Folha de S. Paulo
Há duas diferenças notáveis entre o
Congresso que Lula encontrou agora e o de 2003
Na última terça-feira (23), Lula foi
ao Congresso e
teve uma grande vitória: o novo regime fiscal foi
aprovado com votação esmagadora.
No dia seguinte, Lula voltou ao Congresso e
levou uma surra. Em um único dia, o Parlamento esvaziou ministérios de
Lula, retirando
competências das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas,
aprovou urgência
para a votação do marco temporal para demarcação de terras indígenas e
liberou uma mutreta que permite
desmatar a mata atlântica.
Lula não foi apresentado ontem ao presidencialismo de coalizão brasileiro, em que o presidente se elege sem maioria parlamentar e tem que formá-la distribuindo cargos e verbas. Já administrou o sistema por oito anos e sobreviveu. O que mudou?
Alguns críticos apontam problemas em sua
gestão atual do modelo. Por exemplo, o governo pode ter aceitado
o fatiamento do Meio Ambiente para evitar o fatiamento da Casa Civil, que
controla muito mais recursos. Se for o caso, isso reforça a tese do cientista
político Carlos Pereira, que vem insistindo que Lula precisa repartir de
maneira mais proporcional os recursos do governo entre seus aliados.
Por outro lado, há duas diferenças notáveis
entre o Congresso que Lula encontrou agora e seu vizinho de praça dos três
Poderes de 2003.
Para o cientista Sergio Abranches, criador
do conceito de "presidencialismo de coalizão", "o modelo entrou
em crise nos últimos anos, mas os presidentes continuam se elegendo sem maioria
parlamentar".
O Congresso acumulou poder durante a
sequência de presidentes fracos (Dilma, Temer e Bolsonaro) e não quer
devolvê-lo a Lula ou a qualquer outro chefe do Executivo. Como Arthur Lira já
deixou claro, os parlamentares querem que um pedaço maior do Orçamento seja
distribuído sob a forma de emendas
parlamentares, e não gastos em políticas públicas do governo federal. Isso
diminui a eficácia de políticas de caráter estratégico, de longo prazo, e joga
mais recursos para a política regional, em que a fiscalização da imprensa e das
autoridades é menor.
Além disso, o Congresso parece mais
ideologizado. Não por acaso, o grande sucesso de Lula no Congresso foi o regime
fiscal, que não é tão restritivo quanto a maioria conservadora queria, mas
reflete concessões importantes da esquerda. Já as derrotas do governo foram em meio
ambiente, direitos indígenas e combate às fake news, pautas em que é a direita
que não quer ser submetida a qualquer limite.
Parte desse problema é conjuntural: há uma
disputa pelo posto de rival de direita do PT nas disputas presidenciais,
posição que por muitos anos foi do PSDB. O cientista político Fernando Limongi
nota que os partidos de direita que antes aderiam a qualquer governo (PP, PL,
Republicanos, etc.) agora cogitam esperar a próxima eleição presidencial para
assumir o poder, dificultando a formação da nova maioria.
No longo prazo, pode ser bom que partidos
como o PL, o PP ou o PSD procurem adquirir identidades ideológicas mais claras
conforme cresçam e se tornem rivais do PT nas eleições presidenciais. No curto
prazo, porém, Lula vive no pior dos mundos: um Congresso ainda sem ideologia
suficiente para dispensar a distribuição de cargos e verbas, mas já ideológico
o suficiente para barrar propostas de esquerda, inclusive as boas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário