muito mais do que isso e requerem talentos diferentes da oratória sindical.

Enquanto o presidente, aparentemente estimulado por seu vice, começa enfim a cuidar da política econômica, as projeções ainda apontam resultados pífios. O Produto Interno Bruto (PIB) crescerá apenas 1,2% neste ano, segundo a estimativa incluída no boletim Focus divulgado no dia 22. Em 2026 a expansão econômica ainda será de apenas 1,8%, de acordo com esse relatório, elaborado semanalmente com base em projeções do mercado.

Mostrando algum otimismo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou há poucos dias a expectativa de 1,9% de aumento do PIB em 2023. Em março, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) atualizou para 2,6% a previsão de avanço da economia mundial e para 1% a projeção para o Brasil. O desempenho brasileiro tem sido há anos inferior à média global e nada parecia indicar, antes do novo plano, um quadro diferente até o fim deste mandato.

Nem o dinamismo do agronegócio tem resgatado o País da estagnação. O PIB segue em marcha lenta, enquanto o setor industrial encolhe e perde o papel de principal motor da modernização econômica e de criação de empregos decentes.

A retomada desse papel foi um dos objetivos citados pelo vice-presidente ao prometer a “neoindustrialização”.

O desastre setorial, ainda sem interrupção, é indisfarçável. Em março, a produção da indústria teve crescimento mensal de 1,1%, mas o resultado foi negativo nos dois meses anteriores, assim como no trimestre. Em 12 meses o avanço foi nulo e os últimos dados mostraram uma produção 17,9% abaixo do pico da série histórica, em maio de 2011, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Fatores conjunturais, como juros altos e baixo poder de consumo das famílias, podem explicar em parte a crise da indústria. Mas, apesar desses entraves, as vendas do comércio varejista cresceram 0,8% em março e no primeiro trimestre foram 2,4% maiores que as de um ano antes. As dificuldades do consumidor podem afetar o quadro industrial, mas os problemas setoriais vão muito além disso e incluem o chamado custo Brasil e a escassez de mão de obra bem formada. Agora, pela primeira vez em muitos anos, surge em Brasília um projeto de reconstrução da indústria. É uma das melhores notícias no front econômico.

 

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